Renata 14/12/2017
O Rei Adulto - Helio Jaques
Há algum tempo atrás o Helio me procurou para termos uma dessas conversas literárias e nessa conversa ele acabou me mandando o livro dele para que eu pudesse conhecer, e apesar dele não ter me pedido para que comentasse do livro em algum lugar, eu gostei tanto dessa leitura que precisava falar sobre ela!
Quando pegamos um novo livro em mãos e o abrimos, estamos entrando em um novo mundo, mas geralmente nós só temos certeza disso na introdução, com O Rei Adulto as coisas são um pouco diferentes, nós entramos naquele mundo já na folha de rosto e seguimos assim até o final. Isso foi o que me cativou e me prendeu logo de cara: um livro que tem identidade própria do início ao fim, como constatei depois.
Toda a história acontece dentro do mundo mirim, um mundo em que não existem adultos (só um ou outro idoso), apenas crianças e são elas quem criam suas próprias regras.
Êisdur é um garoto de 11 anos e meio, que está em busca do irmão mais velho, Eisdras, perdido há algumas semanas, o que preocupa muito o menino por saber que Eisdras está naquela difícil fase da vida, que é a adolescência e o abandono da infância.
Êisdur encontra em Baltar não o irmão, mas sim Tsâmar e um jovem ladrãozinho chamado Wáldron, e juntos chegam a conclusão que só quem pode ajudar o menino é o Rei Adulto. O Rei Adulto é tido como aquele que mesmo crescendo nunca deixou de ser criança, e é o único que pode trazer as crianças “que se foram”, de volta. Mas não é fácil encontrar aquele que na verdade pode ser apenas uma lenda. Tsâmar diz para que o neto Wáldron de apenas 6 anos, acompanhe Êisdur nessa busca já que o pequeno é também escoteiro, e assim os dois seguem em uma grande aventura para encontrar o Rei Adulto.
O mundo criado por Helio Jaques é gigantesco, e não tenho como falar sobre ele inteiramente em uma resenha. Mas o que posso dizer é que, este não é um livro infantil como muitos esperam, O Rei Adulto é uma alegoria que trata sobre o crescimento e essa transposição da criança para o adolescente. Nessa história você verá de tudo, crianças que não têm adultos colocando ordens nelas, crianças livres, crianças que bebem ou usam algumas substâncias químicas, mas em momento algum o autor diz que isso seja certo ou demonstra apoiar isso, muito pelo contrário. Helio mostra através de uma história simples e leve, as consequências que as “plantas de imaginar” causam nos jovens e não só neles, mas como afeta tanta coisa ao redor deles.
Mas o livro está longe de dar lição de moral e reserva para seu leitor várias histórias dentro de uma só, algumas dessas histórias nos remetem ao folclore brasileiro. “Folclore? Nossa, mas que palavra antiga...” Foi o que senti ao começar essa leitura também, porque fazia tanto tempo que eu não tinha contato com o folclore brasileiro nas histórias que não fazia ideia do quanto eu sentia falta disso, mas ao começar essa leitura e ser apresenta aos curupirasmirins, caaporas, cumacangas e tantos outros, eu vi o quanto me fazia falta ter esse contato e ter histórias novas que representem a nossa cultura também.
Veja por você, a quanto tempo você não lê um livro que fale sobre índios? Eu tenho visitado inúmeras florestas no mundo fantástico, florestas com seres sobrenaturais, com seres alados, seres élficos, seres que brilham, voam, ascendem... Mas e os seres humanos que também são fantásticos, que têm muitas histórias para contar, que cuidam das florestas e para isso não precisam de nenhum poder além do compromisso com o meio ambiente e o respeito com o lugar em que habitam?! Eles estão em falta na nossa literatura e não deveriam estar. Helio parece ter sentido falta deles também e nos coloca muito próximo do “povo da mata.”
Fiquei imaginando qual não foi o prazer que Helio deve ter sentido ao escrever esse livro, e penso que ele próprio deve ter se divertido à beça. Crianças são seres sinceros, e a sinceridade delas ás vezes é muito engraçada para os adultos que não estão mais tão acostumados com o mundo infantil, e em muitos momentos eu ri de coisas bobas como uma criança novamente, o que foi maravilhoso.
A linguagem foi uma das características que mais me fez rir, além de que me impressionou muito! O autor trabalha com as palavras como poucos, ele tem um domínio que é inexplicável! Ele mistura dialetos regionais, gírias, sotaques, onomatopeias, sons... O final disso é algo interessantíssimo, e não satisfeito, Helio ainda é um ótimo criador de palavras e o livro até traz no final dele um glossário voltado especificamente para essa questão. Com honestidade, eu nunca li um livro cujo o autor trabalhasse tão bem com as palavras, e com uma revisão tão bem feita (eu só encontrei dois erros ao longo de 300 páginas e foram os mais bobos possíveis), está de parabéns!
Uma das minhas melhores experiências de leitura do ano. Um livro que me surpreendeu muito, me deixou com saudades e que no final, eu tive o maior orgulho de saber que esse autor é do mesmo país que eu. É maravilhoso saber que o mercado literário brasileiro ainda possui novidades, autores fora do padrão, autores ousados e que vale à pena conhecer.
Por fim, convido você que chegou até aqui a embarcar nessa busca pelo Rei Adulto também.
O livro está disponível na Amazon e também em formato físico em pré-venda no site seguinte: http://heliojaques.azo.com.vc/