pimet800 21/01/2022
Capitão Blood
Capitão Blood é uma das principais obras de Rafael Sabatini, publicada originalmente em 1922, e que conta a história de Peter Blood, um irlandês de 32 anos, filho de um médico com uma dama, que estudou medicina no Trinity College, em Dublin. A herança que seus pais lhe deixaram permitiu que Peter se aventurasse pelo mundo e conhecesse diversas nacionalidades e que, inclusive, servisse com os holandeses, na época em que estes guerreavam contra a França. Além disso, o leitor é informado logo no início do livro sobre o gosto que o protagonista tem pelo mar e embarcações: “a predileção pelo mar o fez decidir que esse serviço deveria ser naquele elemento”. Assim temos algumas das características que irão nortear os rumos do Capitão Peter Blood ao longo de diversas aventuras pelos mares do Caribe, na segunda metade do séc. XVII.
No tempo anterior a história narrada, Blood fora confinado a uma prisão espanhola durante dois anos, embora não seja dito como isso ocorreu. Este fato é especialmente importante para ajudar a construir a personalidade do protagonista e, consequentemente, a antipatia que este possui para com os espanhóis.
Peter Blood é um homem magro, alto, de olhos claros, que busca a todo momento por aceitação. Basicamente todas as escolhas que faz, as lutas que trava, os aliados dos quais se aproxima e os inimigos aos quais odeia são para ele próprio seja considerado como alguém honrado, embora tenha em sua companhia aqueles que não são exatamente as pessoas mais honradas para se estar ao lado: piratas. Isso cria um dilema em sua jornada, pois a cada passo que caminha em direção à honra, menos honrado é considerado pelas pessoas a quem reserva respeito. Ele se considera alguém extremamente incompreendido.
O irlandês é facilmente reconhecido como alguém muito inteligente e perspicaz, de língua tão afiada que comumente é considerado insolente. Também por esta característica, mas não apenas por ela, ele constrói uma rede de inimigos ao longo das viagens nos mares das Índias Ocidentais (mar do Caribe). Eles variam de piratas, captores escravocratas, passando por médicos, nobres, juízes e, até, governadores e vice-governadores. Em um dos muitos embates narrados, ao ser questionado por um juiz sobre o porquê de ter socorrido um inimigo da corte, Blood responde: “– Meu negócio, meu senhor, era com suas feridas, não com sua política.”
A história possui bastantes personagens, o que pode dificultar a leitura em alguns momentos caso o leitor não esteja atento. Peter Blood constrói uma série de relacionamentos com seus subordinados e autoridades, além de vários desafetos que atravessam seu caminho. Além disso, em todo momento há referências a locais não muito comuns, que podem fazer o leitor se sentir um tanto perdido. Acredito que se no início do livro existisse um mapa da América Central, principalmente das Antilhas, no mar do Caribe, apontando as principais ilhas onde a aventura se passa, seria mais fácil para o leitor entender as estratagemas do Capitão no momento de surpreender alguns de seus adversários. Confesso que tive de abrir o Google em mais de uma oportunidade para me familiarizar com a geografia. Outro ponto que dificulta a leitura é o vocabulário náutico presente no texto. Desde partes de navio, que possuem detalhamento nas descrições, até posicionamento geográfico latitude e longitudinais, exigem que o leitor busque nos dicionários seus respectivos significados para se situar.
Assim, conclui-se que o texto de Sabatini não é dos mais fáceis, contudo mantém a mesma cadência desde o primeiro capítulo até o derradeiro, isto é, as coisas acontecem paulatinamente, sem que o leitor fique com qualquer dúvida sobre o que estava pensando ou sentindo determinado personagem. Por exemplo:
“Sua Excelência afirmou sua autoridade. Foi por suas ordens que Blood tinha se dedicado aos espanhóis feridos, e suas ordens deveriam ser cumpridas. Não havia mais nada a ser dito.
O Coronel Bishop tinha outra opinião. Em sua opinião, havia muito a ser dito. Ele disse isso, com grande circunstância, bem alto, de um jeito veemente e obsceno – pois sabia ser fluentemente obsceno quando movido pela raiva.”
Apesar de extenso, o livro é saboroso, divertido e com muitas reviravoltas. O protagonista é cativante e, nos momentos em que fica ausente na história, sem demora sentimos sua falta. Os vilões variam bastante de um para outro, com diferentes motivações e interesses em suas causas. E como não poderia deixar de ser citada, existe uma personagem feminina forte, a exemplo de outras que já vimos na literatura, como Capitu por exemplo, que não se submete aos estereótipos de mulher frágil, pelo contrário. Isso cria um conflito nos pensamentos e nas emoções de Peter Blood, pois esta é uma relação que tem muita dificuldade para lidar, visto que atinge seu lado emocional como poucos outros personagens o conseguem fazer.
“A voz era nítida e de menino, e havia algo de menino em seus modos – se é que se pode aplicar o termo a uma dama tão delicada. Talvez viesse de uma tranquilidade, de uma franqueza que desprezava os artifícios e seu sexo e a colocava em bons termos com o mundo todo. (...) Ela usava com todos os homens uma franqueza fraternal que contém em si uma qualidade de indiferença, dificultando que qualquer homem se tornasse seu amante.”
Enfim, um excelente livro e que recomendo a todos.