Kenia 09/02/2016"A melhor defesa não é o ataque, filho. O ataque é a arma dos covardes e dos fracos. A melhor defesa é a autoestima (...) Se estiver confiante, ninguém vai se meter com você. E, se alguém te atacar, o covarde será ele, não por subestimar a sua condição física, mas porque vai precisar fugir quando descobrir que não consegue te derrotar."
O ano é 1988 e o jovem Benjamin está com 12 anos. Até aquele ano, ele sempre fora alfabetizado em casa, por sua mãe, e saiu um jovem super inteligente. Tanto que devido a sua condição física, resultado da poliomielite que teve aos 3 anos, ele quer fazer a amputação de ambas as pernas, o que vai lhe dar a oportunidade de realizar seu grande sonho, que é ser um velocista.
Mas para realizar a amputação, várias condições estão em jogo, incluindo tanto implicações físicas quanto psicológicas. E Benjamin está disposto a passar por tudo isso. Seus pais então, admirados com a coragem do filho, decidem aceitar que o procedimento seja feito, contanto que ele comece a frequentar a mesma escola que seu irmão, Alexandre.
Ele começa então a estudar na escola Santa Maria Imaculada, onde não é bem visto pelas crianças e adolescentes que lá estudam. Eles pensam que a doença que ele teve é de alguma forma transmissível, e isso os afasta de Benjamin. Os únicos que se aproximam do jovem são os professores e as freiras do colégio. Obviamente, ele não estava feliz com essa situação, mas não deixava de se sair bem nas disciplinas. Passava as aulas de educação física na biblioteca e leu bastante do acervo disponível por lá, incluindo Vinte Mil Léguas Submarinas, que abriu sua mente mente para vários aspectos da física no nosso dia a dia.
No seu terceiro dia de aula, que ele estava seriamente pensando em fazer seu último, ele conheceu a doce Angelina Schmidt, uma amizade que surgiu após eles compartilharem sanduíches no intervalo da aula de artes.
"Tentei imaginar somente a mera ideia de não vê-la mais depois das férias. O meu peito começou a doer tanto quanto o toco da minha amputação. A ausência do membro era uma dor física, uma dor invisível e silenciosa com a qual eu devia me acostumar. Mas sinceramente, eu preferia ter que me acostumar à dor de ter perdido algo que eu nunca tivera do que a dor de algo que tive e perdi. Seria normal sentir isso por uma amiga, como se ela fosse um membro meu que estivesse sendo arrancado?"
As coisas começaram a mudar na vida de Benjamin após conhecer Angelina, e também após o professor de educação física permitir que ele ajudasse no treinamento do time de futebol. Os meninos começaram a se aproximar mais dele e os dias na escola começaram a ficar mais agradáveis, contribuindo para seu bem estar. Benjamin até participou de um acampamento com o pessoal da escola, deixando bem claro a seus pais que desejava ir sozinho, como seu presente de aniversário. Lá, ele participou de atividades com seus colegas, além de compartilhar vários momentos com sua amiga Angelina. Mas como a vida não é só flores, ao final do acampamento, Angelina fica muito triste, o que preocupa Benjamin, que acaba descobrindo o motivo: ela vai morar com o pai, na Alemanha.
"Blábláblá. Eu já não estava naquele consultório. Então, resolvoi dar uma de Angelina e fiz a pergunta mais inusitada. — A prótese está legal. Mas eu vou poder usar All Star?"
Despedidas e a preparação para a cirurgia fizeram parte dos dias seguintes ao acampamento. A tristeza pela saudade da amiga só não era maior que a vontade de fazer a cirurgia e correr atrás de seu sonho de ser velocista.
É após a cirurgia e com a colocação das próteses que acompanhamos a história de determinação do nosso Belamy, que atende o curso de Agronomia como um jovem normal, chama a atenção das jovens da UFRJ e ao mesmo tempo, participa de várias competições em busca de seu melhor. Ele carrega Angelina consigo, que mesmo morando na Alemanha, é lembrada e amada, através do cordão de anjinho em prece, presenteado por ela no dia de sua despedida. Cordão esse que ele não tira por nada.
"Pensei no quanto esse muro que erguera em volta de mim nunca havia me protegido. Eu era feliz com a autonomia que havia conquistado com a amputação, mas não era bem resolvido como sempre pensei."
Dez anos após aquela triste despedida, entre cartas e a vida que se segue, Angelina volta ao Brasil e seu encontro com Benjamin é lindo e cheio de expectativas. Mas será que agora os dois vão ter uma chance de viver esse amor que surgiu quando crianças? E o sonho de Benjamin de participar de uma grande competição vai finalmente se realizar, após tanta luta? A resposta para essas perguntas e muitas outras que vão com certeza surgir, serão respondidas, em meio a essa linda história tão próxima da realidade e tão inspiradora, que é de ganhar o coração de qualquer leitor que tem sensibilidade para as coisas simples da vida.
"Enquanto eu corria, meu corpo tentava alcançar o meu espírito. Eu me aproximava mais do futuro e me distanciava do passado. O tempo passava mais devagar e Angelina ficava cada vez mais longe de mim. Pus a mão sobre o anjinho em meu pescoço suado. Machucava, às vezes arranhava a pele, mas eu não conseguia treinar sem ele. Nele, eu concentrava a energia dos meus pés e a força do meu sonho."
Lu Piras escreveu um romance tão bacana, que eu não queria que a história acabasse, ele entrou pra minha lista de preferidos. Benjamin é um jovem tão determinado que várias vezes pensei comigo: "como ele encontrou tanta força para enfrentar as adversidades?" Seu caráter vai sendo moldado em meio a tantas situações, que não tem como não admirar o personagem e torcer por sua felicidade e realização de sonho. A Angelina é outra personagem linda e leal, que não importa o passar dos anos, sua lealdade com as pessoas que ama chega a ser surpreendente. Tem também a família de Benjamin que dá todo suporte ao jovem, mesmo quando Delamy os afasta, os privando de momentos que com certeza eles o teriam apoiado ou sofrido juntos.
É um livro bem intenso, verdadeiro e completo. As explicações dos termos técnicos médicos que Benjamin passa são explicados de forma simples e acessível, deixando a leitura interessante e instigante. Somos levados pela dinâmica da vida onde os personagens ganham e perdem, sobrevivendo a uma série de corridas que os leva a tão sonhada linha de chegada.
Leitura mais do que recomendada!