Bruno 05/07/2014Um perdão da boca pra foraÉ difícil descrever a sensação de que um livro nos dá duas ideias de tal forma contraditórias a seu próprio respeito que, no final, não sei explicar exatamente o que achei dele. Vou tentar o melhor possível aqui, mas
Perdão, Leonard Peacock está sendo algo difícil de resenhar.
Não costumo esconder que me atraem, por motivos que só Deus sabe, histórias cujos protagonistas sejam jovem perturbados ou esquisitões. Talvez seja por isso que gostei tanto de ler O condado de Citrus (John Brandon) e Se alguma vez… (Meg Rosoff), ambos do começo do ano com os quais tive contato lá no trabalho. Então, quando Meu Amor™ se interessou por este romance, e o comprei pra ela como parte de um presente de Dia dos Namorados, logo resolvi que depois eu daria uma olhada também.
A premissa me atraiu: Leonard Peacock está comemorando seu aniversário de dezoito anos com uma atitude singular. Ele entregará presentes a quatro pessoas que significam muito em sua vida e, com um revólver herdado de seu avô no tempo da Segunda Guerra, matará o seu ex-melhor amigo e colocará fim a própria vida. Parece pesado, e é algo que não se vê todos os dias; como esta história poderia se desenrolar era o que me deixava curioso e animado para a leitura.
A história já começa fácil de se ler; a narrativa é simples e dinâmica, na primeira pessoa de Leonard Peacock, uma voz jovem e tranquila de se acompanhar. Econômica nas descrições, foco no pensamento e nos acontecimentos; temos uma visão em primeira mão da mente fervorosa do jovem Peacock. Há o uso sagaz de notas de rodapé, do próprio narrador, para adicionar alguns detalhes, factóides, opiniões e anedotas que poderiam também ser inseridas no corpo principal do texto. Apesar de acrescentarem ao texto, também poderiam ser descartáveis em momentos de pressa. Os capítulos são curtos, o que adiciona à dinamicidade da obra, e a sua curta extensão, de pouco mais de duzentas páginas, contribui para que seja um livro rápido.
Agora, a questão começa com o próprio personagem-narrador; creio que o nível de gosto que o nosso protagonista nos proporcionará é relativo a quanto o leitor ver um pouco de si mesmo naquela mente entristecida. Leonard Peacock quer se matar por inúmeros motivos: ele sente que não fará falta, sua própria mãe não se importa com ele, dando enfoque à carreira e à vida com um francês que namora após o divórcio com o pai; não tem amigo nenhum além de um senhor com o qual assiste filmes em preto-e-branco regularmente, e é provavelmente todo complexado devido a algum acontecimento (a princípio misterioso) envolvendo seu ex-melhor amigo e alvo de sua vingança, Asher Beal.
Ao mesmo tempo, Peacock se vê superior e esnoba mentalmente a muitos: adultos infelizes, aos quais vê como forçados pelo sistema a manter vidas que não gostam; seus colegas de sala, que julga “cordeiros”, ou “ordinários” e sem qualquer tipo de característica redentora. Ele se crê intelectualmente especial, o único que entende como as coisas funcionam. E isso acaba sendo um motivo para que desgostemos desse protagonista. Entretanto, isso não pode ser creditado a um problema de escrita, já que é provavelmente intencional uma arrogância latente na construção do personagem, mesmo que acabe o tornando irritante.
Não obstante, se pensarmos que ele tem um complexo de inferioridade, o que combina perfeitamente com seu estilo, seus traços tornam-se contraditórios. Sua insegurança faria com que julgasse os demais, e por isso se tornasse um pouco esnobe. Mas o jeito como os julga não combina com o esquema de insegurança; é mais reminiscente de uma total certeza de sua superioridade por um lado – que, por outro, com seus sentimentos de inutilidade, formam um retrato um pouco ambíguo e contraditório do que o personagem supostamente deveria ser.
