Mary Manzolli 03/06/2022
Uma altermativa ao desenvolvimento
Primeiramente, para poder falar sobre essa leitura, necessário se faz conceituar o "Bem viver", um termo novo para um modo de vida e organização antigos, das sociedades tradicionais andinas, antes da colonização latino americana, e que abrange as relações interpessoais, o convívio em harmonia com a natureza e, sobretudo, um modelo econômico que passava longe dos atuais modelos das sociedades capitalistas. Bem Viver é sumak kawsay em quéchua, é Suma Qamaña em aymara , é o teko porã em guarani ou o nhanderekó, do guarani mbya.
O político e economista equatoriano, Alberto Acosta, baseado na ideia do Bem Viver, desenvolve uma proposta alternativa às atuais formas de vida e consumo das sociedades capitalistas, construindo uma filosofia pautada na sustentabilidade e de ruptura radical com as atuais ideias de desenvolvimento através da superexploração dos recursos naturais, o consumo indiscriminado e o acúmulo de capital. O objetivo é a construção de um novo modelo econômico alicerçado nos valores das bases comunitárias dos ameríndios e africanos, tais como o cooperativismo, a ancestralidade, a memória, corporeidade e oralidade.
O autor apresenta críticas contumazes aos governos progressistas latino-americanos do último século que, apesar dos avanços sociais, agiram em continuidade à forma capitalista que nos leva ao suicídio coletivo, em razão do alta exploração dos recursos naturais, aumento considerável na exploração de matérias primas, na maioria das vezes causando impactos significativos na vida e nos direitos dos povos originários. Como exemplo cita Equador e Bolívia, que incluíram o conceito do Bem Viver em suas constituições, contudo não implementam, realmente, uma vez que para isso existe a necessidade de se romper com a lógica desenvolvimentista. Acosta ressalta que o Bem Viver não é desenvolvimento alternativo e sim uma alternativa ao desenvolvimento.
Um livro de entendimento fácil e democrático, em que pode agregar tanto para leitores mais aprofundados na filosofia do Bem Viver, quanto para aqueles que ainda engatinham no pensar e viver de forma sustentável, no entanto percebe-se que a ideia central do autor é despertar o olhar daqueles que ainda não se convenceram de que a natureza é finita e, assim, desconstruir as ideologias dominantes.
Partindo do pressuposto de que o pilar principal do Bem Viver é a vida em comunidade, pautada no consumo conscientes, através de produção renovável, sustentabilidade e autossuficiência, além da inexistência de privilégios e classes sociais a custa de exploração da mão de obra, Acosta ressalta a importância de se repensar as necessidades humanas e da reavaliação coletiva dos padrões culturais, como por exemplo da acumulação de bens (principal causador de desigualdade e devastação).
O fato é que há décadas estamos sendo alertados sobre os impactos ambientais decorrentes das más escolhas em prol de um progresso que tem trazido mais consequências, sejam elas climáticas, discriminatórias ou exploratórias, do que benefícios para a maior parte da humanidade e é inegável a necessidade de discutirmos novas alternativas. O Bem Viver nada mais é do que um caminho aberto ao debate, exercício da criatividade e do pensar as alternativas de se viver sem destruir a nossa Mãe Terra e permitir a sobrevivência das gerações futuras, todavia não há abertura para tais discussões sem a consciência da busca por igualdade, que só poderá ser viabilizada fora da esfera capitalista.
"O Bem Viver aceita e apoia maneiras distintas de viver, valorizando a diversidade cultural, a interculturalidade, a plurinacionalidade e o pluralismo político. Diversidade que não justifica nem tolera a destruição na Natureza, tampouco a exploração dos seres humanos, nem a existência de grupos privilegiados às custas do trabalho e sacrifícios de outros. O Bem Viver será para todos e todas. Ou não será".
Difícil fazer caber numa resenha toda a magnitude deste pensamento, por enquanto ainda utópico, sobre um modo de vida de sociedades que pensávamos atrasadas e hoje, à beira de uma colapso ecológico, percebemos serem elas as detentoras do conhecimento necessário para que a espécie humana permaneça por aqui nos próximos séculos.