Maravilhas do Conto Indiano

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Resenhas - Contos indianos


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Henrique Fendrich 16/05/2019

A interessante literatura da Índia
Outra viagem das mais ricas oferecidas pela coleção “Maravilhas do Conto” é à Índia. Trata-se, afinal, de uma civilização a que nós ainda não conhecemos tanto quanto ela merece ser conhecida. Por isso, há um certo estranhamento com as referências dos antigos contos indianos. Mas o livro, afinal, permite que essa distância diminua e nós nos inteiremos mais a respeito da história e do modo de vida dos indianos.

Essa edição conta com uma outra versão do “Ramaiana”. A história já havia sido contada em “Maravilhas do Conto Mitológico”, em versão que agora creio sintetizada. Em “Maravilhas do Conto Indiano” há dois contos tirados de dentro dessa história, com destaque para “O desterro de Rama”. Dois contos também foram tirados do “Maabárata”, a epopeia mais antiga da Índia, destacando-se “Nalá e Damaianti”, uma movimentada história de amor, ambientada em um cenário onde os próprios deuses podem aparecer. Há por todo o livro muitos personagens associados ao hinduísmo, sobretudo os brâmanes.

Há alguns contos pequenos tirados do “Panchatantra”, a primeira antologia de contos da Antiga Índia. São textos que estão próximos à fábula, pelo uso de animais e por encerrarem uma lição moral. “Os ressuscitadores de leões” foi o que mais apreciei. Mas há também “O tecelão que se fez passar por Vishnu”, conto que não faria feio no próprio Decameron, pois a história também se trata de uma daquelas burlas para conseguir um prazer carnal. A diferença é apenas que, em vez do cristianismo, como no caso de Boccaccio, o pano de fundo fica por conta do hinduísmo.

Um ponto forte da coletânea é a inclusão de textos do “Oceano de Rios de Contos”, a obra referida aqui no Brasil no título da coleção “Mar de histórias”, que, no entanto, se bem me lembro, não inclui nenhum conto dessa obra indiana – apenas a referencia. Nas “Maravilha do Conto Indiano” há três contos dessa leva. “As cabeças trocadas” foi o que mais me agradou, com a sua história de duas pessoas que, depois de decapitadas e ressuscitadas, tiveram as cabeças trocadas, ou seja, ficaram no corpo errado. Mas há também “O Brâmane Haricharmã”, que repete o velho mote de um sujeito adivinhando por puro acaso as respostas de alguma pergunta e, com isso, se saindo bem diante de governantes e poderosos. Esse tema aparece em “Sem Gafanhoto o pássaro não seria preso”, conto popular árabe, e, já no século passado, volta a aparecer em “O bobo das adivinhas”, de Carmen Lyra, escritora de Costa Rica, devendo, é claro, ter aparecido muitas outras vezes ao longo da história.

Do “Panchakianaca”, obra que reelabora temas do “Panchatantra”, há dois contos, um deles com o nome de “Nunca confies um segredo a uma mulher”, o que dá o tom de como eram (mal) tratadas as mulheres não só da Índia, mas do mundo todo, na literatura da Idade Média. Escrito já no século XV, os “32 contos de Baratacas” comparecem com “O Barataca impostor e licencioso”, que é, também, um conto que figuraria muito bem em meio às novelas de Boccaccio.

Por fim, na parte final, há os contistas modernos. Pouca gente sabe, mas a Índia tem um escritor Nobel de Literatura: Rabindranath Tagore. Eu já havia lido um conto dele e apreciado bastante, mas “O Abandonado” reforçou a admiração por ele. Um conto sensível como o anterior, que mexe em feridas íntimas de todos nós, pelo menos os que já sentiram alguma vez o que é a carência e como nos comportamos infantilmente nessas situações.

“Um momento de eternidade”, de Babani Batacharia, apresenta uma história tristíssima e de desfecho crudelíssimo, expondo tudo a que a miséria é capaz de fazer na destruição de um lar. Mas é em “Tempestade de Poeira”, de Ram Cumar, que o drama da miséria da Índia é exposto em todas as suas facetas. Sente-se vivamente o que é viver entre as camadas mais baixas daquela sociedade, à medida que o autor vai descrevendo o cenário e os seus personagens, todos com histórias tristes se entrecruzando – para piorar, em uma realidade na qual as tempestades de areia são terríveis e os ventos ainda derrubam os fracos barracos que aquela gente constrói para si.

“Um aperto de mãos”, de Balwang Gargi também é uma ótima peça que evidencia o que é ser um estrangeiro em Calcutá, sobretudo chinês, mas também os que vêm do interior da Índia, sempre na esperança de ali encontrar melhor realidade, mas não podendo ser muito mais do que um chofer de táxi. Interessante a aproximação entre indianos e chineses, em oposição aos brancos.

E a questão da religião não podia ficar de fora. Há, para isso, “Meu Deus, que crianças estas!”, de Yahspal, em que duas crianças, uma hindu e outra muçulmana, não conseguindo compreender as rotinas de segregação que as duas crenças se impunham e, por fim, terminam por reproduzir o conflito entre elas, para “surpresa” dos adultos. Uma crítica muito boa.

Esses contistas modernos da Índia me surpreenderam positivamente e contribuíram para que o resultado da leitura fosse mais favorável. Aprendi várias coisas sobre a Índia.
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