Regis 24/05/2024
Novelesco e datado
Gaston Leroux escreveu um romance de ficção gótica parcialmente inspirado em fatos históricos da ópera de Paris durante o século XIX e também se inspirou em um conto apócrifo relativo à utilização do esqueleto de um músico famoso.
O livro (em um único volume) foi lançado em 1910 e possui adaptações muito famosas, principalmente a que foi feita para o teatro por Andrew Lloyd Webber.
Eu conheço algumas das adaptações da obra e isso certamente me influenciou a comprá-la. E devo dizer que o livro é belíssimo, essa edição da Pandorga é perfeita, lindíssima, por dentro e por fora! Tiveram um cuidado minucioso com os detalhes e isso me deixou empolgadíssima para iniciar a leitura quanto antes, mas, infelizmente, a história não conseguiu suprir toda a expectativa que um clássico tão famoso desperta.
A escrita do autor é simples, direta demais, confusa e, às vezes, rasa. Os personagens Christine, Raoul e Erik são pouco desenvolvidos; as inconstâncias em suas falas, a incoerência em algumas atitudes e pensamentos, me tirou da imersão várias vezes.
Raoul é um Visconde de 20 anos ou 21 (nem o próprio autor sabe ao certo) que reencontra Christine Daaé, seu amor de infância, na noite em que ela triunfa, com sua bela voz, na Ópera de Paris e a partir daí vamos seguir os dois personagens por meio de encontros e desencontros com o tão temido Erik, o Fantasma da Ópera.
O autor inicia a história falando sobre personagens citadas apenas naquele momento, elas não fazem parte da narrativa central, não possuem desenvolvimento e não acrescentam em nada no restante da narrativa, sendo deixadas de lado ou sendo completamente esquecidas mais adiante. Ele ainda perde tempo com personagens secundários desinteressantes (Firmin Richard e Armand Moncharmin ? os novos diretores da ópera) ao invés de focar em descrever melhor os personagens centrais. A forma que o narrador/historiador transita entre os núcleos da história, interrompendo a narrativa, em um ponto confuso, para retomá-la mais adiante para maiores explicações, desconcentra e traz uma sensação de desorientação.
Os personagens centrais são planos, não possuem robustez e nem vigor. Nada neles denota um desenvolvimento que consiga convocar o leitor a se apaixonar por eles, sofrer com eles e temer por seus destinos. Quase tudo que acontece a eles é mostrado pelo ponto de vista de outros personagens e o pouco que expressam é confuso e cheio de contradições.
O Fantasma é o que mais sofre com a forma que Gaston Leroux escolheu para contar sua história (Mediante um historiador). Ouvimos falar do Fantasma sem que em nenhum momento o autor nos presenteie com o ponto de vista do mesmo, ele não tem a oportunidade de nos mostrar, de forma mais profunda, o porquê de sua loucura, sua solidão, sua ânsia em ser amado, seu medo de se revelar ao mundo, o porquê de seus crimes e o que o motiva. O pouco que nos é permitido saber sobre sua origem é mostrado de forma desordenada, com furos perceptíveis e às vezes sem nexo ou com uma lógica fraca e questionável e o autor ainda nos brinda com várias incongruências que tornam a narrativa inverossímil até para o mais inaugural dos leitores. Temos pouquíssimos vislumbres dos pensamentos do próprio fantasma e a inconstância na descrição que terceiros fazem dele, torna o Fantasma um personagem enleado em uma existência incompleta e, de certa maneira, inacreditável.
O autor espera que vejamos o Fantasma como mal, assassino, cruel e alucinado ou um gênio incompreendido, marginalizado por sua aparência e digno de pena? Não fica claro em momento algum, já que tudo que ele faz de ruim ou de bom, de alguma forma, é desmentido ou desfeito em algum momento.
Erik tem um potencial incrível para ser um perfeito anti-herói, mas sua história pregressa é mal contada e seus sentimentos são amorfos e, por vezes, ingênuos. Não sabemos se devemos rir dele temê-lo ou nos sensibilizarmos, apiedarmos, comovermos com sua sorte.
Eu seria injusta se dissesse que a obra não entretém, ela entretém e desperta curiosidade, mas os furos no enredo, alguns erros de lógica e coisas jogadas de forma desordenada torna a história novelesca e datada.
A ingenuidade, ou burrice, de uma personagem que tenta se matar dando testadas na parede causa risos e incredulidade (Sério, essa cena é ótima!), as explicações mirabolantes dadas para justificar a engenhosidade e complexidade da construção do covil do Fantasma no subterrâneo da Ópera são risíveis e contraditórias. Ele é engenheiro, inventor, empreiteiro, prestidigitador, músico talentoso, possui uma voz celestial e ainda canta embaixo d'água (rsrsr); tudo isso para explicar acontecimentos que beiram o irreal, mas isso me entreteve e causou boas risadas nas discussões da LC.
Em suma, esse é um livro com um potencial imenso, mas, infelizmente, pouco aproveitado. Ele consegue entreter pela curiosidade e o mistério que prende a atenção no início, entretanto não conseguiu me conquistar como eu esperava.
Recomendo a todos que leiam e tirem suas próprias conclusões, essa resenha representa apenas minha opinião e experiência.
Obs.: Obrigada por ler comigo Felipe e me acompanhado nas discussões desse clássico, sua companhia nessa leitura foi maravilhosa! ?