Ladeiras, vielas & farrapos

Ladeiras, vielas & farrapos Tom Correia




Resenhas - Ladeiras, vielas & farrapos


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Jeanine 07/09/2021

Dezessete contos sobre o lado B da cidade de Salvador. O lado que é pouco retratado, mas que só quem é soteropolitano (ou morador há anos) saberia reconhecer. Esse livro mostra uma Salvador que carrega o peso de carnavais de gente que trabalha duro o ano todo e ainda durante a festa, uma baianidade de valores de uma sociedade desigual, vista pelas lentes da crítica e o sarcasmo do autor. Gostei bastante, me prendeu logo no primeiro conto.
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Andreia Santana 13/12/2015

Salve a nostalgia de uma Salvador que desaparece!
O subúrbio ferroviário de Salvador tem um tipo de beleza que dói. E quem nasceu ou cresceu por aquelas bandas entende bem, mesmo sem saber explicar com palavras bonitas. Outras regiões periféricas da capital baiana, ou mesmo o seu tombado centro antigo, também possuem seus encantos, mas a leitura de Ladeiras, vielas & farrapos, de Tom Correia, toca fundo na alma de quem habita, ou já viveu, às margens dos trilhos da Leste.

Usando palavras de uma beleza ora ingênua, ora agressiva, agridoce como a própria Velha Cidade da Bahia, mãe e madrasta de seus resistentes habitantes, Tom Correia descreve uma Salvador que respira nostalgia por cada fresta nas cortinas de concreto que se fecham sobre a cidade, mal permitindo a brisa marinha atenuar o calor cada dia mais sufocante.

Os 17 contos de Ladeiras, vielas & farrapos descrevem uma cidade que passa ao largo dos catálogos de turismo, mas que para os habitantes que ainda possuem olhos de ver, guarda um entendimento profundo do que de fato significa a tão cantada e decantada "baianidade". Não é amadiano, mas traça perfis que lembram os capitães de areia. Flerta com o realismo fantástico, com toques de Gabriel Garcia Marquez, mas com o tempero de quem sobe e desce as muitas ladeiras da castigada cidade debruçada sobre a baía.

O livro possui aquele engajamento político e social que remete aos ensaios (sobre a Cegueira e sobre a Lucidez) de José Saramago, mas com o toque da ironia e do deboche típicos do soteropolitano aguerrido, essa criança tirada a sabida, que nem de longe entende de malandragem como os cariocas, mas que sabe bem mais de sobrevivência.

Cada história do livro remete a situações que são muito familiares aos nativos, mas que encontram eco em leitores de outras paragens, até porque, nostalgia é sentimento universal. De crimes de vingança cometidos nos canteiros centrais de movimentadas avenidas, àqueles passionais ocorridos em plena muvuca carnavalesca; passando por um idílico campeonato de futebol de botão organizado pelas maltrapilhas crianças de Alagados, às lições de dignidade de uma mãe costureira para seu filho; os contos passeiam por sentimentos humanos os mais diversos e contraditórios, tendo a cidade e sua aura histórica, meio decadente, meio pseudo cosmopolita, como testemunha e personagem central e onipresente.

A baía de Todos-os-Santos, esse grande útero marinho que acolhe o espírito soteropolitano e descansa a vista cansada da miséria que enlaça a cidade, suspende suas águas e desaparece, como em uma metáfora perfeita do próprio sentimento de pertencimento que se esvai da alma do povo desta terra, cada vez mais indiferente à própria cultura, envergonhado de suas origens, ansioso por uma modernidade pasteurizada. Se a baía é um grande espelho, ao sumir, simboliza o quanto os baianos, antes acusados de só olhar o próprio umbigo, sequer conseguem mais se reconhecer, sem suas referências ancestrais.

Um dos contos, benguela, espécie de retorno do filho pródigo às avessas, faz chorar quem cresceu em um quintal suburbano e ainda sente cheiro de milho assando no fogareiro ou recorda em detalhes a força que era necessária impor aos braços, para descer a mão de pilão de madeira maciça, no sobe e desce de socar amendoim, camarão e castanha para o tradicional caruru dos domingos.

A Salvador descrita por Tom Correia remete a muitas cidades que não estão nos catálogos de viagem, não aparecem na TV, nos programas badalados, e nem desfilam segregadas pelas cordas dos blocos, pelos tapumes dos camarotes ou pelos corredores antissépticos que lembram uma cafona imitação dos outlets de Miami, da maioria dos shoppings centeres da capital. É uma cidade sutil, cuja delicadeza sempre gravitou na esfera do subjetivo e na força de sua identidade cultural. E que, aparentemente, caminha para muito em breve só existir nos livros; mas que resiste quase clandestina, disfarçada naquele riso cúmplice que só entende quem de fato apreende todo o significado do verso de Caymmi: "acontece que sou baiano".

site: https://mardehistorias.wordpress.com/2015/12/13/resenha-ladeiras-vielas-farrapos-tom-correia/
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