Glailson 18/09/2014
Um feliz reencontro da biologia evolutiva com o materialismo dialético.
Há pouco terminei de ler a obra "Darwin e os grandes enigmas da vida" do paleontólogo e biólogo evolucionista norte-americano Stephen Jay Gould, falecido em 2002.
Gould foi um proeminente professor de zoologia da Universidade de Harvard e um grande divulgador da ciência que teve como diferencial sua atividade política e a influência do materialismo dialético em sua produção científica.
Neste livro o autor aborda temas de grande relevância para o estudo da história e da epistemologia da ciência. De maneira simples e fluida trata da origem do darwinismo e suas insuspeitas relações com o materialismo dialético de Marx, evolução humana, exemplos curiosos da engenhosidade adaptativa e sua relevância para uma melhor compreensão da evolução, além das imbricações entre ciência e sociedade.
Jay Gould nos revela não apenas a complexa relação de afinidade filosófica e divergência política entre dois dos maiores pensadores do século XIX, Darwin e Marx, como esclarece que, apesar de toda controvérsia provocada pela divulgação póstuma da inconclusa obra de Engels "Dialética da Natureza", no ensaio intitulado "O papel desempenhado pelo trabalho na transição do macaco em homem" Friedrich Engels, um dos pais do Marxismo, foi capaz de prever as características principais do ancestral primitivo do homem com pelo menos cinco décadas de antecedência da descoberta do Australopithecus e ressalta:
"A importância do ensaio de Engels não está no fato de que o Australopithecus tenha vindo confirmar um teoria específica por ele proposta - via Heackel - e sim na arguta análise que faz do papel político da ciência e de como os preconceitos sociais afetam todo pensamento".
Seguindo este raciocínio Gould discorre ainda sobre as tentativas de se utilizar argumentos supostamente científicos para conferir um verniz racional a ideologias reacionárias e excludentes como o machismo, o racismo e a homofobia. Sistematicamente o autor demonstra a fragilidade de argumentos pseudocientíficos como a sociobiologia, a tese do gene egoísta, o darwinismo social ou o determinismo genético, que tentam naturalizar a segregação nas sociedades humanas e declara:
"É muito satisfatório descarregar a responsabilidade pela guerra e violência em nossos ancestrais, presumidamente carnívoros. É muito conveniente culpar os pobres e famintos por sua condição - antes que nos vejamos forçados a culpar nosso sistema econômico ou nosso governo pelo fracasso abjeto em garantir uma vida decente para todos. E que argumento conveniente para aqueles que controlam o governo e que, por sinal, fornecem o dinheiro de que precisa a ciência para sua própria existência".
Assim, embora desmascare de forma brilhante a suposta neutralidade do empreendimento científico, a partir do que nos parece claramente uma critica marxista, Jay Gould também resiste à armadilha do relativismo vulgar pós-moderno, tão em voga nos dias atuais, ao afirmar:
"A ciência é sempre influenciada pela sociedade, mas também opera sobre forte pressão dos fatos".
Esta é, sem dúvida alguma, uma leitura atual e estimulante que tem muito a nos dizer sobre a onda "pós-moderna" que domina a academia na etapa histórica atual. Jay Gold nos oferece, nesta sua importante obra, munição de respeitável calibre para os defensores resolutos do materialismo dialético e da racionalidade científica em nossa batalha contra as ideologias reacionárias e o relativismo vulgar que desgraçadamente insistem em dominar de forma tão hegemônica o cenário intelectual contemporâneo.
Recomendadíssimo!