Tamirez | @resenhandosonhos 07/08/2018NEVERNIGHT: A Sombra do CorvoNevernight talvez seja uma das grandes surpresas de 2017, por ser um livro que me envolveu tanto e me proporcionou muitas etapas na leitura. Primeiro, ele talvez seja um pouco lento no começo, mas calma ai, vai melhorar. As primeiras 200 páginas foram complicadas, e não porque a história não estava boa, porque ela estava, mas porque a lógica do livro precisa ser assimilada e é uma imersão de mundo que demora um pouco mais.
E esse é um livro com muitas notas de rodapé, mas muitas mesmo. Porém, ao contrário de somente explicações, o que Jay Kristoff nos apresenta aqui é um segundo narrador, no melhor estilo Desventuras em Série. As informações que ele traz nem sempre são as mais relevantes, lembrando aquelas pessoas que divagam eternamente quando só queremos uma resposta direta. Mas, ele também faz bons adendos e, em alguns momentos, apenas acrescenta comentários maldosos ou hilários sobre o que se passa na “cena” em questão. E, é claro que por não ser algo comum e sair do fluxo de narrativa, vai atrapalhar um pouco até que você se acostume, porém achei o formato muito bacana.
“Quem invoca a escuridão, acabará invocado por ela.”
As primeiras páginas são ótimas e trazem dois momentos que diferem em muito, mas que com um jogo de palavras o autor consegue fazer quase uma união bizarra entre elas. Uma representa a perda da virgindade, enquanto a outra é um assassinato. E, sim, vamos ter algumas cenas bem descritivas de violência e também sexo. Então, mesmo que a protagonista aqui esteja na adolescência, o teor da trama passeia por um contexto mais adulto, o que ajuda a aproximar o livro dos dois públicos.
Algo que sempre me coloca de pé atrás e que eu costumo reclamar é a típica jornada onde um jovem vai participar de um treinamento. Já é clichê e o mau uso disso é o que acaba por me decepcionar em certas narrativas. Aqui, porém, o autor conseguiu incluir elementos muito particulares do seu contexto que deram o diferencial necessário para que esse arco não se tornasse chato. A Igreja Vermelha não é um lugar para os fracos e, para escolher os melhores entre os seus, até mesmo os professores vão estar dispostos a cortar eles mesmos alguns alunos da lista, sem dó nem piedade.
Outra particularidade sobre essa “fé” é que nem sempre as coisas são justas e isso vai bater de frente com o conceito de consciência. Mia quer sua vingança, ela tem um objetivo, uma motivação, mas até onde vai esse desejo e onde começa sua humanidade?
Aliás, gostei muito da personalidade dela. Mia consegue ser marrenta e as vezes irracional, porém de uma forma que soa compreensível ao leitor por tudo o que ela perdeu. Quanto mais sabemos sobre ela, mais é possível se relacionar, por mais que desejemos que em alguns momentos ela deixe a marra de lado e aceite a ajuda que está na sua frente.
Seus poderes de controlar as sombras ainda não foram bem explicados, mas isso não acontece só em relação ao leitor, mas com a personagem também. Ela não sabe porque tem o dom ou tudo o que pode fazer com ele, e é ai que entra o Sr. Simpático. O gato sombrio tem uma missão muito especial ao caminhar ao lado de Mia, e achei a situação toda muito interessante, principalmente porque o humor desse acompanhante é bastante ácido e gera bons comentários ao longo da história.
Enquanto eu lia esse livro também estava lendo Mistborn – O Poço da Ascensão, e foi impossível não fazer um paralelo entre Mia e Vin, a protagonista da outra história. Ambas controlam algo que não é palpável e que não entendem completamente e, mesmo tendo história, backgrounds, motivações e cenários diferentes, há uma estranha conexão entre elas. Tenho certeza que se os mundos colidissem, ou seriam melhores amigas ou inimigas mortais. Mas, esse é apenas um comentário para quem já leu Mistborn talvez se relacionar.
Vale também a pena avisar que Jay Kristoff não é muito apegado aos personagens e muitas cabeças vão rolar. Eu realmente fiquei um pouco chocada, porque mesmo com um tom mais adulto, em livros com protagonistas mais jovens, pelo menos algumas peças chaves se mantém pra o autor poder usar com subterfúgio mais a frente, e aqui não. Mais alguns pontos que o autor ganhou comigo.
“Você começa do nada. Não possui nada. Não sabe de nada. É nada.”
E sim, teremos muito mais personagens aqui do que somente Mia, mas não quero estragar a experiência de ir conhecendo e desvendando cada um deles com a história. Há alguns bons “vilões” também, mas que vão acabar se revelando bem ao final, então fiquem de olhos abertos. Minhas menções honrosas de personagens que curti vão para Naev, Tric e Cassius, cada um a sua maneira.
Talvez a única reclamação dessa edição seja que o livro possui páginas brancas, o que como todo bom leitor nunca cansa de lembrar, é mais desconfortável que a folha mais amarelada. Porém, de resto está tudo muito bem alinhado. Adorei a capa, a lombada e os dois mapas super bonitos que complementam a história.
O segundo livro, Godsgrave – nome da cidade que adorei -, já saiu lá fora e mesmo o livro não fazendo um enorme cliff hanger, é impossível não ficar curioso sobre o que está por vir. Há muita coisa a ser explorada e muito a compreender sobre esse mundo e, principalmente, os poderes de Mia.
Tendo dito tudo isso, se você curte uma fantasia bem estruturada, que mistura tramas de religião, política e magia, Nevernight é uma ótima opção. O livro caminha por momentos mais leves a cenas bem descritivas e mais adultas e acho que isso ajuda a nivelar o preso da história. Então, deixo aqui a minha recomendação para conferir essa história e descobrir todos os segredos escondidos por baixo das pedras e de todo o sangue da República.
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