gabriel 23/04/2022
Começou bem e terminou mal: uma metáfora não intencional da vida?
Vou dar uma generosa colher de chá para esse livrinho e presenteá-lo com quatro e irrelevantes estrelas, que representam um pouco do meu prazer e interesse no seu início, e na ladeira abaixo que ele tomou a partir da segunda metade. O começo é bem bacana, ela apresenta a ideia de "daseinsanalyse", palavrão alemão que expressa uma corrente importante da psicoterapia. A apresentação é leve, dá algumas pistas teóricas, mas como não se trata de um livro acadêmico, ela nunca se aprofunda nisso. Porém senti que as breves explicações são suficientes para ter uma ideia razoavelmente precisa do que se trata o negócio.
O problema do livro é a sua opção em centrar a narrativa em dois casos clínicos efetivos (na verdade semi-ficcionais), que beiram a irrelevância e flertam muito fortemente com o tédio e a banalidade (além da simplificação). Uma mulher é difamada por um cafajeste na sua adolescência, apanha (e apanha feio) do pai, criando uma vida de mágoas e infelicidade. Até aí beleza, e quem sou eu para dizer que isso é irrelevante (na verdade, é uma coisa bem grave, e traz consequências mesmo), o problema é tudo o que circula em volta disso.
A canalhice do cara é simplificada, o cara é só canalha e pronto, tornando o livro maniqueísta. É, no entanto, esta simplificação que cria alguns dos melhores momentos do livro, pois é justamente neles que a terapeuta tenta dar um sentido para essa "banalidade do mal", digamos assim. Como tratar de alguém que viola os nossos valores? O livro arrisca algumas hábeis respostas, proporcionando discussões legitimamente interessantes. Mas no final de tudo, o terapeuta apenas desiste do paciente, e entrega a bomba para outro com mais estômago. E aí ele passa a discutir isso com outro terapeuta, uma espécie de "supervisor" dele. Pois é, não é um estilo exatamente emocionante...
A mulher que foi marcada pelos traumas do abandono, da canalhice e do abuso paternal, alterna isso com dilemas típicos de uma dona-de-casa de classe média, do tipo "como vou pagar minha empregada", "tomar um vinhozinho na festa", "levar o filho pro judô" e coisas do tipo. A autora parece ser uma tiazona velha e conservadora, em certo momento mistura o onze de setembro com a bomba de Hiroshima, num gesto claro de senilidade. Ainda assim, fornece material suficiente para se pensar a "daseinsanalyse" (a tal da terapia, de forte inspiração fenomenológica).
É um livro, então, que discute alguns aspectos interessantes relativos à terapia, como encarar os problemas da vida, fazendo isso através de uma corrente de pensamento específica, que é a daseinsanalyse/fenomenologia. O problema é que nem essa é aprofundada, e a história que serve de "fio condutor" não é exatamente de tirar o fôlego. Mas é um livro recomendável pela brevidade, acessibilidade e tem alguns genuínos bons momentos. Indico, mas a segunda metade deve ser lida com uma térmica do lado, com café bem forte, para aguentar as passagens mais soporíferas.