Liar1 27/05/2024
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As mesmas pessoas que adoram canções realistas são aquelas que reclamam que o existencialismo é muito sombrio, a tal ponto de eu me perguntar se eles não estão se queixando mais do otimismo do existencialismo do que, na verdade, de seu pessimismo. Pois, no fundo, o que amedronta na doutrina que tentarei lhes apresentar não seria, exatamente, o fato de ela dar uma possibilidade de escolha ao ser humano?
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Fazer a escolha por isto ou aquilo equivale a afirmar ao mesmo tempo o valor daquilo que escolhemos, pois não podemos nunca escolher o mal; o que escolhemos é sempre o bem, e nada pode ser bom para nós sem sê-lo para todos.
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O homem que se engaja e que se dá conta de que ele não é apenas o que escolhe ser, mas é também um legislador que escolhe ao mesmo tempo o que será a humanidade inteira, não poderia furtar-se do sentimento de sua total e profunda responsabilidade.
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O existencialista vê como extremamente incômodo o fato de Deus não existir, pois com ele desaparece toda possibilidade de encontrar valores em um céu inteligível; não é mais possível existir bem algum a priori, uma vez que não existe mais uma consciência infinita e perfeita para concebê-lo, não está escrito em lugar algum que o bem existe, que é preciso ser honesto, que não se deve mentir, pois estamos exatamente em um plano onde há somente homens.
Por outro lado, se Deus não existe, não encontraremos a nossa disposição valores ou ordens que legitimem nossos comportamentos. Nós estamos sós, sem escusas. O homem está condenado a ser livre. Condenado, pois ele não se criou a si mesmo, e, por outro lado, contudo, é livre, já que, uma vez lançado no mundo, é o responsável por tudo que faz.
O existencialista não crê no poder da paixão. Ele nunca pensará que uma bela paixão é uma torrente devastadora que leva fatalmente o homem a certos atos e que, consequentemente, representa uma escusa. Acredita que o homem é responsável por sua paixão. O existencialista não pensará tampouco que o homem pode encontrar auxílio em algum sinal na terra que o oriente; pois considera que o homem é quem decifra, ele mesmo, o sinal como melhor lhe parecer. Assim, pensa que o homem, sem nenhum tipo de apoio nem auxílio, está condenado a inventar a cada instante o homem.
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A moral kantiana diz: nunca trate os outros como um meio, mas como fim.
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Dito de outra forma, o sentimento se constrói pelas ações que realizamos; não posso, portanto, consultá-lo para me guiar por ele. Isso quer dizer que não posso nem buscar em mim mesmo o estado autêntico que me impulsionará à ação, nem procurar em uma moral os conceitos que me permitirão agir.
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O homem não é nada mais que seu projeto, ele não existe senão na medida em que se realiza e, portanto, não é outra coisa senão o conjunto de seus atos, nada mais além de sua vida.
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O que as pessoas sentem obscuramente e lhes causa horror é que o covarde que apresentamos é responsável por sua covardia. O que as pessoas gostariam é que nascêssemos covardes ou heróis. Se você nasce covarde, você estará perfeitamente sossegado, pois não poderá fazer nada em relação a isso, você será assim a vida inteira, não importa o que faça. Já o existencialista diz que o covarde se faz covarde, e o herói se faz herói. Existe sempre uma possibilidade para o covarde deixar de ser covarde e para o herói deixar de ser herói.
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Antes de tudo, a primeira: "Você pode escolher o que bem entender", não é exata. A escolha é possível em um sentido, mas o que não é possível é não escolher. Eu sempre posso escolher, mas tenho que saber que se não escolho, isto também é uma escolha.
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O homem se faz; ele não está feito de antemão, mas se faz escolhendo sua moral, e a pressão das circunstâncias é tal que ele só não pode não escolher uma.
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Pode-se julgar, antes de tudo (e não se trata, decerto, de um julgamento de valor, mas de um julgamento lógico), que algumas escolhas se fundamentam no erro, e outras na verdade. Ao definirmos a situação humana como sendo de uma escolha livre, sem escusas e sem auxílios, todo homem que se refugia por trás da desculpa de suas paixões, todo homem que inventa um determinismo, é um homem de má-fé. Poder-se-ia objetar: e por que ele não poderia escolher-se como um homem de má-fé? A isto respondo que eu não o julgo moralmente, mas defino sua má-fé como um erro. Aqui, não podemos evitar um julgamento de verdade. A má-fé é, evidentemente, uma mentira, pois dissimula a total liberdade do engajamento.
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Querendo a liberdade, descobrimos que ela depende inteiramente da liberdade dos outros, e que a liberdade dos outros depende da nossa.
Aqueles que encobrem, à guisa de seriedade ou com escusas deterministas, sua total liberdade, eu os chamarei de covardes; e aos que tentarem mostrar que sua existência era necessária, sendo que ela é a própria contingência da aparição do ser humano sobre a terra, a esses chamarei de asquerosos.
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Além disso, dizer que nós determinamos os valores não significa outra coisa senão que a vida não tem sentido, a priori. Antes de começarmos a viver, a vida, em si, não é nada, mas nos cabe dar-lhe sentido, e o valor da vida não é outra coisa senão este sentido que escolhemos.
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O existencialismo não é outra coisa senão um esforço para extrair todas as consequências de um posicionamento ateu coerente. De forma alguma ele pretende mergulhar o homem no desespero. Mas se, como os cristãos, chamarmos de desespero toda atitude de descrença, o existencialismo, então, parte do desespero original.
O existencialismo declara, ao contrário, que, mesmo que Deus exista, isso não mudaria nada; este é o nosso ponto de vista. O homem precisa encontrar-se ele próprio e convencer-se de que nada poderá salvá-lo de si mesmo, mesmo que houvesse uma prova incontestável da existência de Deus. Nesse sentido, o existencialismo é um otimismo, uma doutrina de ação, e apenas por má-fé é que, confundindo seu próprio desespero com o nosso, os cristãos podem nos chamar de desesperançados.
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Para mim, a angústia é a ausência total de qualquer justificação e, ao mesmo tempo, a responsabilidade em relação a todos.