Os Sonâmbulos

Os Sonâmbulos Christopher Clark




Resenhas - Os Sonâmbulos


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Ju Ragni 25/05/2021

Ótimo
Um trabalho portentoso de reconstrução histórica dos eventos que culminaram na Grande Guerra. O enfoque aqui não é apurar quem foi o culpado, e sim, a participação de cada país, colocada na situação política da época. Lendo o livro hoje, é inevitável que pensemos que havia inúmeras alternativas para os líderes da época, mas para eles, no calor dos acontecimentos que foram se atropelando e os levando, um após o outro à trágica opção pela guerra, talvez não tenha ficado clara a enormidade da tempestade armada. Também é necessário pensar que nenhum deles conhecia um conflito de tamanhas proporções, e quanto sofrimento e miséria poderia gerar, e talvez isso tenha contribuído também para o triste final que conhecemos... Embora seja um livro extenso, a leitura não é difícil e nem aborrecida, pelo contrário, flui bem e o autor argumenta com muita propriedade sobre os acontecimentos, justificado pelo extenso histórico de pesquisa. A única ressalva que eu faria é a pouca quantidade de fotografias trazidas, com tantas fontes, com certeza ele poderia ter incluído muitas mais, pois é um prazer ver panoramas da época, pessoas, vestuário, costumes, tudo isso soma na leitura.
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Allysson Falcon 26/10/2020

Um dos melhores relatos dos motivos da WW1
Os acontecimentos que conduziram o mundo à Primeira Guerra Mundial encontram em Christopher Clark, talvez, seu melhor narrador.

O livro é soberbo. Originalmente lançado em 2012, o autor se beneficiou de muitos documentos divulgados por governos da Rússia, Inglaterra, França, Alemanha, Áustria, Sérvia e outros no início dos anos 2000.

Num ritmo envolvente Clark nos conta como monarcas, todos eles parentes entre si, puderam conduzir a Europa ao conflito devastador que foi a Grande Guerra. Hoje, ficamos impressionados com as decisões absurdas dos líderes das grandes potências, da escalada militar sem precedentes, das políticas de alianças e da desconfiança mútua que todos sentiam uns pelos outros.

A Primeira Guerra Mundial foi, sem dúvida, o acontecimento histórico mais importante dos últimos 2 séculos. Ela mudou o mundo profundamente, derrubou monarquias seculares, preparou o mundo para o globalismo que viríamos a conhecer no fim do século XX e início do século XXI.

O título do monumental livro de Clark é simplesmente genial: realmente parece que todos os personagens que levaram o mundo ao abismo pavoroso da guerra sofriam de sonambulismo, pois foram incapazes de perceber a gravidade de seus atos.

Leitura obrigatória para qualquer interessado no estudo da WW1.
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Clio0 14/07/2020

Os Sonâmbulos tenta fazer um favor para a maior parte da população que pouco sabe sobre a Primeira Guerra Mundial - afinal, a Segunda sempre foi a vedete de Hollywood e escritores em geral.

O texto é simples de seguir, sendo um paradidático, e o autor tem o cuidado de explicar termos, personagens, governos, etc. em detalhes para que o leitor não se sinta perdido ao tentar acompanhar a narrativa.

Há também fotos, mapas, transcrições e uma bela bibliografia para quem quiser se aprofundar.

Recomendo.
Pedróviz 22/03/2022minha estante
Deve ser um baita livro. Vou providenciar pro meu filho que não pretende cursar História, mas gosta muito desses temas.




