VerAnica 20/10/2023ImpactanteSe no diário dos anos anteriores (Henry e June - 1931-1932) temos uma Anais desabrochando, se descobrindo como mulher independente e sensual, nesse volume (Incesto - 1932-1934) temos a ebulição de todas as transformações pelas quais ela passou. Me chama atenção o fato de que o relacionamento dela com o Hugh desandou de vez, a ponto de ela achar insuportável a presença dele, mas não conseguir se desvencilhar, tamanha a dependência dele por ela. Além disso, a veneração dela por Henry Miller continua presente, mas agora, com o amadurecimento do relacionamento deles e com ele ocupando mais a posição de marido do que a de amante, ela começa a enxergar os defeitos nele, embora o amor ainda seja muito grande e forte. O envolvimento com o seu psicanalista dr. Allendy me parece um ensaio para o que ela viveria mais a frente com seu novo psicanalista, o dr. Otto Rank, com quem ela foge para Nova York (o que não me parece bem uma fuga, uma vez que ela avisa ao marido e deixa tudo preparado para Henry, para que ele estivesse ainda lá quando ela voltasse). De toda forma, vemos a facilidade com que ela se apaixona e se entrega a novos relacionamentos.
"Ah, Deus, não existe uma alegria maior do que o instante em que adentro um novo amor, não existe um êxtase como o de um novo amor."
Apesar de toda a intensidade dos relacionamentos, o mais chocante desse volume são, se dúvidas, a relação incestuosa com seu pai e o aborto, que me impactaram muito! Depois de muito tempo sem ver o pai, Anais o reencontra e começam um perturbador relacionamento sexual, ela tendo finalmente o objeto do seu desejo infantil (a presença do pai); ele vendo nela não uma filha, mas uma mulher ideal, como ela mesma define, eles são duplos um do outro. A forma como ela se entrega sexualmente ao pai é uma completa quebra de tabus e o relacionamento é muito bem analisado por ela mesma no diário (assim como tudo na vida. O diário é um objeto de peofunda autoanálise). O capítulo sobre o aborto me deixou arrepiada. Ela descreve com riqueza de detalhes o suplício pelo qual passou, fazendo um aborto de um bebê de 6 meses (!!!), toda a dor e o calvário que foram para ela de despreender do apego ao bebê. No diário, além de narrar a experiência, que ela interpretou quase como algo sobrenatural, ela se justifica ao bebê os motivos pelos quais o estava matando. É de uma sinceridade desconcertante. Sinceramente, fiquei chocada com a crueldade do ato, mas ainda mais assombrada pela coragem e sinceridade de Anais Nin.
Termino minha resenha com a passagem mais linda do diário, que resume bem neu sentimento nos dias atuais; "Recuso-me a compartilhar do pessimismo e da inércia universais. Fecho os olhos, tapo os ouvidos. Vou ser alvejada enquanto danço."