@livreirofabio 15/03/2016Tragedy Porn / Mundo de Homens"Ninguém tem maior amor do que este, de dar alguém a sua vida pelos seus amigos."
- João 15,13
(Eu tinha abandonado esse livro chegando quase na metade, dando o assunto como encerrado -- li o final, soube o que aconteceria com personagens-chave antes mesmo de chegar propriamente a metade do livro, na esperança de que quanto mais esdrúxula e gratuita as coisas continuassem, menos animado a continuar com a leitura eu ficaria; o resultado foi estranho: fiquei mais determinado a continuar. É a atração de uma boa tragédia, o charme da desgraceira.)
Um dos problemas é o tragedy porn/depression porn, o fetiche da desgraça contidos no relato de quase quarenta anos. Beira o circo como a Hanya vai puxando um desastre em cima do outro, o quão barato parece para ela lançar mão disso em troca de absolutamente nada. Como ela barateia a experiência da pessoa abusada e tenta tapear a inteligência do leitor. Umas das questões que vi numa vídeo-resenha é essa: como essa rede de homens, frequentando 'motéis' ou como quase todo caminhoneiro que passa por tal personagem pode ser pedófilo? Como esses homens, centenas, podem ter atravessado estados e mais estados, num fluxo imenso? (Calculo que isso ocorre lá pelo fim dos anos 60, começo dos 70, não há internet, nem celular sempre a mão, mas ainda assim bem distante de qualquer obscurantismo medieval para passar tão desapercebido) E qual a necessidade de 'centenas' deles? Uma só má experiência não seria prejudicial o bastante? É ofensivo a vítimas de abuso e ao próprio personagem que ela criou.
Assim como é ofensivo a tentativa de povoar o romance de diversidade, e ao mesmo tempo tratar as relações gays das personagens protagonistas com tamanha ingenuidade e falta de destreza. Simplista, confusa, e má observada. O hype é uma coisa pentelha porque ainda assim esse livro já foi chamado de ‘O Grande Romance Gay’, palhaçada, porque venhamos e convenhamos, uma escrita receosa que coloca na mente de uma personagem coisas como o seu "dever" como parceiro também sexual, técnicas, manuais, melindres, isso numa relação que se supõe quase perfeita em todos os seus outros aspectos – não é grande -- e se diminui ainda mais quando colocado ao lado de Maurice ou Carol , tendo a excelência como exemplo -- esse último pura finesse de atração, desejo, amor e devoção.
Claro que ao meio ao fim e ao cabo eu fiquei devastado pela leitura, pelos seus gatilhos emocionais, e agradeço por isso não ter lançado sombra no fato de que a recusa dela, Hanya, em aceitar qualquer corte ou edição que não a dela (mesmo problema que hoje vejo n'O Pintassilgo, embora Donna Tartt tenha sido mais bem sucedida, mais contida e certeira, e peque só pela chatice da trama policial que só faz engordar o livro) é fato não do que minha complacência anteriormente tachou como mau direcionamento ou tropeço, pelo contrário, ela parece ter atingido exatamente seu objetivo -- criou um romance 'tijolo', que vem adquirindo status cult e sendo chamado de ""subversivo"" pela New Yorker, mesmo cheio de anacronismos, quando na verdade é única e exclusivamente depressivo, de uma descrença capenga, e sem nenhuma catarse, niilismo sem charme pendendo para a cafonice. Quando a revolta me sobe lembro de Faulkner com seu Hightower -- a agonia desse homem, o desespero, me emociona e me motiva, me leva aos tropeços, que seja, à frente de um autoconhecimento que exige ser sempre alimentado – infelizmente esse não é o caso de A Little Life; não vejo mais nada de esclarecedor ou revolucionário na desgraça de galeria, joguei meu cilício fora.
"(...) esse livro e seus admiradores parecem 'presos um ao outro pela sua mútua repulsa e desconforto'; como a imagem na capa, o romance de Yanagihara tem tapeado muita gente numa confusa angústia e êxtase, prazer e dor." (trecho da resenha de Daniel Mendelsohn sobre A Little Life na NY Review of Books) {tradução livre]