A mentira nos Tribunais

A mentira nos Tribunais Prof. Luigi Battistelli



Resenhas - A Mentira nos Tribunais


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Carla.Parreira 05/10/2023

A mentira
Relata o livro que, em muito animais superiores, a simulação parece ter perdido todo o seu caráter instintivo e, pelo modo como é praticada, reveste todas as características de um ato plenamente consciente e voluntário, que implica, por conseguinte, o conhecimento dos perigos ao encontro dos quais o animal se dirige e o estudo feito para os evitar. Um dos exemplos citados pelo livro baseia-se inclusive no provérbio ?cão que ladra não morde?. Diz ser uma solene afirmação da conduta simuladora deste animal que, na maioria das vezes, ruge e ladra para demonstrar um estado de espírito fictício, uma cólera que verdadeiramente não sente, e isso com o único fim de conservar afastadas as pessoas que tentam aproximar-se da casa do dono. Quando o cão anseia, verdadeiramente, atirar-se a quem passa, recorre à astúcia, torna-se simulador e dissimula, com o silencio, a sua intenção, pois que a experiência lhe ensinou que uma conduta tão evidente só serviria para favorecer a fuga do inimigo. Não pensei que um cão fosse inteligente a ponto de perceber isso sobre suas ?presas?. Partindo deste principio, o livro diz que na evolução da mentalidade humana, a mentira deve ser considerada como um fenômeno de atavismo e a sua origem deve ir procurar-se na luta pela existência. Efetivamente, o homem, ao aparecer sobre a terra, não podia, débil e inerme como era, renunciar ao meio de defesa, com o qual conseguira triunfar na luta da simulação. Quando, por meio da palavra, chegou a poder exprimir o seu pensamento, começou a praticar o engano, servindo-se de símbolos verbais, e criou a mentira, fenômeno exclusivamente humano, é verdade, mas no qual se vêem pulular tendências e atitudes ? ficções, astúcias, fraudes, - que permitiram aos nossos mais remotos avós, o triunfo pela vida. Naquele período ainda infantil da humanidade, cheio de crenças supersticiosas e de mitos complicados e absurdos, o móbil da mentira corresponde a outros sentimentos, além do medo. A vaidade e o orgulho figuram entre os primeiros. O desejo de firmar, com fins mais ou menos espirituais, o prestigio de uma divindade, a fama de um templo, o valor de uma relíquia, fez, nas antigas religiões orientais e pagãs, germinar a mentira de uma maneira fantástica. Meio fácil e ao alcance de todas as inteligências, a mentira tornou-se a arma mais comum para sustentar a concorrência no campo da industria, da arte, da política, das profissões liberais, etc. Quando há uma utilidade a conquistar ou um aborrecimento a evitar; quando é preciso justificar uma culpa ou afastar uma suspeita; quando se pretende realizar um desejo ou satisfazer um capricho, e, em qualquer destes casos, se compreende que a verdade se oporia à obtenção do fim desejado, recorre-se, espontaneamente, quase por instinto, à mentira. Mentimos até a nós próprios quando, levados por um interesse material, em oposição aos sãos princípios da moral, procuramos legitimar, no nosso intimo, a custa de transigências, a nossa ação, descendo a humilhantes transações com a nossa consciência. A civilização ainda não exerceu qualquer ação retardadora eficaz sobre a mentira; pelo contrário, à medida que luta pela vida se torna mais intensa e febril, a sociedade torna-se mais falsa e mentirosa, de maneira que, hoje, não se encontra nela qualquer forma de atividade que não esteja inquinada de mentira. É que, de fato, há verdades que produzem o efeito de uma pedrada na cabeça; que envenenam a vida, que destroem o desejo de viver. A mentira, em certas situações, é um dever imposto pelo sentimento. Daí, o abuso da verdade é mais prejudicial que o uso da mentira. Por conseguinte, considerar a mentira um ato reprovável, somente por ela não corresponder à realidade dos fatos da vida, é simplesmente um absurdo. Baseado em tais convicções, o livro define que a mentira só é um vicio quando faz mal; é uma grande virtude quando faz o bem. Mas eu ainda acrescento a pergunta, será que uma mentira pode, em alguns casos, ser capaz mesmo de fazer o bem? Concordo que o valor moral de um ato ou de uma palavra não está no seu conteúdo de verdade ou de mentira, mas consiste na intenção com que esse ato ou essa palavra foi pensado; no modo como foi dita ou realizado; nas conseqüências que determinaram.
O fato da mentira se apresentar como um hábito mental comum a todos os povos selvagens, e de a encontrarmos, quase sem exceção, em todas as crianças, serve para demonstrar que ela nasce com o homem. Muitas vezes a criança mente por vaidade, por malicia, brincadeira, imitação, cupidez, preguiça, amor próprio ou por ciúme. Freqüentemente, a mentira tem, nela, um espaço defensivo.
