Luiza 19/01/2021
Achei o livro bem fácil de acompanhar e bem acessível, mesmo sendo uma obra de quase 100 anos atrás. A mensagem principal busca criticar o desprezo e descuido que toda a sociedade, inclusive autoridades, tem para com as meninas e mulheres pobres mestiças e negras, ao passo que também serve como um alerta para essas mulheres não se deixarem enganar por homens que querem se aproveitar delas e também alerta para os pais não criarem suas filhas pobres, negras e mestiças, com proteção em demasia e isolamento da sociedade, uma vez que a ingenuidade fruto desse tipo de criação pode acabar com a vida e o futuro delas. É uma mensagem difícil de digerir, mas entendo que foi escolhida por Lima Barreto justamente por ter sido ele um homem negro que sofreu o racismo na pele e, portanto, penso que escreveu o livro de um lugar de preocupação com as mulheres negras e mestiças como ele, e não em um tom moralista. A intenção cuidadosa do autor ficou ainda mais clara pra mim pela forma com que ele trata a história, evidentemente criticando e condenando o preconceito com o qual as personagens pobres e negras são tratadas. As críticas sociais foram o que eu mais gostei no livro, desde a crítica principal, até as críticas sobre o descaso governamental com as partes mais pobres da cidade, a arrogância da classe média com pretensa origem europeia, a falta de perspectiva gerada pela pobreza e o alcoolismo vinculado à ela. Achei ótima a parte em que o autor faz Clara desconfiar da má-fama do cafajeste Cassi sob a justificativa de que ele não poderia ser tão ruim quando frequentava casas de doutores, coronéis e políticos. Essa parte explicita a ordem social na qual os homens que ferem mulheres pobres, negras e mestiças não só não são punidos, como continuam sendo acolhidos em todos os círculos sociais, enquanto a mulher é a única desonrada aos olhos de todos e excluída. Gostei também das descrições das vizinhanças do Rio de Janeiro, que proporcionou uma boa ambientação do local na época. Não achei fácil me conectar com as personagens, apesar de achá-los interessantes. Também houveram alguns pontos da trama que foram usados apenas para críticas circunstanciais, mas que não tiveram nenhum papel real para a história, como a mansão que abrigava uma igreja evangélica americana, que é apresentada no início mas nunca mais voltou a ser mencionada depois. Com certeza é um livro que continua atual, pois até hoje pode-se dizer que a sociedade brasileira se comove com a dor da mulher branca rica e ignora o sofrimento da mulher negra pobre, o que acaba sendo outra forma de vulnerabilizar esta mulher. [Livro lido em janeiro de 2021]