Coisas de Mineira 09/02/2020
Filha das trevas é um lançamento de 2017, que chegou ao Brasil pela editora Plataforma21, da autora estadunidense Kiersten White. É o primeiro livro de uma trilogia intitulada Saga da Conquistadora, e é um reconto sobres fatos históricos tomando como uma das fontes a história de Vlad, o empalador. A autora se apropria de alguns fatos e personagens históricos, e constrói sua narrativa.
Em Filha das Trevas, encontramos Ladislav Dragwlya, ou apenas Lada, que é filha de Vlad Dragwlya, o governante militar da Transilvânia, membro da Ordem do Dragão. Vlad entende que mereceria ser o voivoda (príncipe) da Valáquia, mas seu irmão é quem detém o título. Quando Lada nasceu, seu pai não ficou contente:
“Ele jamais imaginara que suas sementes pudessem ser fracas o bastante para produzir uma garota”
Lada tem um irmão mais velho, Mircea, da primeira esposa. Um ano depois de seu nascimento, recebe mais um irmão, Radu.
“Radu tinha ficado com toda a beleza que o pai desejou para a filha.”
Lada quer muito o amor do pai, cresce ansiando pelo reconhecimento, e se torna uma jovem forte, que quer conquistar, aprender táticas de guerra, manejar uma espada… e não brincar de boneca e se tornar moeda de troca através de um casamento com alguma figura da nobreza. Bem diferente de Radu, uma criança frágil, gentil – e consequentemente mais amado por quem o rodeia, mas ainda assim também desprezado pelo pai.
Mas uma situação inesperada faz com que Vlad, agora voivoda da Valáquia, seja forçado a enviar seus filhos para serem criados no Império Otomano, onde se tornarão reféns sob o pretexto de manter a paz entre as fronteiras – essa estória se baseia nos acontecimentos ocorridos na primeira metade do século XV, época de inúmeros conflitos nas regiões fronteiriças entre a Hungria, Transilvânia, Moldávia, Sérvia e Império Otomano e Bizantino.
Filha das Trevas traz outra figura histórica importante: Mehmed II. Os dois irmãos fazem amizade com Mehmed, que é filho do sultão com uma de suas concubinas, uma criança solitária mas cuja trajetória se mostrará importantíssima para a própria expansão do império Otomano, e que acaba por formar um trio inusitado com consequências para o desenrolar dessa trilogia.
“Enquanto Lada era como a grama resistente que crescia em meio às frestas de uma superfície seca e rochosa, Radu era como uma flor delicada que só desabrochava em condições absolutamente perfeitas.”
Filha das Trevas me pegou por conta justamente do reconto, transformando o temido Vlad em uma menina. Queria ver quanto da ferocidade do primeiro seria incorporado pela segunda. E me surpreendi positivamente porque, mesmo o amor que Lada sente pelo irmão, é pensado e transformado em frieza – ela sabe que se ama alguém, esse alguém se torna sua fraqueza. Ser ignorada pelo pai, buscar sua aprovação, a moldam. E ela tem um objetivo, o tempo todo – a Valáquia é sua. Em busca desse objetivo, nem sempre se mantém lúcida e racional.
“Sou seu pai. Mas aquela mulher não é sua mãe. Sua mãe é a Valáquia.”
Já Radu não consegue perceber como pode ser o ponto fraco de Lada. Ele a ama, mas não se sente amado. Como também não é amado pelo pai, se agarra ao islamismo, que consegue sossegar seu coração. Se converte, mas se sente culpado pelos sentimentos que começam a tomar seu coração. A outra ponta dessa tríade é Mehmed, um futuro líder ainda em formação, mas que se entrega à essa amizade pelos irmãos. E, mesmo que saiba amar melhor que Lada, ainda é muito semelhante a ela, tendo objetivos definidos pela previsão de um profeta de que seria grande. O olhar de Lada está sempre voltado para a Valáquia, o olhar de Mehmed se volta para Constantinopla.
Por ser o primeiro livro, vale ressaltar que até cerca de um terço temos uma narrativa mais lenta, importante para entender a formação desse contexto histórico. Mas a escrita da autora é leve e, aliada a capítulos curtos, a leitura se torna muito fluida.
A construção dos personagens é muito crível, já que acompanhamos grande parte da infância e adolescência, e essa descrição nos permite entender a vocação de cada um deles, o que os move verdadeiramente.
A formação de um provável triângulo amoroso não incomoda, pois é apenas um tópico dessa relação, e nem é a mais importante – não até aqui, ao menos.
Eu gostei muito mais dos capítulos sob o ponto de vista de Lada, sempre mais enérgico, que aqueles de seu irmão. O que é mais um ponto favorável à escrita, pois a autora consegue imprimir a personalidade dos irmãos até mesmo nesse momento. Também achei interessante como nossa empatia acaba se voltando para Lada – mesmo sendo cruel, e com um futuro obscuro se baseado em suas ações. Radu tem muito de amadurecer ainda!
Filha das Trevas termina pedindo mais desses três personagens e as consequências de suas escolhas, quando espero Lada brilhar mais que nesse primeiro volume!
“Mas ela já não era a mesma pessoa. Tinha crescido, amadurecido, distorcido-se, tornado-se outra coisa.”
Por: Maisa Gonçalves
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