Natália 10/01/2024“como os brancos vivem a própria branquitude?”Foi uma leitura importante pra mim. Lia me mostrou como escrever os detalhes de uma pesquisa, além de deixar explícito que o óbvio precisa ser dito e explicitado em fácil compreensão.
Um dos maiores pilares do livro, para mim, é a necessidade da branquitude olhar para si própria, do sujeito branco assumir sua condição de racializado e entender o que isso significa socialmente e subjetivamente.
"A branquitude se considera pertencente "a uma única identidade racial *normal* e por isso as outras devem alcança-la em níveis intelectuais, morais, estéticos, econômicos.” p. 63
Vivemos no país da falsa democracia racial, em que as instituições agem "como se fosse natural funcionar a partir das perspectivas e interesses brancos, que são percebidos como perspectivas e interesses de todos.”? p. 24
Ainda se tratando dessa falsa ideia, a branquitude só existe em relação, e a depender dos seus interesses, ela se mascara ou se escancara. Além disso, ela anda de mãos dadas com o monoculturalismo, que é cego à sua própria especificidade cultural, nao consegue perceber a si mesmo confunde suas particularidades com neutralidade.
Um dos principais mecanismos de defesa que fazem com que a branquitude aja é o medo branco: "o medo [principalmente de perder o privilegio] faz com que a branquitude entre em ação (...) o negro poderia olhar para o branco não com desejo de branqueamento, mas sim com olhos analiticos que desnudam a branquitude, aí está o medo." p. 142 (isso aqui é genial, e justamente por isso, pessoas que dizem não fazer distinção de cor têm consciência, sim, de fazer parte da branquitude).
A autora também nos traz fragmentos da sua história e de sua socialização como pessoa branca: “a forma como os brancos de minhas relações sociais e eu representavam os “outros” negros: com pena, com dó, com ausência. quer dizer: nosso racismo nunca impediu que convivêssemos com os negros ou que tivéssemos relacoes de amizade e/ou amorosas com eles. No entanto, muitas vezes eram relacoes em que os brancos se sentiam quase como que fazendo ‘caridade’ ou ‘favor’ ao se relacionarem com negros, como se com a nossa branquitude fizéssemos um favor de agregar valor a eles (...) fui socializada e constituída como branca com um sentimento de superioridade racial tão maléfico quanto o racismo daqueles que acham que os negros são inferiores biológica e moralmente.” p. 27
Me chamou atenção no livro a citação de Guerreiro Ramos em “a patologia social do branco brasileiro”, em que o autor sustenta que no brasil dificilmente existe branco puro (...) a patologia então seria o fato de que o branco brasileiro considera vergonhosas sua ancestralidade e cultura negras, enaltecendo a cultura europeia/branca, da qual nao faz inteiramente parte e, assim, todos fugiriam dos estereótipos negativos relacionados ao negro na nossa cultura."
Outro ponto importante que Guerreiro nos traz é que "apenas o negro se tornou tema e objeto de investigações. Negro como objeto de estudo, não sujeito. uma coisa é o negro-tema. outra coisa é o negro-vida.” p. 58 (ramos, 1957, p. 171).
Ao nos trazer a ideia de raça como construção social, já que ela não existe biologicamente e é fruto do racismo, me chama atenção a seguinte frase: "é exatamente o racismo que faz com que seja necessária a utilização política da categoria raça."
"Quando um branco de origem alemã se mistura com um branco de origem francesa não parece haver espaço pra ideia de mistura, nem tampouco quando um negro da nação angolana se mistura com um negro da nação iorubá. Fica claro que nesse imaginário construído a partir da ideia de raça há graus de brancura e que a desvalorização hierárquica está ligada a quem, apesar da pele clara, tem características de negros e índios, como nariz, boca e formato do rosto." p. 155
"Tem muito nordestino branco. Mas nordestino pra mim não é branco, é nordestino." p. 156
Aqui, cita-se um cantor nordestino que tem traços brancos: ruivo de olhos claro, Isso tira dele a história e ligação com a cultura e regionalidade da onde ele vem, em nome de um olhar racializado.
"Não está na pele o poder da branquitude, mas sim na apropriação, legitimação e reprodução dos significados socio-históricos racistas construídos sobre o branco em oposição aos outros grupos raciais." p. 177
Sinto que e esse livro é apenas uma introdução a algo muito maior, ainda tenho muito a aprofundar, principalmente na ideia de uma outra identidade branca possível, que tenha como base a capacidade do branco de "se deixar violentar", a inflexão da violência e a aceitação do desamparo. Sigo buscando.