Aline T.K.M. | @aline_tkm 01/07/2013Excentricidade saborosa em mais uma excelente narrativa de PageEm A gente se acostuma com o fim do mundo, Martin Page nos deleita com mais um de seus protagonistas problemáticos.
Elias é um outsider que se vê embrenhado em uma existência errante. Passa a questionar o que sentiu e viveu com Clarisse (enquanto sofre com sua ausência), e não sabe bem o que busca nem o que está acontecendo com sua vida. Até a percepção de seu ambiente de trabalho é alterada tamanho o deslocamento repentino do personagem; o que antes era um local aconchegante e familiar tornou-se repleto de estranhezas e desconfortos.
Elias tampouco sabe explicar o porquê do medo e da vulnerabilidade que o dominam perante a suicida Margot outra outsider dona de bloqueios e problemas cabeludos, e que tem uma forte ligação com Paris.
A superficialidade há muito havia tomado conta de inúmeros aspectos da vida do protagonista. Como se estar no raso lhe trouxesse mais segurança, ou menos problemas. Seus dias haviam se convertido em um imenso hábito; conformava-se com banalidades e, igualmente, com as piores tragédias. O sofrimento e a crença de que Clarisse precisasse de seus cuidados (devido aos problemas com o álcool) faziam com que Elias tivesse um conceito distorcido de amor.
Diante da passividade do protagonista, Page não só lhe dá uns tapas nos setores sentimental e profissional de sua vida, como também se vê obrigado a lhe dar uma verdadeira surra no plano físico é, Elias precisou apanhar feio para começar a tomar novos rumos. O autor também faz questão de mostrar que até nas amizades o já ferrado personagem precisa ultrapassar a superficialidade que pontua o convívio social.
A gente se acostuma com o fim do mundo é um pequeno universo de amargura e pessimismo, ainda assim formidável e acrescido do sarcasmo que acompanha as histórias de Martin Page. É um universo de seres desgastados, esfolados por suas existências medíocres. Perdem o rumo quando confrontados com a felicidade, sentimento que embora ainda lhes seja estranho, sempre acaba por bater à porta. Só lhes resta reconhecê-la e deixá-la entrar.
LEIA PORQUE... A narrativa passeia por um verdadeiro festival de sabores: é deliciosamente ácida, com doses de amargura e temperada com o sal da angústia; ainda assim, tem lá seus momentos de doçura.
DA EXPERIÊNCIA... Ler Martin Page me obriga a colecionar quotes de forma incansável durante toda a leitura. Os personagens, utilizando-se da voz do narrador, compartilham suas reflexões com quem os lê, o que resulta em tiradas geniais e frases de efeito mesmo que muitas estejam ligeiramente na contramão do que a maioria classificaria como genial.
FEZ PENSAR EM... Mais importante que saber o que Clarisse (e qualquer outra pessoa) foi, é fundamental reconhecer tudo aquilo que ela não foi.
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