Lasse_ 25/02/2024
Nostalgia é um livro verdadeiramente impressionante: um romance de estreia já totalmente maduro. Isso é ainda interessante porque aqui encontram-se os embriões de vários temas que o autor viria a explorar mais demoradamente nos livros posteriores. Aqui aparecem algumas meditações sobre a infância, a feminilidade, o salvador e mártir e principalmente a ficção, os sonhos e o espaço que estas outras realidades ocupam em relação ao mundo da vigília. Essa exploração se dá num borramento das fronteiras entre sonho/realidade/ficção por meio da narrativa surrealista e da metanarrativa.
Isso dito, essa aproximação do tema é bastante peculiar ao autor. Muitos nomes são ditos em relação à obra do Cărtărescu: Borges, Cortázar, Kafka, Gabo, Kundera, irmãos Grimm, etc (o curioso é que Breton parece esquecido na discussão), mas de fato a prosa deste autor é muito única, em especial neste romance de estreia (porque se trata de um romance, e não de um livro de contos). Aqui o autor se utiliza de alguns mecanismos como a polifonia e a quebra temporal ao mesmo tempo que busca manter uma forte característica pessoal e uma verdadeira beleza estilística, ao passo que a maioria do livro é contado em primeira pessoa por indivíduos que rememoram e exploram aspectos de suas vidas. Essas narrativas são belas porque os aspectos surreais são faraônicos e sinestésicos, de forma que deixam uma profunda impressão nos personagens: são tão impressionantes quanto significativas. Por conta disso, o discurso busca ser claro, pra transmitir toda aquela significância sentida na grandeza dos fatos, gerando uma prosa bastante bonita e colorida. Mas também há um aspecto de estranheza não apenas pela característica fantástica mas também por uma quebra consciente da lógica, artifício que aparece já na curta narrativa do prólogo. O paradoxo aparece como ferramenta para meditar sobre aspectos da ficção na realidade, alimentando a eterna busca de sentido.
E talvez este seja exatamente o motor por trás da própria escrita do autor. Através da ficção como ferramenta para entender a realidade nasce de forma bastante natural um aspecto de auto-ficção que, se não aparente no primeiro livro, impregna o último de forma inexorável. Grandes recomendações: Nostalgia e Solenoide. Espero ansioso a tradução do Fernando Klabin do último romance do Cărtărescu.