@esttrelante 04/01/2022
Houve muitos estragos, mas também esperança no amor...
O quanto podemos magoar alguém por questões inteiramente nossas?
O quanto o comportamento alheio é responsável pelas nossas atitudes geralmente impensadas?
Desmembrar a dor e seguir em frente parece impossível de tão difícil, mas é tão impossível quanto perdoar?
O que dói mais, o que é mais complicado: Perdoar uma ofensa ou perder alguém importante para seu coração?
Senti muita dificuldade em escrever sobre esse livro, não sei bem o motivo...
Assim como em "A última peça", esta obra me jogou em um vendaval de emoções. Questões pessoais foram remexidas, gerando uma agridoce identificação. Os livros da Karina costumam despertar os mais diversos efeitos em mim, no entanto, quando se trata de um assunto delicado, ela sabe nos guiar para fora da zona de conforto sem necessariamente nos deixar desconfortáveis. Ela segura nossa mão e nos mostra o quão o 'diferente' é apenas diferente, e não ruim. Causa rebuliço e certa agonia, por outro lado causam reflexão e epifania. É conhecimento sobre uma história de vida, sem realmente precisar dar a cara a tapa. Eu me senti em uma montanha russa. Ora soberba, ora machucada. Ora vibrante, ora fula da vida. Gosto demais dessa habilidade dela.
Quando comecei a ler, achei que se tratava de sapequice e recomeço, mas vai muito além disso. Temos 'segunda chance'. Temos pessoas que sabem amar além do amor e perdoar o que muitos julgam imperdoável. Temos intrigas, salvação, sacrifícios, medos, dor, paixão e muito drama. Isto é, praticamente a vida real.
O foco do livro gira em torno da traição de Ian. Bel flagra seu marido fazendo semvergonhices com a última pessoa que ela esperava uma facada. Um choque. Meu coração ficou pequenininho. Foi uma grande canalhice, sem dúvidas.
Há pessoas que classificam a infidelidade como falta de caráter. Na minha balança há dois tipos de infiéis: aqueles que traem por esporte e aqueles que traem por solidão e abandono conjugal. O primeiro grupo nunca mudará, você pode perdoar mil vezes, e mil e uma vezes essas pessoas irão lhe trair. Já no segundo, há erros humanos, uma busca por esquecer que algo lhe falta por dentro. Não deixa de ser dolorosamente canalha, ainda assim perdoável.
Contudo, cada um com seu cada um.
Após esse flagrante, Bel abandona Ian, a casa, o doguinho e se trancafia em si mesma.
Ela está errada? Não.
Vou passar a mão na cabeça dela? Não.
O motivo está por trás do antes da traição.
Ian e Bel se conheceram em um inusitado jantar, embora parecesse um imbecil, ele se revelou um homem doce, apaixonado e sensível. O casal se encaixou bem, notando que além de química eles tinham a conexão perfeita para uma linda história de amor.
Eu me encantei com o conto de fadas, acreditando que Ian era o único culpado de tudo ter desmantelado e quando cada grama do passado foi revelada, acabei culpando os dois.
Primeiro, não faltou apenas fidelidade nesse casamento, faltou companheirismo e diálogo. Fiquei chocada e indignada que uma psicóloga sensata e bem estruturada chegou ao ponto máximo da indiferença e apatia. Segundo, aplaudi de pé a atitude salvadora de Bel tanto quanto vaiei seu sacrifício. A vida é assim, às vezes, existe espaço para diálogos e, às vezes, para ações. Nós agimos tendo fé de que vai dar tudo certo e olhando para trás podemos ver que certas atitudes impensadas podem causar consequências absurdamente e inesperadamente altruístas e boas. Foi altruísta, muito altruísta, mas a deteriorou e levou seu casamento junto. Ainda que eu entenda mais do que perfeitamente os sentimentos depressivos que a consumiam, sua atitude foi dolorosa e desnecessária. Isso foi o princípio do fim. Fora a deslealdade do silêncio, porque sim, casamento é feito por dois, é feito de cumplicidade.
Pois bem, demora muito até que eles conversem e ponham em pratos limpos tudo o que houve, e isso me agoniou demais, mas entendo que a distância faz parte e quando a mágoa fala mais alto é necessário isso, se recolher para se refazer e depois conversar. Enfim, ficamos em expectativa, afinal pedir perdão não apaga o erro, mas remenda muita coisa, remenda um coração partido, abranda a raiva, desafoga a alma. Queríamos ver isso, queríamos provas de que o amor ainda poderia unir esse casal.
Porém, até que isso aconteça, temos que acompanhar esse projeto curioso de sapequice cardiológica. O que foi um jogo perigoso de manipulação misturado a um grande plano infalível. A razão (além da financeira) que motivou ambos a entrar nesse projeto não me agradou, achei imaturo, mas funcionou para que a trama andasse. Então, começamos a acompanhar o dilema pesado das mentes culpadas, lamentos pelo que não aconteceu e pelo que aconteceu. Dores de corações machucados. Explosões de feridas que ainda sangram, e sabemos que quando estamos feridos, queremos ferir. Escondemos os sentimentos puros para mostrar o amargor, focando apenas na retaliação, conseguindo assim alguma paz de espírito. Contudo, a vingança é satisfatória na mesma proporção que seu gosto amargo.
Acho curioso como o amor e a raiva geralmente causam os mesmo efeitos, eles embaçam o raciocínio e embaraça as emoções. Também acho controverso que o amor traz um sentimento de posse tão grande que você sente vontade de aprisionar, quando na verdade você adora ver solto e vivo.
Acompanhar a noite de Ian usando o relógio foi inquietante, causou desconforto pela agonia que comia nas entranhas dele. No caso de Bel, acompanhar detalhadamente as aventuras românticas dela com outros homens não foi o ponto alto do livro para mim (gosto pessoal), no entanto pude enxergar como isso foi necessário para que ela se descobrisse novamente. Experiências. A vida é o acúmulo de experiências. E ver Bel forte e cheia de vivacidade foi lindo.
Devo confessar que a explosão tardia de Bel me deixou tão em choque quanto todos os espectadores. Chamei de louca, mas separei um paninho para ela, porque só Deus (a autora e nós, leitoras) sabia o quanto ela precisava expurgar. O pós surto é mais complicado. Colocamos culpas nos outros quando a raiva irrompe, mas quando a razão vem, a culpa cai em nós mesmo e em nossas ações descabidas.
Os momentos dos protagonistas juntos eram puro fel, mas quando finalmente cedem à paixão, minha nossa... Sapequice de qualidade e uma troca de olhares envolvente. Eles conseguem enxergar o melhor dentro do outro. Finalmente, entender a falha alheia e conferir na balança da vida o que mais importa: o amor, a cumplicidade e a felicidade.
Entre os personagens secundários adorei Solange (mãe de Ian), ela foi mais que sogra, foi amiga ( e mãe também) para Bel, dando apoio, ajudando com seus planos mirabolantes e deu um leve alívio cômico, extremamente necessário, cai entre nós. Romeu me chamou atenção também, mesmo aparecendo pouco, ele conseguiu fazer a mocinha enxergar uma perspectiva da vida que ela não conseguia (ou não se permitiu, sei lá) antes.
Gostei da obra como um todo e o milagre que aconteceu com Bel foi a coisa mais linda e pura que poderia acontecer a uma mulher. O final não foi surpreendente, mas muito satisfatório.
Recomendo, mas venha de cabeça e peito aberto...