Che 22/07/2017
PASTICHE NOIR AFIADO
-- Resenha da coleção completa publicada em sete volumes pela editora Devir --
Cheguei a ler parcialmente um dos volumes dessa série de HQs, a do "Assassino Amarelo", há vários anos, quando eu tinha uma visão bem mais negativa sobre Frank Miller do que agora. Me pareceu na ocasião algo 'style over substance' e logo interrompi a leitura.
Não que essa impressão inicial tenha passado ao todo - o que fica especialmente notório no volume 6 da Devir, dedicado às narrativas curtas, quando fica bem claro que, sem roteiros mais trabalhados, só o que resta de bom para o universo de Basin City são os predicados do desenho. Mas de fato reavaliei e gostei bem mais do roteiro agora, inclusive do próprio arco "Assassino Amarelo", desta vez lido na íntegra e com bastante empolgação.
Os quatro primeiros arcos longos são muito bons, com destaque para o segundo, "A Dama Fatal", o qual merece figurar ao lado das histórias mais interessantes de Miller, ao lado de "Queda de Murdock" e "Batman: Ano Um", sendo irrepreensível tanto no ótimo roteiro, com grandes reviravoltas e excelentes personagens, quanto na arte.
Em que pese a narrativa começar a cansar na altura do volume 5 ("A Noite da Vingança", que recicla muito do volume 3, "A Grande Matança") e principalmente no longo e derradeiro volume, que tem o protagonista mais sem sal de Basin City, é de se destacar que a arte continua em nível homogêneo em toda a série e tem um nível muito bonito, com páginas duplas de cair o queixo - o que pra mim foi uma surpresa, já que normalmente detesto Miller como desenhista experimental, incluindo aí suas incursões mais celebradas nesse sentido, "Ronin" e "Cavaleiro das Trevas".
Aqui, porém, ele faz um desenho de fato glamouroso e num jogo de luz/sombras em preto e branco (com raros elementos coloridos, geralmente vestimentas) que remete ao universo noir, mas ao mesmo tempo o transcende. A mim ficou a impressão de um pastiche de noir que adquiriu vida própria e se deslocou da proposta inicial, com resultados muito bons. Há um ou outro mau momento (Miller às vezes exagera e desloca a cabeça do corpo das garotas), mas a arte geral do corpo das mulheres é ótima, uma das melhores nesse aspecto que já vi, de fazer frente à Manara. É o ponto alto da série.
No roteiro, ele se segura muito bem nos quatro volumes iniciais de arcos grandes e cruza bem as referências ao mesmo universo de personagens, indo e voltando no tempo no melhor estilo Quentin Tarantino, o qual aliás participou da adaptação cinematográfica de 2005 (que eu já conhecia antes de ler a HQ e julgo só mediana). Vá lá que tem umas indulgências e licenças poéticas exageradas (como é que tantos personagens tomam pipoco à queima-roupa e sobrevivem quase sem sequelas?), mas os prós superam com folga os contras. Depois de certo ponto a série vai perdendo o gás, mas ainda segura o interesse.
No todo, "Sin City" é uma ótima série, melhor do que eu esperava e com um belo conceito visual. Recomendado pra quer gosta de literatura hard-boiled com mais ação que o normal para o gênero e, claro, doses consideráveis de provocação libidinosa.
NOTAS
Volume 1: A Cidade do Pecado - ★ ★ ★ ★
Volume 2: A Dama Fatal - ★ ★ ★ ★ ★
Volume 3: A Grande Matança - ★ ★ ★ ★
Volume 4: O Assassino Amarelo - ★ ★ ★ ★
Volume 5: A Noite da Vingança - ★ ★ ★ ½
Volume 6: Balas, Garotas e Bebidas - ★ ★ ★
Volume 7: De Volta do Inferno - ★ ★ ★