spoiler visualizarCarla.Maciel 26/05/2024
Uma obra linda
O livro é belíssimo muito bem escrito, com uma linguagem bem poética em um tom confessional que passa a impressão de que o leitor está conversando com Isabela Figueiredo. Que bom saber que apesar dela ter sido criada em um ambiente extremamente racista (uma colônia portuguesa na África) a autora soube pensar por si mesma em alguns momentos ela deve ter reproduzido racismos mas houve a percepção posterior de que não era correto.
Deve ter sido difícil para a autora escrever um livro tão intimo, a história de sua infância se mistura com a história da colonização portuguesa na África. Que sensibilidade de Isabela ao falar sobre a condição feminina na colônia, muito tocante Varias cenas são emocionantes, varias passagens são lindas abaixo listo minhas preferidas.
"No principio eu era carne e estava na terra. Começou assim. Não pensei em mim como como rapariga nem como branca nem como rico ou pobre. Não pensei porque não era preciso" (p,5)
"A tua obra. Caderno de memórias coloniais faz a análise da história a partir de um lugar proibido às mulheres castas: O sexo. Fiquei fascinada. Que maravilha, que coragem, Isabela! Até usaste palavras proibidas às meninas bonitas para mostrar que existe uma outra forma mais verdadeira de ver o mundo." (p.9)
" O negro estava abaixo de tudo. Não tinha direitos. Teria os da caridade, é se merecesse. Se fosse humilde." (25)
"Tudo que as pretas vendiam tinha saído das terras que cultivavam, mas não lhes pertenciam, e tudo era bom para comer. As pretas Vendiam para comerem elas e seus filhos e os homens, que nunca são de ninguém." (p.32)
"Se um negro corria, tinha acabado de roubar; se caminhava devagar, procurava o que roubar." (p39)
" Vestiam-me e calçavam-me de branco, mandavam-me pisar o raio da terra tão negra e húmida que chiava debaixo dos pés, ou tão vermelha que o verniz ou o couro se pintavam de um aquarela de sangue claro. Não havia forma de poupar o meu corpo às manchas da terra, contudo estava proibida de me manchar dela. Não havia forma de me liberarem dessa necessidade de me manter imaculadamente branca. Na minha memoria estou sempre vestida de branco, preocupada em não me sujar. O vestido branco que não usei nesse dia é a mais clamorosa metáfora da minha vida de pequena colona: uma branca de branco, agarrada à saia que não pode sujar, olhando os sapatos brancos que não pode empoar." (p.74)
"Todos os lados possuem uma verdade indesmentível. Nada a fazer. Presos na sua certeza absoluta, nenhum admitirá a mentira que edificou para caminhar sem culpa ou caminhar, apenas. Para conseguir dormir, acordar, comer, trabalhar. Para continuar. Há inocentes-inocentes e inocentes-culpados. Há tantas vítimas entre os inocentes-inocentes como entre os inocentes-culpados. Há vítimas- vítimas e vítimas-culpadas. Entre as vítimas há carrascos. (p83)