Marcos Pinto 28/11/2016Dick para quem gosta de DickA substância D, também chamada de morte lenta, é uma droga letal que possui um número gigantesco de usuários. Ela destrói, lentamente, as conexões cerebrais, causando danos irreversíveis. Por ser letal e por ser potente, ela é viciante. Como vício atrai dinheiro, os traficantes se fazem presente nas ruas de Los Angeles.
Na tentativa de combater o crime organizado e o tráfico de drogas, a polícia se utilizada de agentes infiltrados. Um deles é o nosso protagonista: Bob Arctor. Ela se passa por um pequeno traficante de drogas; assim, tenta descobrir os grandes traficantes, aqueles que causam realmente mal à sociedade. Contudo, o próprio Bob passa a ser um usuário da tal droga, mostrando todos os sintomas que ela causa: confusão mental, paranoia e destruição das conexões cerebrais. Tudo piora quando ele começa a investigar o grupo que ele está envolvido; ou seja, seus amigos e si mesmo. A partir deste momento, a sua confusão é completa. O que é real? O que não é?
Philip K. Dick mostra, nessa obra, porque é um dos grandes pilares da ficção científica. Com uma premissa simples, ele cria uma trama complexa, altamente psicológica e psicodélica, deixando o leitor abismado com sua capacidade de criar. Dick mostra também, mais uma vez, sua qualidade de escrita ao não deixar cair nenhum dos dois lados do protagonista: nem o viciado, nem o policial. Assim sendo, cada parte da vida desse complexo personagem é abordada profundamente, dando uma verdadeira aula de como construir livros.
“Provavelmente a Substância D é um ingrediente de todo e qualquer medicamento que sirva para alguma coisa, pensou ele. Uma pitada aqui e ali de acordo com a fórmula secreta e exclusiva do laboratório de origem alemão ou suíço que inventou isso” (p. 15).
Contudo, isso obviamente tem um preço: a escrita, por ser mais trabalhada e profunda, é lenta. Contudo, não se deve confundir lentidão com uma trama preguiçosa e arrastada ou, até mesmo, com uma escrita ruim. O livro é arrebatador. A obra não ganha pela ação viciante, ela te sequestra com sua trama complexa e com a construção de um enredo psicodélico altamente envolvente. Ou seja, Um Reflexo na Escuridão não é uma obra para se ler do dia para a noite; ela requer atenção e esforço. Contudo, as melhores obras são assim.
Outro ponto que torna a obra ainda mais fascinante é o fato de ser atemporal. É claro que temos características da época em que ela foi escrita originalmente (1973), contudo, o assunto abordado não poderia ser mais contemporâneo. Afinal, a licitude ou não das drogas, o conceito de liberdade individual e suas consequências sociais e os efeitos de substâncias legais e ilegais são assuntos “quentes” até hoje. Ou seja, além de desfrutar um clássico magistral, o leitor ainda ganha a possibilidade de refletir sobre a realidade.
Merece também destaque a edição feita pela editora Aleph. A capa segue o ritmo da obra, deixando o visual tão desconcertante e psicodélico quanto o livro. A diagramação, por sua vez, é simples, mas cumpre seu objetivo que é proporcionar uma ótima leitura para os desbravadores. A edição ainda conta com um pequeno artigo sobre a obra e uma entrevista com o autor, enriquecendo ainda mais o universo criado por Dick.
[reflexão sobre a droga] “A vida biológica continua, pensou ele. Mas a alma, a mente... Todo o resto está morto. Uma máquina com reflexos. Igual a um inseto. Fadado a repetir padrões, um único padrão para todo o sempre. Fosse isso apropriado ou não (p. 80)”.
Ou seja, não faltam atrativos e motivos para você conferir Um Reflexo na Escuridão. A obra é genial, com uma premissa envolvente e uma escrita de quem realmente sabe tecer um bom livro. Aposte nessa leitura; você não irá se arrepender.
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http://www.desbravadordemundos.com.br/2016/11/resenha-um-reflexo-na-escuridao.html