Marcos-1771 03/06/2024
Ensaio sobre a cegueira
"Não somos robôs nem pedras falantes, Senhor agente, disse a mulher, em toda a verdade humana há sempre algo de angustioso, de aflito, nós somos, e não estou a referir-me simplesmente à fragilidade da vida, somos uma pequena e trêmula chama que a cada instante ameaça apagar-se, e temos medo, acima de tudo temos medo... "
Um livro difícil de ler, pesado, denso, não pelo excesso de cenas chocantes e coisas do tipo, mas pelo seu debate político e sua escrita que por mais que esteja acostumado a ler, se mostra cansativa pelo teor do livro. Mas apesar disto é um ótimo livro com um ótimo debate.
Uma continuação, com outro tipo de cegueira, quase que direta do exímio Ensaio sobre a cegueira. A história se passa no mesmo país e cidade que a epidemia de cegueira acontece alguns anos depois, inclusive com o retorno de alguns personagens. Um livro com muita consciência política, talvez quando o reler mais velho este livro fique melhor.
A história acontece pela simples falha de um sistema que dizemos ser, e ainda é, o melhor para o modelo de política: o voto em branco de uma democracia. Problema já resolvido aqui no Brasil, pois se 99,99% votarem em branco e um candidato com o voto válido, este candidato irá ganhar a eleição, que democracia... e neste país fictício não se sabe o que fazer, pois nunca imaginaram uma situação como esta. É o problema do voto obrigatório também, somos livres para votar, o que é ótimo, mas somos obrigados, e se votarmos em branco não acontece nada, pois o sistema quer que um ganhe...
"Mas desde quando rege o raciocínio as decisões humanas"
Então baseando-se nisto o livro explora o poder de um voto em branco e o pânico dos políticos em não saber como agir nesta situação, isolando a população que "votou" em branco na capital sitiada pelos militares, e o que acontece na cidade? caos ou a organização?? Governo inventando culpados, os famosos bodes expiatórios, questionando e torturando as pessoas, forçando-os a dizer em quem votaram, e as respostas sempre muito boas: O voto é secreto, votar em branco não é crime, a constituição me permite votar. Os políticos não entendem que o voto em branco é um voto de repúdio, talvez entendam, só se fingem de loucos. Não escolher é uma escolha.
O paralelo com a cegueira é genial. Falam que estes votos em branco são um surto assim como a cegueira e o investigam, incriminam. Mas "...acertou em cheio ao comparar a praga que estamos padecendo a uma nova forma de cegueira... Disse que o voto em branco poderia ser apreciado como uma manifestação da lucidez de quem o usou..." Essas pessoas nunca estiveram tão bem da vista, tão lucidas, cegos estão os políticos que não enxergam a própria cegueira, a cegueira mental.
Saramago com o seu ateísmo é muito sarcástico em alguns momentos: Saberá que para puxões de orelhas e outras correções nunca houve limite de idade, Que não o ouça o diabo, senhor ministro, O diabo tem tão bom ouvido que não precisa que lhe digam as coisas em voz alta, Valha-nos então deus, Não vale a pena, esse é surdo de nascença.
O livro tem vários e vários personagens, cargos e cargos, como Saramago não utiliza nomes, acabava confuso em quem estava falando, o que me fez não gostar muito mais do livro, um debate exagerado de política, acredito que em certos momentos o livro não debate ou procura entender algumas coisas e sai jogando algumas histórias, mas o final é excelente, simples, acaba como a vida, em um breve suspiro e quando menos esperamos.
"É como a vida, minha filha, começa não se sabe para quê e termina não se sabe porquê"