spoiler visualizarAntonio 07/02/2020
Contos de Fada Feministas?!!
Imagine se os contos de fada tradicionais fossem feministas. Cinderela não aceitaria se casar com o príncipe e levaria uma vida independente mundo afora. Branca de Neve, depois de se recuperar da maçã envenenada, abriria um restaurante de comida orgânica (sem pesticidas e venenos) para anões. Chapeuzinho Vermelho não aceitaria ajuda do lenhador, e mataria o lobo com seu arco-e-flecha.
Na verdade, histórias assim já foram escritas por Ana Maria Machado e Ruth Rocha, e isso já faz muito tempo. Suas princesas não querem casar.
Em Princesas, Bruxas e Uma Sardinha na Brasa, as autoras Helena Gomes e Geni Souza (ilustrações de Alexandre Camanho), souberam evitar essas soluções fáceis que, hoje, já não seriam originais. Afinal, o que é ser feminista? Essa é uma longa discussão, mas certamente não significa “não querer se casar e levar uma vida independente.” Não é tão simples assim. Então, no livro se explica que são “contos de fada para pensar sobre o papel da mulher”.
Fugindo de estereótipos, as autoras recriaram histórias conhecidas, em que a mulher pode ter um papel diferente, ou nem tão diferente assim. Algumas se casam no final, outras não se casam — mostrando, portanto, que se unir a um homem é uma opção, mas não obrigação. Ponto para as autoras.
E as bruxas? Algumas fazem maldades, outras não. Uma das bruxas se preocupa com a situação de miséria do seu povo e o feitiço que lança é para que o Rei comece a ter consciência da situação (A Criança Perdida). O feitiço será quebrado por uma menina, mas não qualquer menina. Como nos contos em que um desafio é interposto, só aquela menina que tiver consciência dos valores que ali estão em jogo conseguirá quebrar o feitiço. Ou seja, não basta ser mulher, é preciso ter algumas virtudes.
Um dos primeiros contos se assemelha à Cinderela (A boneca mágica). A madrasta e as irmãs invejosas fazem da vida da menina um inferno. Mas nesse conto não existe madrinha, e sim uma bruxa, a Baba Yaga — bruxa de origem russa ou eslava. E nesse caso é a bruxa que traz a solução para a menina, reforçando o papel ambíguo dessa personagem tradicional — descrita muitas vezes como enigmática e multifacetada.
O meu conto preferido é A Princesa Rã. Assim como existe o príncipe Sapo, neste caso se trata de uma Fada que, para fugir de um feiticeiro que queria se casar com ela, se transforma espontaneamente em Rã. Ela vai ser escolhida pelo filho de um rei como sua esposa — mas isso só porque o filho não leva a sério suas obrigações, e a escolha da Rã é uma piada jocosa que ele prega na família. É claro que ela voltará à forma humana, mas a maneira como isso acontece é original, e sua relação com o príncipe é extremamente atual e moderna. Nada de beijo, casamento e final feliz. O final mostra que cada escolha tem o seu peso, e precisa ser feita de forma bem refletida e madura — por isso mesmo, não pode ser imediata. Casamento é algo complexo, que exige uma disposição de ambos para dar certo. Esse conto consegue realmente dar um salto — da tradição aos tempos atuais. Palmas!
Os contos de fada tradicionais são insuperáveis. No entanto, depois que a criança os conhece bem, ela já está preparada para outras visões, outras versões dos mesmos contos — os chamados recontos. No caso do primeiro conto (A Irmã do Conde), a moça tem uma relação tanto intelectual como sexual com o jovem Rei — e antes do casamento. Será que a modernidade foi muito longe? Isso depende de cabeça de cada um, mas como foi dito, esses contos se destinam a jovens leitores que já conhecem os contos de fada tradicionais, e podem se abrir a novas ideias.
Assim como as personagens desse livro quebram os estereótipos, também quebram tabus, e isso é apenas mais uma forma de pensar — com liberdade.
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