Mas, mesmo com todos os revezes, o livro teve sucesso em fazer com que eu me importasse com Peacock. Chega àquele ponto em que queremos saber o que vai acotecer, e tive o interesse real em que Leonard arranjasse algum tipo de fechamento em sua própria história – nem que isso, de fato, envolvesse a própria morte. Só desejava que ele atingisse alguma espécie de satisfação em seus próprios atos, e não se deixasse invadir pela total apatia.
O que me leva ao meu problema principal: o desenrolar da história.
Perdão, Leonard Peacock foi um romance para o qual eu implorava que me surpreendesse, que não tomasse o caminho previsível e fácil, e que me apresentasse com um desfecho satisfatório para completar uma experiência que, como sua premissa, fosse inusitada. Infelizmente, acabei decepcionado. Durante certos trechos da história, eu imaginei “como isso seria ou acabaria do jeito mais comum”, e tive que fazer caretas quando descobri que, sim, eles acabavam daquela maneira. Na expectativa alta de ter algo que nos tirasse da zona de conforto, acabei com mais uma tentativa de história de superação que, digamos, não consegue nem ao menos completar o seu final pouco inspirado de maneira satisfatória.
Spoilers nesse parágrafo e no seguinte, então favor pular caso não tenha lido e queira manter algumas das surpresas. Uma conversa com Amor após o fim da leitura me ajudou a apontar o que exatamente não gostei do livro. Meu problema é que, depois de tudo o que ele passou, absolutamente nada das partes mais importantes de sua missão foi cumprida. Ele não matou seu ex-melhor amigo que, além de tudo, ainda não faz ideia de que Leonard Peacock tem alguma relevância. Representado durante todo o romance como o mal encarnado, Asher Beal se mantém completamente intocado, sem mudar comportamentos, sem sequer saber que quase fora alvo de uma vingança sangrenta. Ademais, toda a questrão com Beal parece pouco explorada: só descobrimos perto do clímax o que de fato aconteceu entre os dois, e o tal é colocado de maneira muito breve. Senti que faltou um aprofundamento: como os eventos se desevolveram para tornar Leonard quem ele é? Como foi a transição de melhores amigos para quase desconhecidos? Esta parte, que nas sinopses do livro pareciam e deveriam ser tão cruciais para a história, é exposta de maneira apressada, no meio dos enredos dos presentes.
Além de tudo, o próprio final de Leonard é insatisfatório, na medida que ele se prejudicou e destruiu possíveis amizades durante o seu “último dia”, apenas para voltar atrás, decidir viver, e agora ter de encarar uma vida provavelmente ainda mais miserável do que a que mantinha antes do começo da história. Isso sem contar o fato de ter desapontado a única pessoa que realmente acreditava nele. O que me leva a crer que, não tendo ele se matado agora, não deve demorar muito para que ele volte a ter as intenções suicidas. Até porque sua mãe, representada como alguém incrivelmente negligente, ainda se mantém alheia à vida de Leonard. Em negação, ela acabará sendo um empecilho para que Leonard consiga ajuda profissional, coisa com a qual o próprio já estava reticente, indicando que ele continuará sem procurá-la. E, apesar do último capítulo tentar apresentar uma nota esperançosa, com uma promessa dele para si próprio de que combateria seus próprios demônios, quando consideramos todo o conjunto da obra, é bem pouco convincente de que isso surtiria efeito real nos dilemas pelos quais passa.
Apesar da decepção com os aspectos do desfecho e do último quinto do livro, não posso dizer que foi uma experiência ruim ou que me arrependi de ter lido. Naquele maior esquema de “a viagem é mais importante que o destino”, foi uma leitura legal de se fazer, não exigiu muito, e ainda que tivesse problemas com o personagem de Leonard Peacock, da metade do livro para a frente isso acabou se abstraindo e permitiu uma aproximação com a mente deste protagonista. E as minhas opiniões tornam-se mistas: por um lado, gostei bastante de ler o livro. Por outro, uma expectativa alta e várias resslavas fizeram com que eu me sinta indisposto em relação a ele. Sei que para muitos a história foi tocante. Mas, para mim, a sensação de irrealidade da qual não consegui escapar acabaram prejudicando um romance que eu esperava que fosse outro.
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http://adlectorem.wordpress.com/2014/07/05/perdao-leonard-peacock/