spoiler visualizarFilipe Tasbiat 31/03/2024
Primeiro contato com Agamben
Talvez por ser minha primeira leitura da obra de Agamben ou pela minha dificuldade com certos tratados filosóficos, sinto que minha apreensão é limitada. Apesar disso, "O que resta de Auschwitz" traz conceitos que me interessam muito, como os de testemunhas tertis e superstes, que questiona quem pode testemunhar o quê e de que lugar, de que condição. Agamben também traz um retrato detalhado das relações dos campos de concentração nazistas que transformaram judeus em "muçulmanos", numa acepção pejorativa que descrevia a condição inumana dos homens que, perecendo às sevícias que lhe foram impostas, caíam inertes no chão, como que o beijando numa oração tipicamente islâmica. Agamben reforça a ideia de que o "muçulmano" seria a única testemunha integral do horror vivido, que, emudecida, não pode narrar o que viu ou o que viveu.
Outro ponto que chama a atenção é a semântica do Holocausto. Partindo sobretudo dos relatos de Primo Levi, Agamben traça uma complexa linha de raciocínio acerca da nomenclatura que se tornou para nós sinônimo de extermínio, genocídio, aniquilação, expondo uma raiz etimológica no mínimo controversa. Do grego holókaustus, "todo queimado", o termo teve, historicamente, um emprego relacionado ao costume cristão e à doutrina sacrifical da Bíblia ? usado, inclusive, para se referir ao sacrifício dos hebreus e ao sacrifício de Cristo na cruz. Para Agamben, este é um eufemismo inaceitável, na mesma medica que o uso do termo "shod" pelos próprios judeus, expressão que indica "catástrofe, devastação" e na Bíblia implica a ideia de uma "punição divina".
O percurso de Agamben se torna ainda mais revelador na medida em que questiona aqueles que classificam os eventos ocorridos em Auschwitz como "incompreensíveis, indizíveis, inenarráveis". Outro eufemismo ? do grego "eupheimen", que significa originalmente "observar o silêncio religioso" e desviar o olhar do que aparentemente não se pode compreender, como a um deus. Para Agamben, o emprego desses eufemismos para se referir a Auschwitz equivale a adorá-lo em silêncio.