Gustavo.Borba 18/04/2019

Cegos caminhando para o abismo
#LivrosQueLi



Os Sonâmbulos: Como Eclodiu a Primeira Guerra Mundial, ed. Companhia das Letras. Um estudo completo e profundo das causas que levaram à eclosão da Primeira Grande Guerra. Sua análise parte do microcosmo sérvio do início do séc. XX, onde imperava o pensamento supremacista e o sonho de conquistar a Grande Sérvia, que é considerar que a Sérvia é todo lugar em que habitem sérvios, mesmo que eles estejam fora das fronteiras atuais do país. Também analisa a dinâmica expansionista dos países europeus na colonização do mundo, em que a Alemanha se ressentia por não ter conseguido acompanhar os países vizinhos devido à unificação tardia. Outro ponto considerado foi a constatação de como as alianças europeias moldaram os blocos de força que iriam finalmente aprisionar os principais países em uma rede de compromissos que tornavam quase impossível não entrar em guerra sem descumprir com os tratados assinados. Por fim, podemos considerar que na eclosão da guerra a Europa era um continente muito maior do que é hoje, no sentido de que as dificuldades de locomoção e comunicação impediam a compreensão do entrelaçamento de seus destinos, de forma a considerarem seus objetivos particulares como mais importantes, a ponto de serem colocados antes das repercussões coletivas de uma guerra continental. Os mal-entendidos gerados por posturas defensivas unilaterais acabaram arrastando para o terrível conflito até países que não tinham nenhum interesse nele. O autor salienta que a complexidade que acarretou a guerra jamais foi considerada na sua inteireza, o que levou a concepções irreais quanto a seus verdadeiros motivos. Um livro profundo, sério, que recomendo bastante para quem, como eu, ama a História!





