Antonio 21/09/2019
Um Manual para os Pais - Desenvolvendo o cérebro dos filhos
Imagine um livro que não só explica o funcionamento do cérebro da criança, mas ensina como pais e adultos podem contribuir para ‘desenvolver’ esse cérebro, tornando a criança mais integrada e feliz. É bom demais para ser verdade? Sim, mas é o que O Cérebro da Criança, best-seller de Daniel J. Siegel e Tina Payne Bryson promete.
Veja só, a proposta não é desenvolver a inteligência dos filhos, mas a integração entre as diversas partes e funções cerebrais.
Embora utilizem o verbo “prosperar” (que soa muito comercial, mas pode ser um problema de tradução), o objetivo real deste livro é fazer a criança se desenvolver de forma plena: emocional e intelectualmente. O livro é prático, com exemplos e até muitos desenhos e diálogos para deixar tudo muito claro. É um livro muito recomendável. E cada capítulo ensina uma técnica diferente para lidar com as crianças. E adolescentes e filhos jovens também, por que não?
Capítulo 1 – Criando Filhos levando o cérebro em consideração
O que é o cérebro? Ele pode ser dividido inicialmente em 1) lado esquerdo (funções lógicas e verbais); 2) lado direito (emoções e sinais não verbais); 3) cérebro ‘reptiliano’ (agir instintivamente, em frações de segundos) e 4) cérebro mamífero (conexões e relacionamentos). E o cérebro é plástico, ou seja, ele se desenvolve a vida toda, criando ‘associações neurais’ que estão ligadas à experiência. Posso programar o meu cérebro? Sim, porque ele está sendo programado e reprogramado o tempo todo.
O primeiro e ótimo exemplo do livro é o de um menino de 2 anos que tem um acidente de carro com a babá, e ela é levada de ambulância. O lado direito (emocional) acionado no momento (a criança ficou assustada e ansiosa), foi integrado ao esquerdo (lógico), quando a mãe, ao invés de fazer o filho esquecer o assunto, falou diversas vezes nele, fazendo perguntas e dizendo que a babá estava bem. Então, integrando os dois lados, o emocional que havia aflorado, e o racional (linguagem verbal), o menino pôde se acalmar e entender, de um ponto de vista lógico, o que havia acontecido (“é possível ter um acidente e depois ficar bem”). Muitos pais fariam o contrário, não é mesmo? E devemos lembrar que o cérebro só está completamente formado depois dos 20 anos. Uma pessoa equilibrada, no entanto, não é alguém que só usa o lado racional. É preciso usar os dois lados.
Capítulo 2 – Dois Cérebros são Melhores que Um
A criança pequena é dominada pelo lado emocional do cérebro, mas quando ela começa a perguntar “Por quê? Por quê?” (a famosa fase) é o lado racional que está agindo, numa tentativa de integração. Quando uma criança chora compulsivamente (por medo de se separar dos pais, i.e.) não está havendo a ‘integração horizontal’ entre os lados esquerdo e direito. No então, quando o lado emocional de uma criança explode (choro, reclamação), não adianta dar uma bronca usando o lado esquerdo do cérebro. É preciso “conectar e redirecionar”. Conectar significa que os pais devem usar seu próprio lado emocional (e amoroso = conexão), acalmando os filhos, mostrando empatia, para depois usar argumentos (lado esquerdo), que redirecionem os pensamentos destrutivos da criança (“eu prometo que nós vamos fazer isso amanhã.”) Isso é integração. “Em vez de ordenar e exigir, tente conectar e redirecionar”.
Uma outra técnica para lidar com situações passadas e traumáticas é contar e recontar a história do que aconteceu junto com a criança. Ou seja, ela precisa se lembrar da situação traumática (um acidente) e colocá-la em palavras, com ajuda dos pais, fazendo a ponte entre os dois lados do cérebro. Os pais muitas vezes evitam falar sobre experiências traumáticas, achando que vai piorar o sofrimento dos filhos. É exatamente o contrário! Ao contar a história, a criança vai criar novas conexões no cérebro, (que justamente por isso está se desenvolvendo), e se sentir segura. Quando a criança cai e chora, “em vez de desprezar e negar, tente nomear para disciplinar.” Nomear é dar nome ao que ela está sentindo, recontando o que aconteceu. E isso contribui para o entendimento da situação e amadurecimento.
3. Construindo a escadaria da mente (integrando o andar de cima com o andar de baixo)
O cérebro também pode ser dividido entre as 1) partes altas e 2) partes baixas. As partes baixas (região límbica) são primitivas e instintivas. Vem daí a raiva e o medo. As partes altas (o córtex cerebral) e envolvem pensar, imaginar, decidir, compreender e planejar. Ou seja, para controlar as emoções, é preciso usar a parte de cima (subir a escada) — essa é a parte que se desenvolve até depois dos 20 anos.
Embora seja difícil controlar um ataque de birra, ele pode vir na verdade da parte alta ou da parte baixa. A criança ‘planeja’ o ataque de birra, pois sabe que obterá o que deseja. Nesse caso, é preciso impor limites (e cumpri-los). E a criança não adotará mais essa estratégia.
Porém, se o ataque de birra veio mesmo da parte baixa e por isso é incontrolável, então o único jeito é se conectar com a criança, sendo carinhoso e usando um tom de voz calmo. Só depois é possível usar a parte de cima, conversando e entendendo o que aconteceu. Lembrando que as crianças têm as razões delas, que devem ser ouvidas.
