Vania.Cristina 23/05/2024
Complexas relações humanas na Itália, no final dos anos 60
O que eu mais gosto nessa série é a forma como a autora mostra as questões políticas e sociais reverberando na vida das pessoas comuns. Sempre há paralelos entre a política e a vida cotidiana. Suas personagens são muito bem construídas, cheias de contradições e complexidades. Tomam decisões muitas vezes impulsivas, exercendo sua individualidade, no entanto, em cada uma dessas personagens a coletividade também aparece. São fruto de uma época, de decisões e embates sociais.
Nesse terceiro volume da tetralogia, encontramos a narradora Lenu e sua amiga Lila, vivendo, na Itália, os tumultuados finais dos anos 60 e início dos 70. Ambas chegando na idade de 30 anos.Tempos de movimento estudantil atuante, movimento trabalhista organizado e intelectuais engajados. Tempos em que se falava de revolução proletária, mas ao mesmo tempo, havia um fascismo enraizado na sociedade, que ora se camuflava em democracia-cristã, ora em monarquismo. Esse cenário desemboca em conflitos violentos nas ruas. O livro deixa claro a necessidade de luta contra o fascismo, mas não aponta caminhos. A esquerda organizada aparece frágil na história, contraditória e dividida. Os conflitos de classe aparecem concretos, mas as relações humanas são complexas.
Lenu está cada vez mais consciente de si mesma e um pouco mais madura (e menos irritante, eu penso). Mas continua sendo uma narradora não confiável, porque muito do que descreve é imaginado. Ao mesmo tempo, Lila durante a história vai se revelando, aos nossos olhos e aos olhos da amiga, cada vez mais complexa. Lila não é tão forte e poderosa quanto pode parecer, e Lenu não é tão frágil e ingênua. Ambas têm suas fragilidades, imperfeições e contradições. São amigas mas são rivais, desde sempre. Se amam mas muitas vezes não se suportam. São esforçadas, batalhadoras, mas capazes de jogar tudo para o alto. São corajosas mas também hesitam e fraquejam. Podem ser leais mas também distantes. Às vezes são pequenas peças das engrenagens sociais, outras são agentes de transformação.
Lenu teve oportunidades que Lila nunca encontrou. Essa é a maior injustiça que permeia toda a história e a cabeça das personagens. Ambas têm consciência de suas origens sofridas e tentam fugir delas, do círculo vicioso da desigualdade, da violência e da opressão, contra as mulheres e a classe trabalhadora. Ambas percebem que às vezes é preciso voltar pra casa, pro bairro. Outras vezes o bairro segue com elas. No começo do livro, quando Lenu mais velha está contando suas memórias, já sabe que o bairro é um reflexo da cidade, do país e do mundo. Não há fuga possível das nossas origens.