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Sidney.Puterman 07/04/2017

O ótimo livro do inglês que alivia (e muito) pro lado dos alemães
Sou curioso. Quero saber os porquês. O porquê daquilo, o porquê disso. Algumas coisas têm um porquê dúbio. Sempre que eu ouvia falar na Primeira Guerra Mundial, vinha à reboque: ela começou nos Bálcãs; ninguém sabia ao certo qual a razão; era um episódio controvertido da História; os historiadores divergiam; etc. Confuso. Comprei o peixe pelo que me venderam e deixei quieto. Até que, certa feita, li que havia sido publicado um livro espetacular sobre o estopim da Primeira Guerra Mundial. Como sabe muito bem quem acompanha este blog, não sosseguei. Como não correr atrás dele? Foi o que fiz. Daí, como também é praxe, o pobre mofou nas prateleiras do meu quarto dos fundos, que eu esnobemente chamo de estúdio. Mas não para sempre: houve que um dia comecei a ler e me empanturrei. A intrincada malha de interesses entre os Estados da época é a massa que Christopher Clark estica bem lentamente. Ele aterrissa em cada centro político relevante para o germinar do conflito e para o mundo de então: Sérvia, Áustria, Hungria, Itália, Alemanha, França, Inglaterra, Turquia e Rússia (incluindo rasantes em Bulgária, Romênia, Grécia, Croácia e Albânia). O que ele narra é um processo catalisador que transformaria barbaramente (em todos os seus sentidos) a civilização - ao menos como a conheceram nossos antepassados -, em um cronograma cujo gatilho foi puxado com o assassinato, a tiros, do herdeiro do Império austríaco. É a partir daí que a obra de Clark troca de voltagem - com sua rosa-dos-ventos girando como ventilador de filme noir a partir da página 400. Bem, só pelo número da página, dá para ver a bitola desse trem. O ponto é que Clark não se precipita. Ele enfia miçanga a miçanga no seu longo fio de nylon europeu. Seu texto parte do lugar onde, aparentemente, tudo começou - nos Bálcãs -, mas suas idas e vindas no tempo e no espaço nos conduzem a muito tempo antes. Do início estreito e conturbado do jogo político entre as nações balcânicas e o Império Austro-Húngaro, Clark vai abrindo cada vez mais o diafragma, e começamos a ver as pretensões russas em choque com as prerrogativas turcas. A frágil, mas reivindicativa, Itália a confundir um cenário onde ela era coadjuvante. As complexas relações diplomáticas gerando alianças (vulneráveis) e ameaças (desestabilizadoras) entre o quarteto Rússia, Grã-Bretanha, França e Alemanha. Apesar da sua perceptível germanofilia, que não me desce nada bem, Clark é um ás do ramo. O anfiteatro que ele constrói para nos permitir a visão destas diversas facetas do palco pré-deflagração da Primeira Guerra Mundial é soberbo. A enevoada política balcânica é destrinchada, listando vontades e influências da cadeia de comando de cada um dos países envolvidos. E partir do assassinato do arquiduque na Bósnia se impunha, já que foi em Sarajevo que o estopim da barbárie foi aceso. Mas, depois de circular por todos os gabinetes diplomáticos das potências maiores e menores (como se estivéssemos voando num alucinado chapéu mexicano), descido garganta abaixo e ego adentro de cada chanceler e seus satélites, a impressão que resta é a daquelas pirâmides humanas, onde, se um espirrar, caem todos. É uma roda em constante movimento, onde a éntente e a détente se sobrepõem. As alianças franco-russas, com um pé no Reino Unido, em contraposição ao Império Austro-Húngaro, vulneralvelmente pendurado na Alemanha e simultaneamente opressor nos Bálcãs, que, por sua vez, dançavam seu próprio balé romeno-búlgaro-turco-croata, com os russos como o grande urso do circo, abriam e fechavam o leque, como um gigantesco pulmão que, cedo ou tarde, não ia dar conta do esforço demasiado e entraria em colapso. Franceses, apavorados com a musculatura e os maus-bofes do vizinho alemão, faziam a ponte com São Petersburgo, que também não tinha os teutões em boa conta. Berlim, um passo à frente na corrida armamentista, olhava de cima e acreditava que uma futura guerra, se inevitável, seria melhor quanto mais cedo acontecesse. A Inglaterra nadava de braçada e só cuidava de se manter à frente no domínio naval. Enquanto isso, nos Bálcãs, o pau comia. Numa terra regicida por natureza, o atentado a Francisco Ferdinando foi uma comédia de erros e covardia. Por um golpe do destino, a vítima imperial, que acabara de escapar de uma emboscada, pegou a rua errada e, ao manobrar, pôs a cabeça na boca do leão. Quando o assassinato do herdeiro dos Habsburgo (um personagem esnobe e pouco querido, à época, de quem se dizia que era "bom em odiar", e que, entre outras pérolas, afirmava que "considero todo aquele que vejo pela primeira vez um patife vulgar - e só aos poucos me permito ser persuadido do contrário") invadiu as cortes europeias, com seu imensurável potencial de dano à geopolítica mundial, exigiu de cada país um discurso e um alinhamento. No centro da questão, os austríacos ultrajados exigiam reparo dos sérvios, que, por sua vez, fingiam não ter nada a ver com o assassinato arquitetado, na Sérvia, e executado pelos irredendistas sérvios, na Bósnia. Em círculos concêntricos, os países corriam contra o relógio para forjar