Mas os pais também tem seus ataques de raiva com seus filhos, não é mesmo? Então, também é preciso parar e pensar: vou agir a partir da raiva (sendo bravo, dando castigo), ou a partir de um planejamento que leve a criança a refletir sobre o que está fazendo? Adivinhe qual é o melhor? Por isso, é uma boa ideia perguntar para a criança: “Se você não quer comer a comida, o que você propõe?” Pode começar aí uma negociação, que também fará a criança desenvolver o seu cérebro de cima. Outro exemplo: dar mesada é uma ótima maneira de desenvolver o cérebro de cima da criança, que terá de planejar e tomar decisões. E mais uma vez: verbalizar e perguntar coisas à criança também é uma forma de fazê-la se desenvolver. Desenhar ou escrever sobre fatos que aconteceram, idem.
Ao invés de simplesmente dar a resposta (Não, você não pode!), faça perguntas (O que aconteceria se você ficasse com esse brinquedo que não é seu?) Fazer perguntas hipotéticas sobre questões morais e éticas (e se todos roubassem as coisas?) também é ótimo.
Cap. 4. Mate as borboletas! Integrando a memória para crescimento e cura.
A memória, ao contrário do que as pessoas pensam, não é um arquivo imutável no cérebro.
As memórias inconscientes (implícitas) podem se tornar conscientes se o mesmo princípio de conversar sobre o que aconteceu (sobre uma experiência negativa que deixou marcas) for trazido à tona. Os autores sugerem que os próprios conceitos de memória implícita e explícita sejam explicados à criança.
Se a criança tiver dificuldade emocional de lembrar um determinado fato, dê o controle remoto a ela, dizendo que aquela memória é um DVD que pode ser parado a qualquer momento, como se fosse um filme. Ao se lembrar de uma parte dolorosa, a criança pode parar a história sem problema nenhum. Só que, ao mesmo tempo, ela está ganhando confiança sobre aqueles fatos, está se sentindo ‘no controle’.
É por isso que “contar” coisas que aconteceram, sempre, é uma parte importante de uma rotina familiar saudável. Se a criança não quiser contar, use a criatividade: “Conte uma coisa que aconteceu e uma coisa que não aconteceu, para eu adivinhar qual é a verdadeira.” Toda a vez que a criança conta alguma coisa que aconteceu, ela está integrando a memória e as partes do seu cérebro. A criança que tem medo de cachorro pode se lembrar de como esse medo começou, e “integrar” essa memória em seu cérebro, perdendo o medo.
5. Estados Unidos de Mim – Integrando as muitas partes de mim mesmo
Esse capítulo fala da RODA da CONSCIÊNCIA, que é como uma roda de bicicleta. Cada ARO é um pensamento, ou emoção de uma pessoa. Quando a criança ou adolescente está “PRESA” em um ARO/pensamento (auto-exigência, por exemplo), é preciso desenhar a roda e mostrar que ela é mais do que isso. Em outras palavras, ela precisa voltar ao EIXO, e perceber que ela é a soma de muitas coisas, e não uma só.
A ideia de integração das diferentes partes de um ser humano é fundamental nesse livro. O desenho da RODA da CONSCIÊNCIA é útil para qualquer pessoa, independente de idade. Quantas vezes não ficamos OBCECADOS por alguma coisa, um sentimento, esquecendo todos os outros? (Preso no Aro: Distinguindo entre “Estou” e “Sou”) Até nós, adultos muitas vezes não conseguimos distinguir entre estar e ser. A solução, até para um adulto, é desenhar essa roda. E ter o que se chama “Visão Mental”. Ou seja, perceber que o cérebro é feito de várias coisas, e emoções que não duram para sempre, pelo contrário, são transitórias. Precisamos ter consciência disso, para que nossos filhos também tenham.
Para isso acontecer, é interessante DAR NOME AOS BOIS. Ou dar nome às emoções. O quadro na página 157 mostra várias emoções. Ao dar nome a elas, a criança começa a perceber que não precisa ser prisioneira de nenhuma. “Em vez de desprezar e negar, exercite a visão mental”.
6. A Conexão Eu-Nós (Integrando o Self e Outros)
Por fim, o capítulo 6 mostra como, além de estarmos integrados com nós mesmos, precisamos nos integrar aos outros, pois somos seres sociais — é aqui que entra a EMPATIA, o RESPEITO, a CAPACIDADE de RELACIONAMENTO.
Se pensarmos em um extremo, Suzane Von Richthofen simplesmente não tinha nada disso.
E algumas crianças podem ser bem egoístas. E outras, tímidas. Mas as dificuldades de relacionamento podem ser trabalhadas pelos pais. Além, é claro, de conversar e perguntar para a criança como "aquela pessoa” deve estar se sentindo naquela situação, os autores dão outras técnicas para os pais que valem o livro: brincar, divertir-se, ser bobo, jogar, fazer atividades em conjunto, colocar irmãos para fazerem juntos alguma coisa, tudo isso vai criar a conexão EU-NÓS.
Da mesma forma, quando dois irmãos brigam, é bom perguntar COMO tudo aconteceu, fazendo com que UM se coloque no lugar do OUTRO. “Então, ele te chamou de feia porque você zombou do desenho dele, foi isso?” As situações de conflito precisam ser reconhecidas como um momento que também pode ser de crescimento e integração.
Sim, um livro muito recomendável.
site: www.blogselivros.com.br