Mauricio (Vespeiro) 27/10/2017“Se quiser entender o artista, é preciso estudar a pintura”John Douglas foi um agente especial do FBI, criador da Unidade de Ciência Comportamental daquela instituição. Autor de diversos livros que apresentam estudos de caso, análises do comportamento humano, em geral dedicados a crimes cometidos por “serial killers”. Douglas nasceu no Brooklyn (NY) e trabalhou no FBI por 25 anos. Neste período, entrevistou inúmeros assassinos em série (ex: David Berkowitz, Ted Bundy, John Wayne Gacy, Ed Gein, Charles Manson, Edmund Kemper, Richard Speck, Larry Gene Bell, Jeffrey Dahmer, Robert Hansen, entre outros), estudando seus perfis - bem como os de suas vítimas e as cenas de crimes - para criar o “Manual de Classificação do Crime”, cartilha utilizada até hoje para auxiliar na investigação de crimes violentos. Seu trabalho inspirou diversos personagens da ficção, como Jack Crawford (de “O Silêncio dos Inocentes”) e Jason Gideon (de “Criminal Minds”). Publicou “Mindhunter” em 1995, livro traduzido e editado no Brasil somente em 2017, obviamente em virtude do lançamento da série homônima no Netflix.
Nos primeiros capítulos o livro traz a história do início da vida de John Douglas. Com uma narrativa muitíssimo fluida, Douglas transforma a leitura num bate-papo descontraído (em que pese o tenebroso tema). Aos poucos, a história evolui sobre a resistência que Douglas encontrou dentro do FBI para que conseguisse implementar sua técnica. Abnegado, sacrificou a vida pessoal em nome do trabalho e conseguiu reconhecimento. Seu estudo deu origem a um riquíssimo banco de dados estatístico alimentado com perfis de criminosos amplamente estudados. Este material possibilita comparar “modus operandi” e “assinaturas” de assassinos e, assim, prever seus próximos passos. Douglas definiu também características prévias (estudando a juventude dos assassinos) que determinam o potencial de alguém se tornar um “serial killer”, chamando-as de “tríade homicida”: piromania + crueldade contra animais + fazer xixi na cama depois da infância. Aliás, foi a equipe de John Douglas que cunhou pela primeira vez o termo “serial killer”. Outro trio que é destacado no estudo compreende as motivações do assassino: Manipulação + Dominação + Controle.
Douglas disse em 1996 que “Todo estudo de personalidades criminosas seria muito mais difícil de construir hoje em dia” (pág. 127). Sua afirmação torna-se ainda mais verdadeira considerando que a internet ainda nem estava tão difundida. Sob minha ótica, diferentemente daquela época analógica, tornou-se hoje ainda mais complexo identificar um criminoso através de perfis pré-definidos.
É lamentável perceber que é praticamente impossível encontrar livros editados no Brasil sem erros de tradução, digitação e revisão. “Mindhunter” não foi diferente.
Série da Netflix: Vale a pena assistir, pois ela ilustra com muita qualidade algumas partes do livro. Destaque especial para as entrevistas com Ed Kemper, representado de forma magnífica pelo ator Cameron Britton. Aliás, procurem por fotos e vídeos do Ed Kemper original e comparem-nas com o personagem da série. Belíssima adaptação! A atuação de Jonathan Groff no papel de Holden Ford (nome que escolheram para representar John Douglas) é espetacular. Em geral, os “serial killers” representados na série foram muito bem adaptados. Fora isso, inventaram demais, perderam o foco, principalmente por acharem interessante (ou seria necessário?) dar destaque a mulheres na história. No livro há pouquíssima participação delas, até porque o FBI, naquela época, ainda era deveras resistente a tê-las nos seus quadros. Já o roteiro da série converge exageradamente para a Dra. Wendy Carr (nome que escolheram para a Dra. Ann Burgess), que estuda vítimas de trauma e abuso, bem como para as relações íntimas do ator principal com sua namorada. Ambas totalmente dispensáveis na trama.
Nota do livro: 7,87 (4 estrelas).