decisões que, em última análise, eram sempre dependentes da decisão alheia; e, justamente tentando ir contra esta sina, puseram em prática estratégias que acabaram por gerar um fato consumado. A Alemanha insuflou a Áustria a tomar um posição de desafio à soberania sérvia; a França teve uma reunião de cúpula em solo russo, onde se tramou a inaceitação da "humilhação" imposta à Sérvia, num conluio entre russos, franceses e - um tanto parcimoniosamente - ingleses, empurrando uma temerosa Sérvia a não aceitar as condições ditadas pela Áustria. Nesse quem-cuspir-primeiro-é-homem, a Europa era conduzida a uma guerra de proporções inimagináveis, que começaria a moldar o século e seus terrores. Clark não aponta culpados, mas registra os agentes. Dos ensaios à ação: encorajada pelos alemães, a Áustria ameaçou a Sérvia e, na forma de um ultimatum, pediu satisfações, já que foram cidadãos sérvios que tramaram e mataram o príncipe austríaco; a Serbia ia dá-las, amedrontada; mas os russos, que viam nisso uma ação de expansão alemã que traria revezes comerciais à navegação russa, se declararam, em comum acordo com os franceses, solidários à Sérvia; a França, por sua vez, havia tramado por trás das coxias com a Rússia, pois via os alemães como uma ameaça crescente na frente oeste; com os russos comprometidos com sua posição de não transigir frente à uma quebra da soberania sérvia, a provocadora França, que não tinha sequer botas suficientes para calçar seu exército, cobrou a adesão inglesa, pois, havendo guerra e a Grã-Bretanha não participando, o Mar do Norte seria totalmente dominado pela frota alemã; a Alemanha, espicaçada e oportunista (como disse o chefe do Estado Maior alemão, Hellmuth von Moltke, "se a guerra é inevitável, quanto mais cedo melhor"), ao ver todos em pé de guerra, resolveu que liquidaria a questão contra a França primeiramente pelo já imaginado flanco oeste, só que por dentro da Bélgica, contornando as posições francesas; a Bélgica, a seu turno, ofendida, não toleraria a invasão, resistiria, e a Inglaterra, pró-belgas, rechaçaria os alemães; a Sérvia... bem, neste instante, a Sérvia não tinha mais importância nenhuma. "Opereta bufa" poderia ser uma forma zombeteira de nominar a catástrofe. Mas seria também ingênuo. Na visão do historiador (que é a que conto aqui), nenhum dos governos envolvidos queria a guerra, por seu alto custo e sua imprevisibilidade, mas nenhum deles agiu no sentido de evitá-la - e foram sim na direção de como responder aos cenários possíveis, procurando sempre ocupar a colina mais taticamente vantajosa. A obra de Clark, monumental, tem também suas curiosidades, como a valiosa delação premiada - hoje "questionada" por estas plagas - que permitiu se chegasse aos mandantes do atentado contra o príncipe; ou como a reação espontânea ao assassinato do arquiduque nos países vizinhos, onde, ao invés de respeitosa constrição, houve surtos de euforia (em um cinema em Roma, os italianos, ao ouvirem a notícia, pediram à orquestra: "Marcia reale, marcia reale", o hino nacional da Bota, aquele que o Schumacher regeria nas pistas, 80 anos depois). Fato é que o farpado novelo das relações entre os grandes países europeus levou a que, em menos de uma semana, a contar da declaração de guerra do Império Austro-Húngaro à Sérvia, em 28 de julho de 1914, o continente desse início ao primeiro ato de uma carnificina que somente teria fim em 8 de maio de 1945, com as cortinas do segundo e derradeiro ato se fechando sobre uma Germânia em ruínas. O autor atribui à "tese de Fischer", do grupo de estudos do acadêmico alemão Fritz Fischer, a enunciação mais influente sobre a culpabilidade da guerra, nos anos 1960. Ratificando o artigo 231 do Tratado de Paz de Versalhes, que vaticinava que a "Alemanha e seus aliados foram moralmente responsáveis pela guerra", a tese identificou a Alemanha como a potência mais culpada pela deflagração da guerra, por a terem escolhido e a terem planejado antecipadamente, visando "acabar com seu isolamento europeu e tornar-se uma potência mundial". Se a cita, Christopher dedica uma exígua meia página à celebrada tese. Seu livro foi construído em uma direção que, senão contrária, desmonta a responsabilidade alemã e, minimamente, a compartilha com os demais potentados. Por sua vez, certa ou errada, a extensa e burilada tese de Clark faz por merecer o seu lugar na "história da História". A propensão germanófila do britânico Clark não me agrada, mas evidencia que qualquer autor, ao escrever, tem um lado - e há que nos debruçarmos sobre os fatos e versões que ele seleciona e como ele os encadeia. Fico, ao fim, com a passagem non-sense narrada por um viajante inglês, cruzando a fronteira russa, no início de agosto de 1914, que testemunhou o exército cossaco vibrando com o telegrama que anunciava o país em guerra. De início, os animados cossacos achavam que a guerra era contra a China, por ter "a Rússia avançado demais na Mongólia e com isso a China ter reagido", logo substituído pelo aviso de que a guerra era "contra a Inglaterra, contra a Inglaterra". Depois de quatro dias, com o exército já em marcha, chegou a notícia de que a guerra era contra a Alemanha. Mas, escaldados, os cossacos não acreditaram.


