Cartoons

Cartoons Andy Singer




Resenhas -


2 encontrados | exibindo 1 a 2


Leticia.Essabba 24/01/2021

Vou dar um jeito de citar no meu TCC
Fofo, divertido e necessário. Além das charges tem textinho entre imagens e frases que ajudam a entender o tema um pouco mais a fundo. Recomendo demais.
comentários(0)comente



João Moreno 09/07/2020

Esta ‘resenha’ é uma desculpa para pensar e escrever sobre mobilidade urbana
A ‘resenha’ de 'Cartoons: atropelando a ditadura do automóvel', de Andy Singer, publicado pela editora Autonomia Literária, em 2018, vai ser anormal. Primeiro porque tenho muita coisa para escrever sobre, quase um livro[1], mas já estou com preguiça antes de começar. Segundo porque já é tarde e amanhã amaldiçoarei as horas de sono trocadas escrevendo este texto, sem dúvidas. Terceiro e quase por fim, resenhas pedem formalidades, formatos e padrões, e eu, aqui, só quero dialogar com Singer, trazer o seu trabalho para pensar a cidade, o transporte e o trânsito e refletir sobre a sociedade brasileira a partir desses “espaços coletivos de consumo”, como tão bem conceituou Vasconcellos, referência na área, aqui, no Brasil. Se no prefácio de ‘Cartoons’, Daniel Santini, jornalista e autor de ‘Passe Livre. As possibilidades da tarifa zero contra a distopia da uberização’, escreveu ser “preciso recortar esse livro e espalhar por aí. (...) cole nas paredes, pendure no mural da sua escola (...) o próprio autor autoriza a reprodução gratuita para atividades sem fins lucrativos com o propósito de combater carros e avenidas” (SANTINI, 2018, p. 15), ao dialogar sobre a obra e também com ela, não estou, de outra forma, em busca de alcançar esse objetivo?
Primeiro de tudo talvez seja necessário esclarecer o que é 'Cartoons: atropelando a ditadura do automóvel', uma história em quadrinho (HQ) escrita por um militante norte-americano – Andy Singer – e publicada pela primeira vez em 2001. Na obra, que é uma mistura de quadrinhos e textos informativos, Singer demonstra, com dados e fontes, a transformação da sociedade contemporânea diante da revolução dos transportes, de um em específico: o carro!

Como militante pelo “direito à cidade”, – e eu não uso essa expressão de forma pejorativa, como os conglomerados comunicacionais, oligopólios, responsáveis pela demonização dos diferentes movimentos sociais na esfera pública, fazem –, o trabalho do quadrinista questiona até que ponto as metrópoles foram pensadas para a convivência entre pessoas e até que ponto a auto-proclamada “eficiência dos Mercados” foi capaz de dar “respostas à questão da crise urbana – violência, mobilidade urbana, direito à moradia, universalização do acesso a bens culturais etc”.[2]

E é assim que em ‘Cartoons’ descobrimos que o modelo adotado pelos Estados Unidos da América (EUA), lá na distante década de 1930, o rodoviarismo (importado por aqui, mas discutiremos isso mais à frente), foi o responsável por transformações profundas na sociedade moderna. E são essas transformações que a obra retrata, no fim. Porque ao falar da “(...) consciência coletiva (...) [que faz] enxergar poder e virilidade na posse do carro; sentimento reforçado de forma eficiente pelo imaginário dos publicitários e suas propagandas com motores potentes e estradas e avenidas desertas”[3], Singer (2018) destaca que não se trata apenas de subjetividade ou da “mais pura das liberdades, a liberdade individual de trocar mercadorias e satisfazer as necessidades pessoas, sem regulações ou interferência estatal” (QUALQUER LIBERAL EM REDE SOCIAL, s.d, s.p). Trata-se de processos históricos e fenômenos complexos os quais irão conformar as vidas das pessoas das mais diferentes formas.

E eu aqui não irei falar como tudo começou, pois já tentei n’outro lugar[4], mas vou falar como Singer (2018) enxerga esse começo especificamente na sociedade norte-americana e como os problemas causados pelo carro –

excesso de vias construídas; espraiamento das cidades; suburbanização e formação de guetos; precarização dos diferentes modais de transporte públicos, canalização de recursos públicos para obras que (retro)alimentam essa lógica; lobbies; subordinação do interesse público à lógica privada (construtoras e montadoras de veículos, empresas responsáveis pela construção e manutenção de estradas, petrolíferas etc); perda de produtividade sistêmica, com as horas perdidas em trânsitos cada vez mais congestionados etc etc... agora aplique e reaplique essa lógica por, no mínimo, 90 anos...