As crianças têm um poder fantástico muito mais desenvolvido que o dos adultos e sabem, melhor do que estes, combinar, associar no seu espírito os fatos mais inverossímeis, porque, nelas, ainda não se formou os poderes inibitórios, paralelos ao poder de discernimento, que permite determinar a credibilidade que, com freqüência, as vemos mentir, mesmo quando os fatos são evidentes. Uma educação conveniente e o exemplo contribuirão igualmente para reduzir a tendência para a mentira. E visto que, tratada com doçura, simpatia, amigavelmente, a criança não terá razões para mentir, dirá as coisas como as sente. Pelo contrário, tratada com rigor, aterrorizada pela nossa severidade, facilmente recorrerá à simulação e à mentira. Verifica-se que, ao mesmo tempo em que se educa a criança na idéia de reprovar a mentira, ensina-se também que nem sempre convém dizer a verdade. Alguns pais mentem para as crianças, outros dizem que elas nem sempre devem ser verdadeiras para com as pessoas estranhas e muitos as pedem para mentir ou não dizer isso ou aquilo se alguém comentar ou perguntar.
O resultado é que a recomendação de calar certas verdades, segundo as circunstâncias, determina na alma infantil a convicção de que a verdade e a mentira dependem da ocasião, e que toda a inteligência e a sagacidade da criança consistem, para muita gente, em saber dizer oportunamente uma em lugar da outra. E, dessa forma, geralmente a criança principia a compreender que a verdade é coisa para usar em família, ao passo que a mentira é uma armadura para ser usada nas varias contingências da vida extra-familiar. Em todas as mentiras, seja voluntária, ocasional, heróica, por conveniência, de amor, santa, maligna ou jocosa, esconde-se sempre um sintoma de fraqueza e, quase constantemente, um fim egoísta. A vida em sociedade ainda hoje exige uma certa dose de dissimulação e de mentira.
A delicadeza, a modéstia, a moral, a obrigação de não ofender ou ferir os sentimentos alheios, a necessidade de não estragar as boas relações com as pessoas que estão perto de nós e de quem, no momento oportuno, poderemos vir também a precisar, com freqüência nos fazem calar a verdade, nos induzem a esconder as nossas impressões e os nossos pensamentos.
É por isso que, quando não se tem a coragem de dizer a verdade e se teme que um comportamento demasiadamente sincero possa prejudicar e, por outro lado, não se quer muito manifestamente mentir, se recorre àquelas formas de mentira que são a reticência, o eufemismo, a reserva mental e o sofisma. De tal modo, as relações existentes entre a nossa maneira de ser (ou proceder) exterior e a nossa maneira de ser (ou sentir) interior são resumidas em duas expressões muito simples e comuns: simulação e dissimulação. O mentiroso é, portanto, com muita freqüência, obrigado a simular e a dissimular. Esta condição é tão essencial que, faltando ela, o resultado prático da mentira não pode ser obtido.
A arte dramática consiste na simulação. O artista, no momento em que se apresenta em cena, abstrai-se completamente do seu Eu, para viver intensamente o personagem que deve representar, para se fundir nele. Todo o seu estudo se dirige para a imitação do gesto, do comportamento, da linguagem, da voz. Um artista é, assim, um perfeito simulador. Não obstante costuma-se ouvir que um bom simulador sabe trocar de máscara sem dificuldade alguma.
A arte figurativa e simbólica talvez não dispusesse de outro meio para exprimir a psicologia do mentiroso; e no entanto, o conceito da máscara, que esconde o pensamento e que, com uma nova aparência do rosto, apóia e dá força à palavra mentirosa, reproduz com verdade o intimo nexo que liga a mentira à simulação. Para melhor simular os diversos sentimentos, os atores da antiga tragédia e comédia gregas usavam, como parte essencial da sua indumentária, deliberadamente artificiosa, a máscara, a qual ainda hoje é usada pela arte decorativa como símbolo de arte dramática.
Não há fato da vida física, nem manifestação da vida espiritual, que não se preste à simulação. Todos os sentimentos: amor, pudor, ódio, ira, vingança, orgulho, amor próprio, amor à pátria, ideal religiosos, sentimento da arte, etc, podem ser simulados.
O simulador é, geralmente, um fraco que, em todos os atos da sua vida, se vê forcado a esconder o seu Eu, num continuo fingimento, para evitar aborrecimentos, ou porque, sendo pusilânime por natureza, não sente coragem para afrontar as dificuldades da vida. Atualmente vejo o simulador é um medroso. Para mim, o homem corajoso afronta quaisquer situações e, na sua franqueza, na sua lealdade, mostra-se tal como é verdadeiramente, com todos os seus méritos, com todos os seus defeitos, fugindo da mentira e de qualquer forma de fingimento, porque sabe que esses expedientes diminuirão a sua dignidade e o seu prestigio.
