Rafael G. 10/10/2020
7 personagens ? 5 homens e 2 mulheres ? estão esperando um vendedor de entorpecentes. Mas o cara está consideravelmente atrasado e, na fissura da espera, o grupo conversa sobre as drogas, seus preços e seus baratos. ?Ah! Nabókov! É absurdamente caro (balança a cabeça). Supercaro. Com uma dose de Nabókov a gente pode comprar umas quatro de Robbe-Grillet e umas dezoito de Nathalie Sarraute. Simone de Beauvoir, então...? (p. 15). Nesse sentido, li ?Dostoiévski-Trip? pensando a literatura enquanto droga capaz de colocar a nós, leitores, numa viagem entorpecida. Já me aconteceu algumas vezes (inclusive com esse texto). Tem livro que nem precisa estar acompanhado de uma taça de vinho para a própria linguagem provocar algum barato. Então vem o posfácio de Arlete Cavalieri, que também é tradutora da peça, e chama atenção para um movimento que me escapou: não é como se Vladímir Sorókin estivesse pensando o poder (inclusive fisiológico) de um texto literário, mas justamente reduzindo-o à pílula, ao comprimido, a qualquer coisa que você dilua (ou não) em busca de um prazer físico e, acima de tudo, passageiro. Não à toa, após saírem da cena de Dostoiévski, os personagens (agora de ressaca) ganham contornos mais nítidos, deixam rastros autobiográficos subirem. Para Cavalieri, Sorókin afirma e nega Dostoiévski ao devassar o seu texto e ao mesmo tempo trazê-lo à cena contemporânea, lançando sobretudo uma pergunta: ainda temos corpo para os embates morais que ele propõe ou continuaremos a procurar na destruição um novo ?dogma?? Eu sou pela destruição e dessacralização. Rs A gente pode encontrar para Dostoiévski, Kafka, Machado & companhia limitada um lugar que não seja o do gênio, do santo, do modelo a ser seguido. Não quero modelos, nem bom-gosto, nem boa e baixa literatura. Destruindo esses altares, o que nos resta a fazer com o cânone? Talvez curtir uma trip.