Naty__ 23/12/2016** Você é o nosso convidado para um jantar secreto! **
“O ser humano nasce
Cresce,
Reproduz-se,
E é servido no jantar.”
Faz alguns minutos que li Jantar Secreto e não sei exatamente se conseguirei expor tudo o que senti enquanto meus olhos mergulharam nessa leitura. Não, espere! Tenho certeza que não vou conseguir, pois o misto de sentimentos é forte o suficiente para garantir: nada do que eu expor será o suficiente para demonstrar meu sentimento.
Fiquei com vontade de xingar (e confesso que não sou dessas que sai por aí falando termos extras). Imaginei que Raphael Montes não me surpreenderia, pois acertei muitas coisas no decorrer da leitura. Porém, existe algo que me deixou encafifada: ele conseguiu ir além de tudo o que imaginei.
Se tivesse que dizer uma palavra para expressar esse livro seria “fodástico”; usar “incrível” é pouco para o que ele representa. No início encontrei uma narrativa normal, com elementos que me pareciam naturais e enredo nada muito envolvente. No entanto, o leitor se engana logo nesses quesitos. Não existe nada de comum na narrativa do autor, os elementos criados não são nada corriqueiros e enredo é para lá de envolvente.
** Não é permitido falar sobre o jantar **
Em 2010, quatro amigos decidem sair do interior do Paraná para o Rio de Janeiro: Dante, Hugo, Leitão e Miguel. A história é narrada por Dante, um estudante de administração e que trabalha numa livraria. Hugo faz excelentes comidas, é o chamado chefe de cozinha. Leitão largou os estudos para ficar em casa se entupindo de comida, agora apenas é hacker e passa suas horas invadindo contas na internet. Miguel parece ser o mais certo da história; é estudante de medicina e trabalha num hospital.
Ao alugar o apartamento no Rio, todos acreditam no sucesso, mas não é exatamente assim que as coisas funcionam. Passados alguns anos, Dante recebe uma ligação do corretor cobrando os valores dos aluguéis. Para seu espanto, Dante descobre que Leitão, há seis meses, não paga o aluguel. Agora eles precisam arrumar mais de R$ 25 mil ou serão despejados.
Confesso que nesse momento minha vontade era voar no pescoço do personagem, ainda mais pelo motivo que ele desviou a quantia. No entanto, no decorrer da história a gente entende os processos conturbados vividos por Leitão, mesmo sem deixar a raiva de lado; apenas compreendemos suas dores.
** Não é permitido levar acompanhante. Cada presença é única e especial **
Ao se depararem com a dificuldade, eles decidem fazer um jantar e convidar pessoas para comer algo exótico. A entrada é limitada; os dez primeiros que efetuarem o pagamento já terão a sua entrada garantida. Para piorar o serviço, Leitão fica responsável por criar o site e fazer os anúncios. Ao invés de cobrar R$ 500 por pessoa, conforme o combinado, ele coloca R$ 3.000 por pessoa e anuncia que será servido carne humana.
Os amigos querem matá-lo por essa brincadeira, mas resolvem aceitar pelo fato de o dinheiro já ter entrado na conta. Agora eles precisam cuidar de deixar tudo pronto e, o mais difícil, não serem descobertos pela polícia.
Além de mostrar como uma brincadeira pode assumir proporções graves, o autor revela como o poder pode mudar as pessoas, além de deixar às claras a criminalidade presente no país – o que muitas vezes passa despercebido por nós.
** Não é permitido o uso de celulares ou outros aparelhos eletrônicos **
A narrativa é forte, impactante e deixa o leitor por diversas vezes emocionado, enojado e refletindo como as pessoas são más e como são capazes de qualquer coisa para ter o que deseja. O livro possui termos fortes, mas que demonstram a realidade, aquela clandestina, nua e crua.
Sem contar que, por diversas vezes, a descrição das comidas são tão bem feitas que ficava imaginando o próprio autor provando as carnes para poder dar um ar tão original à obra. São incríveis os detalhes descritos, as cenas tão bem construídas e o leitor se pega com água na boca com tantos elementos no prato, mas depois volta a ficar com nojo ao lembrar que é carne humana.
Ainda o autor cita a história de um dos livros que mais gostei, enquanto estudava Direito, chamado O caso dos exploradores de caverna, do autor Lon Luvois Fuller. Obra impactante por retratar o caso de cinco pessoas que entraram numa caverna de pedras calcárias e, devido a um deslizamento, ficaram bloqueadas lá dentro, sem comida. Embora um grupo de resgate tenha sido enviado, a situação permaneceu crítica e dez trabalhadores morreram ao tentar socorrê-los. Desesperados, eles decidem que um servirá de comida para os quatro e decidem jogar – é o que alegam no Tribunal.
** Guarde esta celebração apenas na sua memória – e no seu paladar **
Embora o livro tenha sido excelente, com uma narrativa de tirar o fôlego, sinto dizer que a editora deixou a desejar no quesito revisão. É possível encontrar alguns erros durante a obra, mas não é nada que estrague a leitura. A diagramação ficou muito bonita; a capa é bem chamativa e faz jus ao que a história propõe. O final não é exatamente o que o leitor espera, por conta das pontas soltas e de muitas coisas que poderiam ser melhor explicadas. No entanto, mesmo assim, recomendo a leitura, apenas prepare o estômago, as cenas são fortíssimas.
Quotes:
“Até hoje, esse enigma exerce grande fascínio sobre mim. Nessa história, o que não sai da minha cabeça não é a morte da mulher do sujeito, nem o fato de ele ter jantado a coitada achando que era carne de gaivota, nem de ter se matado por isso. O que me fascina é que o marido comeu carne humana sem saber. E mais: gostou.” (p. 13)
“Cora estava certa: não dava para ser hipócrita. Eu comia carne desde criança, não comia? Nunca me importei com o sofrimento do boi, com a tortura do ganso, nunca perdi um segundo de sono em homenagem aos porcos e aos frangos que devorei ao longo de toda a minha existência. No fundo, aquelas pessoas não eram tão diferentes de mim.” (p. 127)
“‘Já pararam pra pensar que o canibalismo pode ser a solução mais imediata pra fome no mundo? Quero dizer, não comemos nossos próprios mortos por uma questão cultural. Não fomos criados assim. Acontece que enterrar os mortos é um grande desperdício de carne saborosa que poderia ser usada como alimento. Mesmo na vila mais pobre da África, onde pessoas passam fome, há carne sendo desperdiçada nos enterros. Por que não comer? O que mata essas pessoas de fome é esse impedimento moral de comer os semelhantes...’” (p. 204-205).
“‘É complicado se manter vivo quando você perdeu a coisa mais importante da sua vida e tem ao alcance das mãos tudo o que é necessário pra morrer.” (p. 291).
*Confira as fotos no Blog. Link abaixo
site:
http://www.revelandosentimentos.com.br/2016/12/resenha-jantar-secreto.html