– começaram após o New Deal, com a criação de “uma “Administração para o Planejamento de Obras”, além de outros programas governamentais que favoreceram a construção de estradas, pontes e túneis para carros” (p. 84).

Segundo Singer (2018), após o feito anterior, para a criação das “redes rodoviárias”, foram criadas “agências semi-públicas”, “muitas vezes” financiadas com dinheiro público, incluindo emissão de dívida. O quadrinista ressalta o poder que tais empresas possuíam, seja para desapropriar moradores ou para “controlar e policiar seus domínios de acordo com suas próprias leis” (p. 84).

Diz Singer (2018) para horror dos liberais e dos adoradores do “livre-mercado” (sic) que essas empresas e, assim, a infra-estrutura rodoviária dos EUA, 'construíram-se' a base de lobbies e dinheiro público advindos do (malvadão) Estado. Como num ciclo, o crescimento econômico das empresas privadas propiciou, em igual medida, o fortalecimento político destas. Como não há separação entre Política e Economia, Singer (2018) destaca como diretores de agências rodoviárias eram indicados por prefeitos a presidentes. E é importante deixar claro que isso tudo se trata de um discurso, uma cultura, uma ideologia ou uma realidade intersubjetiva: a prática perdurou e se transformou num ciclo que foi realimentado. Com as externalidades geradas pela construção indiscriminada de vias, produção excessiva de carros e transformação da habitação de direito social a mercadoria, a justificativa do “Deus-Mercado” para a crise urbana foi a construção de mais vias, produção de mais carros e construção de mais casas, agora distantes, porque, como escreveu a professora livre-docente pela Universidade de São Paulo (USP), Raquel Rolnik, terra barata é terra distante, de quinta.

“Seus diretores são geralmente nomeados por prefeitos, governadores ou presidentes e, uma vez nomeados, pode ser muito difícil de removê-los. A capacidade de gastar bilhões de dólares provenientes de fundos federais e estaduais dá um incrível poder político às agências rodoviárias e aos seus diretores. Todo esse dinheiro representa milhares de postos de trabalho e enormes lucros para as empresas de engenharia e construção. Dessa forma, sindicatos, associações comerciais além de muitos outros grupos bem organizados podem ser mobilizados em apoio à projetos rodoviários. Políticos que se opõem a esses projetos podem ver-se rapidamente substituídos por outros candidatos.[85]

Desde a sua criação nas décadas de 1930 e 1940, as agências rodoviárias, ou departamentos de estrada de rodagem norte-americanos, tais quais organismos vivos gigantes, tem crescido a base do dinheiro de impostos. Ao final da década de 1940 já haviam se tornado um poderoso lobby no governo, defendendo a criação e assegurando a construção de pontes, túneis e estradas faraônicas. Combinadas aos fabricantes de automóveis e as empresas do setor petrolífero, elas formaram um gigante “Complexo Industrial Automobilístico” norte-americano, que, em meados de 1956, conseguiu aprovar a lei de rodovias interestaduais (“Interstate Highway Act”), criando novas receitas através da tributação sobre o combustível, e gerando bilhões de dólares adicionais aos subsídios federais e estaduais. Quando suas pontes e rodovias começaram a ficar saturadas de carros, o lobby rodoviário construiu novas estradas e ampliou as já existentes, em nome da “redução do trânsito” e de “mais segurança.”. Quando essas novas estradas ficaram por sua vez abarrotadas de automóveis, funcionários governamentais garantiram que a construção de ainda mais estradas aliviaria o problema.” (p. 99-100).

Todo esse contexto e contendas políticas – porque o trânsito e a circulação ou o “planejamento de circulação não é uma atividade neutra. Todo ambiente é marcado pelas políticas anteriores que revelam os interesses dominantes que as moldaram”[5] – são apresentados em ‘Cartoons’ em charges e quadrinhos/tirinhas geniais. Com um único desenho, Singer consegue ser mais eloquente que qualquer artigo científico que denuncia a mobilidade urbana excludente, por exemplo, calcada no incentivo à motorização individual. Por que escrever páginas e páginas demonstrando como o problema do transporte público não se resume às empresas de ônibus, discurso tosco à direita e à esquerda, quando, numa imagem Andy Singer, aponta todos os elementos, com legenda? O potencial da arte na Comunicação, na quebra de clichês, estereótipos e senso comum, como falou Ciro Marcondes Filho , é transformador.[6]

Agora entro nos “poréns” e já escrevi três páginas em mais de duas horas. Entendendo que Singer (2018) escreveu pautado num contexto diferente para um público diferente, me surpreendi em como a editora Autonomia Literária não foi capaz de preencher essa lacuna, no trabalho do autor. Talvez estivesse esperando demais e seja apenas isso. Mas, de fato, as últimas partes não dialogam em nada com a sociedade brasileira, principalmente os textos e rabiscos que falam sobre a proposta de Singer a respeito de intervenção pública.

