Helenymphaea 18/11/2022
Como vou sair deste labirinto?
Ao pensar sobre as relações entre história e literatura, é essencial anotar que a construção literária esboça uma forma distinta para tornar o "real" tangível, se comparada à construção de sentido histórico.
Para a literatura, é possível referenciar-se em uma leitura do mundo cujo anseio é estabelecer ligações, também, com o que nem sempre é compreensível. Nesse sentido, estranhamente à primeira vista, a literatura pode transformar o fantástico em cognoscível. Se o seu desejo é lançar luz à compreensão, essa compreensão não exige uma narrativa ordenada que pactue com a verdade.
A partir do diálogo, essas escritas produzem uma profícua relação que, convictamente, alarga os horizontes de compreensão do personagem histórico e do projeto narrativo deixado por ele. Assim, é benigna a confiança no diálogo, pois, mesmo que não responda a todas as dúvidas do historiador, ele oferece complexidade ao debate na medida em que permite expor as distintas metodologias, cuja finalidade é tangenciar o conhecimento.
O historiador, mesmo que lide com a literatura, continua a fazer perguntas de historiador, continua a observar o real com os olhos de historiador, todavia, enriquece sua análise quando se depara com um olhar que, distinto do seu, lança problemáticas comuns e aponta possibilidades para a reflexão em torno dessas problemáticas.
Por fim, há que se demarcar a existência de um paradoxo: o discurso da renúncia sinalizava muito claramente o desejo da construção da memória da indispensabilidade. Já o discurso do ressentimento, muito mais difícil de permanecer sob o controle do missivista, embora quisesse também atuar no sentido de atestar a indispensabilidade, era o indicativo da derrota do indispensável. Com o ressentimento, o general humanizava-se e, uma vez humano, tornava-se mortal e substituível. O ressentimento revelou a perda da legitimidade e a necessidade de substituição da liderança, a despeito de todos os incontáveis protestos do missivista. Mesmo assim, a memória heroica, elaborada e conservada no epistolário, salvou Simón Bolívar do esquecimento póstumo: o general deixou seu labirinto e entrou para a história.
Primeiro, atente-se para a existência de um narrador. Não que a ausência de um narrador impeça a influência do autor nos caminhos de um romance, mas um narrador acrescenta força ao personagem. Sua importância no interior da narrativa é contabilizada pela cumplicidade estabelecida entre o narrador e o personagem. Na medida em que o primeiro atua como a figura que se encontra acima do enredo, sendo conhecedor de seu final, pode intervir e justificar seu personagem em nome do desfecho do romance. O narrador usa seu poder de predizer, calcular, conjeturar e insinuar sobre o que há de vir. A trama narrativa depende de seus subterfúgios, que podem contribuir ou não com os subterfúgios do personagem principal. A escolha de um personagem que contasse a sua história seria menos vigorosa, em especial se esse personagem fosse Simón Bolívar. No caso do texto em questão, a presença do narrador concede a Bolívar a exata universalidade da qual era merecedor. Esse tipo de estratégia permite cultuar o personagem sem que o personagem seja o ordenador do próprio culto. Nesse sentido, O General em seu labirinto é a expressão do cuidado que ainda hoje se guarda, mesmo que literariamente, ao arguir a personalidade histórica de Simón Bolívar.