site: http://bit.ly/2irsPTn
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Kazu 23/09/2015

Relato incrível, mas cansativo!!
Relato muito minucioso dos momentos que antecederam a Primeira Guerra Mundial. Digno trabalho acadêmico, porém, para o leitor comum a enorme quantidade de dados e minúcias expostas pelo autor, faz com que a leitura não flua, e acaba se tornando cansativa. Nada, porém, tira os mérito da obra, em tentar esclarecer os até hoje obscuros motivos que de um incidente localizado, acabou por arrastar toda Europa para o conflito.
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Cristiano 30/12/2014

Interessante, mas enfadonho
Como diz o subtítulo, "Os Sonâmbulos" busca entender as causas que levaram à Primeira Guerra Mundial.

O autor busca se afastar de uma análise marxista, que entende os protagonistas como meros fantoches de um cenário político marcado pela economia, o que leva ao entendimento, muito combatido pelo autor, da suposta inevitabilidade do conflito de 1914. Assim, destaca a importância dos atores políticos mais importantes, como os 3 Imperadores, George V (ING), Guilherme II (ALE) e Nicolau II (RUS) e seus principais ministros e diplomatas.

O autor volta a análise nos antecedentes do conflito austro-sérvio, dedicando mais de 100 páginas somente a seus antecedentes históricos anteriores ao período. A análise é válida e enriquece o leitor, porém, como em diversos pontos da obra, o autor se prende a detalhar episódios que podem ter tido alguma relevância, porém não foram determinantes para o desenrolar da crise que levou ao conflito.

Passados esses capítulos iniciais, chega-se mais perto da "Crise de Julho", o tenso relacionamento entre os países, envolvidos em suas alianças militares, após o assassinato de Francisco Ferdinando. Mas ainda assim, o autor por vezes detalha demais o papel de alguns atores não tão destacados.

Creio que o melhor seria uma análise um pouco mais enxuta, pois há detalhes que certamente não interessarão a um leitor que não realize uma leitura acadêmica. Talvez tenha faltado um papel mais ativo do editor.

Interessante também é o fato de o autor buscar não culpar um único protagonista pela eclosão do conflito, como muitos fazem, recaindo a culpa, na maioria das análises, na Alemanha. O autor é bastante complacente com a Alemanha, e, apesar de não explicitar, tende a deixar subentendido que a Rússia foi quem teve o papel central ao mobilizar todas as suas forças militares para defender a Sérvia contra a Áustria-Hungria. De qualquer forma, o autor entende que a conflito ocorreu diverso a vários fatores políticos que se somaram, os quais ele detalha ao longo do livro.

Apesar do livro ser um tanto enfadonho, tenho certeza que qualquer leitor entenderá melhor a Grande Guerra após a leitura do livro.
Cava 19/04/2015minha estante
O livro é fruto de um trabalho acadêmico feito por um acadêmico respeitadíssimo. Com todo o respeito, se não estiver atrás desse tipo de experiência, leu o livro errado.