Como propor que aqueles que usam do carro em seus deslocamentos diários, numa ação individual contrária à indústria e à cultura do automóvel, possam abdicar dele em detrimento do transporte público, no Brasil?

Como pessoas pobres podem se deslocar a pé ou de bicicleta se pessoas pobres, no Brasil, moram, via de regra, em periferias, distantes dos centros urbanos?

No Brasil, há escolhas quanto ao uso do carro ou os brasileiros estão sendo ‘encurralados’ a escolher esse modelo de deslocamento diário?

Como o “Estado Malvadão” vai cumprir o seu dever constitucional em prover transporte público eficiente (CF 1988, art. 1, 3, 6, 182 e 183) se atende ao lobby da indústria automobilística e da construção civil desde sempre?

Como cogitar que os brasileiros se mobilizem em prol de serviços públicos decentes se o que é público vem sendo demonizado há anos, seja pela classe política, pela burguesia brasileira, em suas diferentes frações, pelos Meios de Comunicação ou pela própria qualidade do serviço, aqui, no Brasil, destinado à população mais pobre e, por isso, precário, afinal, o que esperar de um país ainda escravocrata, máquina de moer gente?

Como não levar em conta a centralidade do automóvel na sociedade brasileira –

“Não há sistema de transporte coletivo que tenha condições de competir com isso. A briga é desigual. Porque a cultura do automóvel está aqui, ‘encucada’, no imaginário da população, desde a década de 1950, desde a época do [então presidente] Washington Luis, que disse que ‘governar é abrir estradas’. Passa por JK e vem a indústria automobilística e fala: ‘Ô, gente, andar de ônibus, bonde, de bicicleta, é coisa de pobre, vocês têm que andar com mais segurança, mais agilidade, mais conforto’. É o carro! Então se botou uma coisa na cabeça do cidadão brasileiro. Por que as nossas casas, nas suas plantas, estão sempre adaptadas e previstas para parte delas serem ocupadas pelo carro? Não tem agora o prédio que está sendo planejado para se colocar carros dentro dos apartamentos? [30] Quer dizer, está na cabeça do cidadão brasileiro que o carro é referencial do sucesso. ‘Eu sou bem-sucedido porque eu tenho um carro.’ Isso tudo significa que nós somos reféns dessa cultura”[7]

– quando ele por muito tempo foi um símbolo de distinção social da Classe Média em relação à Classe C e à “ralé brasileira”[8] , mas também, representou a garantia ao direito ao consumo de parcela mais pobre da população – consumo ao carro zero, com redução de IPI, com os mais de dois milhões de unidades produzidas por ano desde 2007 –, pela primeira vez na história, mesmo que ainda alijada do conceito de cidadania?

Como os brasileiros estão sendo formados para discutir a cidade? O jornalismo, em seus milhares de jornais nos diferentes formatos e plataformas, consegue apresentar, ao brasileiro, a complexidade desse debate?

“Em estúdio, Almir Costa, o jornalista que há pouco gravava em pontos extremos da cidade e que provavelmente usara um carro (com motorista particular) para tal deslocamento, terminou a sua participação no assunto com um comentário. “Pois é, todos os usuários sabem, na ponta da língua, o que precisa fazer [sic]. E as empresas? E o poder público que faz a gestão desse transporte público, será que sabe e vai fazer alguma coisa? Hein, João Victor Guedes, você que está no terminal de ônibus aqui em Goiânia, que resposta você tem para os nossos telespectadores que tanto reclamam desses problemas que a gente não cansa [sic] de mostrar aqui?” Será?

