AnaBia Pereira 25/11/2018
Lacunas e repetições em incrível domínio da linguagem
Uma sensação de visão embaçada marca a literatura do chileno Alejandro Zambra. Pelo menos, foi assim que me senti ao final da leitura do livro que reúne dois de seus romances: Bonsai e A Vida Privada das Árvores. Fica-se sabendo, de antemão, que Julio e Emília, protagonistas da primeira narrativa, e Julian e Verônica, da segunda, terão seus momentos de felicidade atropelados pela presença potente do desencontro, da incerteza e da morte. Mas não há como explicar os desvios e tropeços das histórias de amor.
As lacunas fazem parte do estilo narrativo de Zambra que, como ele mesmo relata no prefácio, escreve por subtração, podando o texto como a um bonsai, para que dele só reste a essência da forma textual, indícios mínimos que instiguem a ação do leitor na construção da completude da obra. Completude parcial e subjetiva, acrescento eu, enquanto tento identificar as pistas e os porquês surrupiados dos romances. Confesso que a economia de Zambra me incomodou um pouco e ficou o desejo de conhecer mais a fundo os personagens. Por outro lado, tivesse eu, após a leitura, me considerado plena de sentidos, talvez não me sentisse desafiada a escrever esta resenha. Deve ser o que nos diz a Psicanálise: se algo nos falta, a gente precisa criar.
Achei curioso, e também genial que, embora fatos sejam deliberadamente suprimidos, o autor use o recurso da repetição para sublinhar aquelas ideias que deseja oferecer aos leitores. Há palavras e expressões reprisadas nas orações e parágrafos; informações são reforçadas ao longo dos capítulos, criando ciclos verbais que se retroalimentam. Com competência, e a favor da potência do texto, ele ignora a recomendação de que a repetição deve ser evitada pelos escritores.
Os dois romances são, ainda, uma homenagem literária à própria literatura – Zambra é professor e crítico de literatura. Os personagens dos dois romances se enredam em processos de leitura e escrita: discutem os clássicos antes de fazerem amor, ganham a vida dando aulas de espanhol, dedicam-se longamente à escrita “daquele” livro essencial. Julian, por exemplo, é tão apaixonado pelas palavras que inventa histórias sobre árvores e as conta, todas as noites, para a enteada.
Aliás, quando li, já há algum tempo, uma resenha sobre os livros do escritor, foi o assunto peculiar – a existência da vida privada de um álamo e um baobá - que primeiro me chamou a atenção. Só que, no romance, as árvores são simples coadjuvantes na aventura amorosa interrompida repentinamente. Na falta do empoderamento vegetal esperado, o jeito vai ser eu mesma inventar um conto sobre amendoeiras e ipês, figueiras e damas da noite, ou flamboyants e coqueiros. Escrever sobre as alegrias e desventuras destas personagens numa cidade linda e insana como o Rio de Janeiro. Alguém me acompanha?
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