Jacqueline 03/05/2014
Divertido e espirituoso, mas sem perder a ternura.
Mais um livro que eu li completamente no escuro, apesar do título não deixar muita coisa para a imaginação. Pessoalmente amo títulos longos e incomuns. E nesse caso, o título nem precisou vir acompanhado de uma sinopse, pois eu já sabia que iria gostar. Só não achei que a leitura iria me surpreender e divertir tanto.
"Fazia 24 horas que ele havia chegado à Europa, parecia uma eternidade. Já havia posto os pés na França, na Inglaterra e na Espanha. E essa noite ainda estaria em outro lugar. Buda não o largava mais. Estaria ele condenando-o a ser clandestino, contra sua vontade, pelo resto da vida?"
Ajatashatru Ahvaka Singh (pronuncie acha já a tua vaca) é um faquir profissional. Ou é nisso que acreditam os habitantes de sua vila, Kisheyogoor, na Índia. Mas o faquir não passa de um trapaceiro. Com a ajuda dos moradores do vilarejo, ele vai até a França com o intuito de comprar uma cama de pregos na famosa loja IKEA.
Sua jornada começa na França com um taxista cigano, e uma francesa que se encanta por seus dons de Faquir. Mas nada é capaz de distrair Ajatashatru de sua missão. Sem ter onde passar a noite, ele decide pernoitar na própria loja. Porém, assustado pelo movimento de funcionários na loja em plena madrugada, ele se esconde em um armário. Inicia-se assim, a maior aventura da vida de Ahvaka. (resumo adaptado da sinopse oficial)
"Acabara de ver na Europa, em dois dias, coisas que nunca vira em 38 anos de existência e que não teria, sem dúvida, jamais visto, caso não houvesse resolvido se esconder dentro de um armário de uma grande loja. Prova de que as coisas pequenas regem a vida, e os locais mais banais são por vezes o início de emocionantes aventuras."
Romain, que já exerceu várias profissões (DJ, professor, tradutor e professor de idiomas), mas foi sua experiência como policial nas fronteiras da França, que ajudou na elaboração e criação da obra, que se tornou Best Seller na França.
Com a narração em terceira pessoa extremamente fluída, acompanhamos a inusitada jornada de Ajatashatru pela Europa. A premissa digna de filmes Bolywoodianos, se sustenta pela quantidade satisfatória de reviravoltas no enredo, e por seus personagens excêntricos e singulares.
Puértolas é dono de um humor pitoresco bastante afiado. Apesar de abordar de modo bastante engraçado a imigração ilegal na Europa, o autor fala sério quando o momento exige, sem pender para o lado melodramático. Tem cenas que comovem na medida certa, como o encontro de Ajatashatru com os imigrantes sudaneses, ou quando ele revela o sofrimento que passou na infância.
Em poucas páginas Romain consegue fazer um verdadeiro milagre. O fator imprevisibilidade fisga o leitor até a última página. Eu nunca sabia em que situação absurda o autor iria colocar Ahvaka, ou qual seria o próximo país em que ele iria aterrissar.
Não faltam cenas de ação, perseguição, suspense, e até mesmo um estranho romance.
As personagens e suas personalidades me encantaram. Ajata a princípio pode não passar de um impostor barato, mas sua experiência como um clandestino ilegal acaba trazendo à tona o seu lado solidário e humano. A determinação do cigano Gustave, e sua família buscapé renderam cenas hilárias.
Preciso citar o grandioso trabalho que o tradutor Mauro de Abreu Pinheiro realizou. Romain brinca várias vezes com a pronúncia dos estranhos nomes, criando assim frases correspondentes entre parênteses (Dhjamal, pronuncie dia mau), que só fizeram sentido graças ao trabalho de tradução.
Com um enredo divertido e espirituoso, Romain retrata os percalços vividos por aqueles que nasceram no lado errado do Mediterrâneo, e decidem tentar a sorte nos "belos países". Uma comédia com um fundo agridoce, que consegue ao mesmo tempo arrancar um sorriso e muitas reflexões dos leitores.
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