Em Sobre a televisão, ao determinar o modus operandi dos profissionais e empresas de comunicação, o sociólogo Pierre Bourdieu faz uma crítica ao alcance e à forma do discurso jornalístico e televisivo. Segundo o pesquisador francês, a organização particular do campo jornalístico, calcado na linguagem do espetáculo, contribui para um empobrecimento do espaço democrático. Assim, Bourdieu é crítico ao controle quase dogmático da opinião pública pelos meios de comunicação. Segundo o pensador francês, como os jornalistas são menos engajados no fazer intelectual e no pensar criticamente, acabam amplificando problemas que não são, de fatos, problematizáveis, enquanto ignoram as estruturas responsáveis pela perpetuação dos verdadeiros problemas sociais, as quais lutam por extinguir, dizem. Como jornalistas, concordamos como as proposições do sociólogo. E é assim que vamos preenchendo o espaço público…”.[9]

Poderia citar mais coisas, mas já está ficando tarde. Os meus apontamentos aqui não desabonam de forma alguma o trabalho de Andy Singer, incrível, tão incrível que, ao decidir tirar prints das ilustrações que mais me agradaram, salvei bem mais de 20% das imagens presentes em 'Cartoons: atropelando a ditadura do automóvel'. Se Singer (2018) queria fomentar o debate o público, eu, que só falo de transporte público aonde vou, seja em rádio comunitária, jornal impresso, ou até mesmo nos terminais, distribuindo livros, tentei fazer a minha parte, mais uma vez. Vai que alguém, ao resolver ler essa ‘resenha’ que não é resenha, se interessou pela obra?

Em caso positivo, baixa o livro aqui, pô! < https://rosalux.org.br/wp-content/uploads/2020/06/CARtoonsWEB-1.pdf >.

Notas

[1] Na verdade escrevi. Chama-se ‘Um pouco de ar, por favor! Crônicas e reportagens sobre o transporte público de Goiânia’ e está disponível para download, sem custos, através do < tinyurl.com/umpoucodearporfavor >.

[2] Um pouco de ar, por favor, p. 90.

[3] Um pouco de ar, por favor, capítulo A história do fracasso, p. 54.

[4] Em A história do fracasso faço uma breve contextualização da história dos transportes para poder apresentar o transporte público brasileiro como fenômeno ‘problemático’ histórico, estrutural e complexo.

[5] Fala de Eduardo Vasconcellos retirada do livro A cidade, o transporte e o trânsito e citada na p. 151 do livro Um pouco de ar, por favor!, capítulo Direitos assegurados, permaneça calado!

[6] Trecho de palestra “A Centralidade da Comunicação na Sociedade Contemporânea”, ministrada pelo professor pós-doutor Ciro Marcondes Filho, no dia 18 de outubro de 2017, no Campus V da PUC-Goiás. Leia aqui: < https://literatureseweb.wordpress.com/2017/11/20/ciro-marcondes-filho-e-a-centralidade-da-comunicacao-na-sociedade-contemporanea/ >.

[7] Trecho de entrevista concedida por Antenor Pinheiro, presente nas p. 55 e 56 do livro-reportagem Um pouco de ar, por favor! Crônicas e reportagens sobre o transporte público de Goiânia. No mesmo livro, trazemos a entrevista na íntegra, com o nome O segredo que pode mudar o mundo.

[8] “O transporte coletivo, por outro lado, esta (sic) impossibilitado de oferecer conforto necessário, principalmente à classe média, que se acha muito apegada a seus carros particulares porque temem perder seu status se misturando às diversas camadas sociais”, trecho da reportagem ‘Transurb inova, mas a classe média resiste ao transporte coletivo‘, de 17 de outubro de 1980. Jornal Opção. Acervo SEPLAM e p. 218 do livro-reportagem ‘Um pouco de ar, por favor!’

[9] Trecho de Um pouco de ar, por favor, p. 161, capítulo Direitos Assegurados, permaneça calado.Em algum lugar, escrevi que essa “[n]essa grande reportagem, discutimos o transporte público como um direito social resguardado pela Constituição. Apontamos como o Estado deveria atuar através de políticas públicas para área, mas como age, de fato, nos dias de hoje. Como a ponta de uma grande engrenagem, descrevemos a atuação da Imprensa, incapaz de municiar o cidadão de forma lúcida quanto ao tema. Mais à frente, apresentamos a contradição da política quando se trata do Transporte Público: incapazes de identificar o problema, parlamentares, via de regra, limitam a discussão ao populesco, aos discursos fáceis, indignados, que dão votos. Todavia, os problemas persistem, mas tanto faz! E jornalista e político andam de busão?".

site: https://literatureseweb.wordpress.com/2020/02/02/baixe-aqui-o-e-book-um-pouco-de-ar-por-favor-cronicas-e-reportagens-sobre-o-transporte-publico/
comentários(0)comente



2 encontrados | exibindo 1 a 2