O simulador não se comporta dessa maneira: ele é débil e incapaz de sustentar a menor luta, precisa esconder continuamente o seu pensamento e o seu procedimento, precisa de modificá-lo, sem atritos nem abalos, e de o adaptar ao ambiente.
Enquanto a simulação é um elemento integrador e muitas vezes indispensável da mentira, esta atinge os limites do patológico quando o próprio mentiroso acredita em grande parte das suas mentiras. A mentira patológica é, em substancia, o sucumbir da consciência da realidade em face do desejo fantástico mórbido.
Será capaz, durante algum tempo, de voltar, de vez em quando, sobre si mesmo, de distinguir o que a sua imaginação tenha produzido para enganar os outros, isto é, de reconhecer as suas mentiras; mas depois acabará por se esquecer completamente de ter sido ele o seu criador e, em certa altura, já não conseguirá distinguir a realidade objetiva daquilo que é produto da imaginação criadora.
Se a mentira normal geralmente é passiva e consiste na reação de uma pergunta ou na negação de algo que se considera nocivo, a mentira patológica é ativa e diferencia-se ao acrescentar fatos inventados, situações criadas espontaneamente, combinações de intrigas, etc. Em seqüência o livro cita alguns tipos de mentirosos patológicos. Primeiramente fala dos gabarolas.
Estes são indivíduos que, mesmo nas circunstancias menos oportunas, procuram exaltar a sua pessoa a ponto de caírem no ridículo. O principal escopo desses indivíduos é infundir, com as suas gabarolices, no espírito de quem os ouve, um elevado conceito de si e das suas aptidões, ainda que, para isso, tenham de dizer um cem numero de mentiras.
É bom verificar que, em qualquer campo da atividade, em qualquer grau social, sexo, idade ou estado de saúde a que fomos buscar, para examinar a mentira na figura do gabarola, verificaremos sempre que ele procura exaltar o seu Eu, ou com um escopo moral (o prestigio da pessoa), ou com um escopo profissional (lucro), ou com um fim criminoso (fraude). Outro tipo de mentirosos são os mitômanos.
São indivíduos constitucionalmente inclinados a organizar, por meio das suas palavras, dos seus escritos ou dos seus atos, ficções mais ou menos freqüentes ou prolongadas, enganando, dessa maneira, os que os rodeiam, sob a influencia de móbiles também patológicos, e a traduzir, finalmente, por essa aptidão eletiva para a mentira, para a simulação e para a invenção romanesca, uma tendência de ação e uma forma de espírito conhecidas pelas designações de mitomania ou mitopatia. Assim, com base nos diversos móbiles que a determinam, teremos, também, três variedades distintas de mitomania: a vaidosa, a de fim lucrativo e a de escopo criminal. Entre os mentirosos patológicos, o mitômano é o que cria as mentiras menos absurdas, mais bem organizadas, mais resistentes à critica e, por isso, mais facilmente acreditáveis. Em terceiro lugar o livro relata sobre os confabuladores.
Quando os doentes, para integrar as lacunas da memória, recorrem aos produtos da fantasia, narrando e descrevendo, por vezes com grande segurança e precisão, fatos e acontecimentos não verdadeiros, temos o fenômeno da confabulação. A sua mentira tem o caráter de fabulação do momento; tudo o que estima a sua imaginação é, por ele, adquirido como um papel que, rapidamente, passa a representar; mais do que a continuidade, nota-se nele a variabilidade do fenômeno. Não raro a mentira é automática, com freqüência fragmentaria, quase sempre sem um nexo lógico, sem conclusão, sujeita a variações continuas e a contradições.
Estes indivíduos são incapazes de fazer uma idéia clara da sua posição e das relações entre os acontecimentos. Parecem, com freqüência, desorientados quanto ao tempo, quanto ao lugar e até quanto a si mesmos. Por fim o livro fala sobre os delirantes mentirosos, para os quais a mentira é sempre um meio que se manifesta somente para atingir um fim mórbido; aparece quando se estabelece esse fim e dura enquanto durar esse mesmo fim. O manicômio é a força das falsidades, é o mundo dos erros. Tudo ali é falso: a dor, a alegria, a ira, o afeto, o amor, o ódio. Mas tudo é mentira?
Se por mentira se entende a narração de uma coisa falsa, com a consciência clara e plena, por parte do narrador, da falsidade do que diz, então só uma pequena parte são mentiras. Todos as dizem. Os doidos furiosos, os loucos morais, os epiléticos, os imbecis, os histéricos, os senis, os paralíticos, os delirantes, etc., caindo num estado de delírio, sentem a necessidade de recorrer à mentira, em apoio dos fins que resultam das idéias delirantes; outros se servem da mentira para reagir contra as pessoas que se opõem à realização da idéia delirante. O resto do livro fala sobre a mentira ligada ao falso testemunho e a calunia, assunto de mais valor para a perícia psiquiátrica e juizes de tribunais.
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