Luis 07/09/2014

Da culpa dos Impérios e da inocência dos povos.
Com uma diferença de 11 anos, dois ícones do pop rok cantaram o domingo sangrento. Em 1972, John Lennon, então em sua fase mais militante, gravou Sunday Bloody Sunday, uma das muitas faixas políticas do disco Sometime in New York City. Usando o mesmo título, mas compondo uma nova canção, a banda irlandesa mais famosa do mundo, o U2, também registraria a sua Sunday Bloody Sunday, no disco War, de 1983. Ambas as gravações versavam sobre o mesmo tema : os acontecimentos do domingo, 30 de janeiro de 1972, em Derry , na Irlanda do Norte, onde um confronto entre cristãos e protestantes deixou 14 ativistas mortos e 26 feridos. Embora imortalizado nas paradas do mundo inteiro, não há dúvidas de que o epíteto caberia mais adequadamente a um outro domingo, ocorrido 58 anos antes : o dia 28 de junho de 1914, data tida como o estopim da Primeira Guerra Mundial.
Em Os Sonâmbulos (Companhia das Letras, 2014), o historiador Christopher Clark trata de tentar explicar o que há quase 100 anos tem sido tratado como inexplicável. De que forma um atentado motivado por questões meramente locais deu origem a um conflito global de proporções jamais vistas. Pode se dizer que o escritor australiano, em grande medida, atingiu o seu objetivo.
Em suas quase 700 páginas, recheadas de notas explicativas e sustentada por vasta bibliografia, Clark desconstrói o argumento clássico e superficial que resume a gênese da primeira guerra ao assassinato do Arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do Império Austro Húngaro, alvejado naquele domingo em Sarajevo pelo jovem ativista sérvio Gravilo Princip. Embora a importância e o simbolismo do episódio não possam ser descartados como estopim da radicalização que levaria a Europa aos campos de batalha, a obra deixa claro que existiam razões mais profundas para as terríveis consequências dos tiros disparados em Sarajevo. Em suma, o buraco era bem mais embaixo.
Oficialmente, Princip, componente da organização terrorista Mão Negra, agiu motivado pelo ideário de formação da Grande Sérvia, segundo o qual, os povos sérvios espalhados entre a própria Sérvia, a Bósnia, as diversas regiões do antigo Império Otomano, da Bulgária e da Austria- Hungria tinham o destino histórico de constituir uma nação unificada política e etnicamente. Segundo a interpretação de grupos extremistas, a possível ascensão de Francisco Ferdinando ao trono do Império do qual era herdeiro, reforçaria a linha política que estimulava a autonomia dessas regiões dispersas de maioria sérvia, inviabilizando a sonhada unificação.
Os Sonâmbulos traz à tona outros ingredientes, mais condimentados, que encorpariam o ralo caldo da disputa local transformando-a na caudalosa sopa de sangue que, no dizer de Eric Hobsbawm, inaugurou verdadeiramente o século XX. A morte do Arquiduque, na verdade, foi o sopro final que desmontou o frágil castelo de cartas da geopolítica europeia, assombrada pela multiplicidade de acordos bilaterais entre as potências da época : Inglaterra, França, Alemanha, Rússia e, em menor grau, a Áustria-Hungria. A ausência de um órgão que favorecesse a formação de uma grande mesa de negociações ( o que se tentaria no entre guerras com a fracassada Liga das Nações), propiciou um verdadeiro cada um por si, em que alianças secretas construíram um emaranhando de compromissos, transformando o continente em um barril de pólvora. O tiro em Francisco Ferdinando só acendeu o pavio.
É interessante notar que, virada a última página, a noção de uma Primeira Guerra praticamente não se sustenta. Clark, nas entrelinhas, leva o leitor a concluir que a briga iniciada em 1914 só terminaria efetivamente em 45, interrompida por uma grande trégua de 21 anos. Nota-se também que o discurso de culpabilidade exclusiva da Áustria e da Alemanha é no mínimo questionável. No complicadíssimo xadrez político europeu, as posições e, principalmente, as omissões de Rússia, França e Inglaterra, também pesaram, e muito, para o início da carnificina. Em última análise, foram os sonâmbulos do título.
Na recente efemeridade dos 100 anos de início do conflito, um aspecto pitoresco chama a atenção. Naquele domingo, 28 de junho de 1914, Francisco Ferdinando e sua esposa, Sophia da Baviera, também assassinada junto com o marido, completavam 14 anos de casamento, as pouco lembradas bodas de marfim. No caso, o branco característico do material foi eternamente manchado de rubro, não só pelo sangue do casal, como o de milhões de inocentes que sucumbiriam na matança que se prolongaria pelos 31 anos seguintes. Autêntico Sunday Bloody Sunday.

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