Piter 21/12/2022
De cair o c* da bunda
Uma série de assassinatos brutais com crianças assola Estocolmo. A detetive Jeannette Khilberg, enfrentando uma força policial omissa e a complexidade dos casos, busca a ajuda da psicóloga Sofia Zetterlund. Conforme mergulham nas profundezas dos crimes e na vida dos envolvidos, juntas, descobrem uma extensa rede de culpados. E embora a verdade horrível por trás das mortes comece a mexer com suas cabeças, ambas desvendam um universo maior sobre a maldade humana que vai chocar a sociedade sueca.
Inteligente, doentio, visceral. Palavras ótimas para descrever esse calhamaço. Adianto: não é um livro para todos. A maioria vai dropar no começo. Difícil de digerir, complicado para estômagos fracos. Todos os gatilhos possíveis foram acoplados aqui dentro; uma lista tão grande que sou incapaz de citar. Mas os amantes de um bom enredo criminal vão achá-lo um prato cheio. Se o que procura é morbidez, malignidade, complexidade psíquica, então este é o alvo.
580 páginas significa muito para um thriller. Um tamanho raro, na verdade. No caso deste, porém, não havia como ser de outra forma. Pelo que notei, lá fora, a história era dividida, mas, na versão traduzida pela Companhia das Letras, ela veio completa. E que bom! Garota-Corvo desafia o ritmo de leitura atual. Vai contra nosso costume com Jornadas do Herói e roteiros mastigados. Os capítulos são curtos, mas repletos de nuances. Não dá pra ler desatento.
E por isso mesmo que a qualidade do texto é tão boa. A escrita cava fundo na mente dos personagens, destrincha todos remendos e amarras. Vai desde o último traço do passado até o presente obscuro. Que figura mais interessante é Sofia! Ela, com todos os seus eus e seu ar de mulher sensata. Não posso dizer muito, porque tudo sobre ela seria um spoiler. Auncio apenas meu apreço por sua construção. Complexa, bonita, idiossincrática.
A detetive também é muito singular, mesmo que todo o resto do núcleo tenha chamado mais a minha atenção. Em verdade, acredito que a protagonista conversa muito com a de Bom Dia, Verônica, do Raphael Montes. Há o mesmo conflito policial, a vivência revoltada contra o ass3d10, o abuso, o fem1níc1o. Problemas familiares em casa, romances paralelos com parceiros de caso. O contemporâneo nome do suspense brasileiro pegou muitas referências de Garota-Corvo.
Por fim, destaco que esse exemplar tem uma lógica muito própria e um estilo literário distinto de tudo o que já li. Indo na onda dos romances Nordic Noir (literatura policial escandinava caracterizada pelo tom sombrio, atmosfera gótica [no sentido estético] e o aprofundamento psicológico), ela exala um sentimento niilista. Uma forma pessimista de enxergar a realidade. Enquanto lia, sentia que tudo não significava nada. Valores, virtudes, moral. Essas coisas estavam despedaçadas. É uma obra pra te deixar triste e melancólico mesmo. Literatura também é sobre chocar.
Como salientado na contracapa, contudo, ainda há espaço para crítica social. Isso, através das sutilezas, das cenas, das palavras usadas. Pontos negativos seriam algumas resoluções de distúrbios psicológicos que pareceram fáceis. Fora isso, acho que não me lembro de mais nada enquanto escrevo esta resenha. Garota-Corvo quer te mostrar o lado mais sujo e maligno do humano. Mentes perigosas criam situações aberrantes.
Perplexidade. A sensação que o leitor terá durante a maior parte da história.