Caroline Gurgel 23/12/2014Para os amantes de livros...Não tem nada que me anime tanto a furar uma lista de livros para ler do que um livro sobre livros. Uma pequena frase na capa resume perfeitamente bem o que é Ex-Libris: Confissões de uma leitora comum e o que sentimos ao ler suas páginas: uma declaração de amor aos livros. Exatamente isso, sem tirar nem pôr.
Antes de tudo, é preciso esclarecer que Anne Fadiman não é uma leitora tão comum assim. É uma leitora voraz, uma completa viciada em livros e tudo que eles podem lhe oferecer, uma típica bibliófila apaixonada. Seus ensaios são um convite para uma conversa deliciosa entre duas leitoras, um passeio por seus pensamentos e pelas minúcias de sua família, cujos membros são tão obcecados pelo mundo da leitura quanto ela.
Facilmente nos identificamos com os Fadiman, com alguns de seus costumes e manias, com algumas de suas loucuras, com muitos de seus pensamentos. Imaginem o que é viver em uma família em que todos são obsessivamente apaixonados por livros, pela arte de escrever e por escritores! Aos poucos, ensaio após ensaio, vamos entrando na intimidade desses personagens da vida real, e logo nos sentimos parte da família.
É quase como um diálogo, já que muitas vezes a respondi praticamente em voz alta, algumas vezes concordando com tudo, outras vezes discordando com um grito abafado “não, não faço isso”, mas sempre rindo.
Ela entra também em pontos importantes, como o porquê de algumas crianças gostarem de ler e outras não. Identifiquei-me bastante quando ela diz que sempre viu seus pais lendo, pois foi o que sempre aconteceu comigo. Na cabeceira do meu pai sempre tinha um livro, assim como uma estante cheia deles em outro quarto. Nunca cheguei na casa do meu avô para não interrompê-lo no meio de uma leitura. Lia sentado em uma cadeira no terraço, mas sempre encontrei livros espalhados por toda a casa e sua biblioteca era como um paraíso cheio de magia. Muito pouco – ou nada – adianta mandar uma criança ler se quem ela admira e tem como exemplo nunca está lendo.
“Minha filha está com sete anos, e alguns outros pais de alunos da segunda série se queixam de que seus filhos não leem por prazer. Quando visito suas casas, o quarto das crianças se encontra atulhado de livros caros, mas o dos pais está vazio. Essas crianças não veem os pais lendo, como acontecia comigo a cada dia da minha infância.”
Convida-nos a novas experiências – novas para mim, pelo menos – como ler em voz alta. Demoraria muito para terminar um livro em voz alta, não é? Ela nos faz refletir que isso talvez não seja tão ruim assim.
“Ler em voz alta significa não pular trechos, não passar os olhos apenas, não fazer recortes. Na velocidade em que estamos indo, levaremos seis meses para por Ulisses em casa, em Ítaca – o que não é tão mal assim se considerarmos que ele levou dez anos. Na verdade, nosso ritmo vagaroso pode mostrar que tem algumas vantagens. O poema vai se desdobrando de forma gradual, sua velocidade numa marcha mais apropriada para jônios do oitavo século a.C. do que para novaiorquinos estressados dos dias de hoje, e, à medida que avança, vai nos desacelerando também. Ao começarmos, senti que éramos muito ocupados para ler Homero. Agora sinto que somos muito ocupados para não lê-lo.”
Fala dos livros usados, do prazer de visitar um sebo, dos que gostam das páginas surradas e dos que preferem os livros com cheirinho de novo. Eu adoro livros novos, Anne Fadiman diz que um dia já foi assim, e fiquei me perguntando se eu mudaria também.
“Nem todo mundo gosta de livros usados. As manchas, as marcas, os sublinhados e as migalhas de torradas ossificadas deixadas pelos donos anteriores podem provocar um certo nojo em leitores mais delicados, como roupa íntima de segunda mão.”
Repito, é um diálogo incessante: ela fala, você responde; você fala, logo ela lhe responde também. Adorei conhecer essa família e cada pequena loucura sua, adorei identificar alguns detalhes que temos em comum e adorei querer ser como eles, querer um dia ler todas aquelas obras incríveis dos gênios que já passaram por aqui. Foi um deleite, uma leitura maravilhosa para quem ama livros. Eu estava um pouco errada, não é um livro sobre livros, é um livro sobre amantes de livros.
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