Gramatura Alta 27/08/2018
http://gettub.com.br/2018/08/27/uma-noite-e-a-vida/
A história fictícia de Caio e Virgínia é semelhante a milhares de histórias da vida real. Difícil encontrar uma pessoa que não tenha escutado de amigos, de conhecidos, ou mesmo vivido, situações parecidas. Ela é fotógrafa de crianças, mas anseia por mais; ele está se formando em publicidade e não tem qualquer ambição. Ela se sente responsável por cuidar da irmã gêmea, Luiza, cuja saúde é precária; ele foge da família, do emprego fixo, de compromissos. Ela vem de uma relação conturbada, de uma decisão difícil; ele pula de uma relação para outra, enxerga na próxima mulher sua verdadeira paixão, que dura uma semana. Eles se conhecem em uma casa de shows, e a partir desse encontro, começam a se questionar sobre a vida que levam e a vida que gostariam de levar.
A narrativa de Chris Melo é em terceira pessoa, entretanto, a forma como escreve é semelhante a uma conversa entre ela e o leitor, como se ela fosse presente, uma conhecida, uma amiga, que está contando algo de pessoas que existem, que ela conhece. Isso a transforma em uma personagem, porque, ao contrário de outros livros, onde o narrador é imparcial e se contenta em apresentar a história sem tomar partido, Chris toma partido, dá sua opinião sobre os acertos e os erros de Caio e Virgínia, solta pensamentos do que ela acha que eles deveriam fazer, critica atos e decisões, divaga sobre como eles se comportam, ou seja, dá palpites como alguém que faz parte da história, e, com isso, leva o leitor junto.
É uma técnica de prosa que eu não conhecia, e não me lembro de algum outro livro que a utilize. Sinceramente? Gostei, porque tornou a experiência da leitura em algo mais pessoal, e criou uma aproximação, não apenas dos personagens, mas da própria autora. A coisa é tão diferente, que em certa parte, Chris parece que sente até raiva de seus personagens, como se não fosse ela quem criou cada um deles e o que eles estão vivendo. Por isso, repito que considero a autora como uma das personagens do livro.
Cris é o típico garoto que virou homem, mas não percebeu. Ele é imaturo, individualista, mimado, dramático, mulherengo, inconsequente, impulsivo, como praticamente todo homem da mesma idade, ou seja, entre os dezoito e os sessenta anos. Vive às custas da família em um apartamento e não sabe o que quer da vida. Gosta das coisas que tem, gosta de paquerar e ser paquerado, não enxerga seus erros, e quando é acusado de algo, se faz de vítima, instintivamente, e acredita que realmente é uma vítima.
Virgínia toma para si responsabilidades que não são suas. Ao invés de ingressar na faculdade, decide fazer uma viagem longa, se apaixonada por um homem mais velho e vive com ele dois anos fora do Brasil. Acontece algo na relação que a obriga a tomar uma decisão radical, sua irmã Luiza fica doente, ela volta para seu país e começa a trabalhar como fotógrafa infantil. Nesse ponto, ela não sabe para onde deseja seguir, não sabe se tem forças para tentar algo novo e se sente sufocada pela relação familiar.
Caio e Virgínia são a representação da maioria dos jovens adultos de classe média brasileira. Não sabem o que tem, não sabem o que querem ter, não sabem como manter uma relação afetiva, não sabem como responder à família, não sabem como realizar seus sonhos e desejos. Eles aprendem tentando, errando, consertando, errando de novo, consertando de novo, se separando, voltando, e assim em diante, até que consigam se acertar, ou se separar, definitivamente.
UMA NOITE E A VIDA trata desse tipo de relação, onde os erros de ambos, alguns pequenos, outros maiores, são o motor para moldar o caráter de cada um deles, até que finalmente consigam amadurecer e reconhecer o que realmente desejam. Aos poucos, Caio e Virgínia aprendem que uma relação se faz estável e duradoura, através de respeito, de confiança, de fidelidade, de pequenas concessões. Não há a possibilidade de existir um convívio harmonioso sem concessões. E para existirem concessões, é necessário existir respeito e amor. É necessário reconhecer no outro, aquilo que lhe é essencial, e abrir mão do que para você não é essencial. Equilíbrio.
Mas o livro trata de mais assuntos, como a inevitabilidade do destino em juntar duas pessoas. Há quem diga que quando uma pessoa está destinada para a outra, mesmo que demore muito tempo, mesmo que aconteçam separações, curtas ou longas, um dia, inevitavelmente, elas irão se encontrar de novo. E quanto esse encontro acontece, se elas já forem maduras suficientes, se já tiverem aprendido o que é respeito e como respeitar, então elas ficarão juntas para sempre.
UMA NOITE E A VIDA é um romance simples, atual, jovem, familiar, que trata de temas sensíveis de forma responsável, que se preocupa em ensinar. Acompanha a jornada de duas pessoas que se amam, mas que, primeiro, precisam aprender a se amar, a amar a família, a saber perdoar e a se perdoar. São coisas simples, cotidianas, mas que para muitos, são difíceis de reconhecer e de fazer. Pelo menos ao ler, pode ser que seja mais fácil para você.
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