Karla Lima 09/03/2017
Deliciosas provocações para a criança que existe em você
Afonso Cruz compartilha com o também português Valter Hugo Mãe o ano de nascimento, a calvície, a barba cheia e as variadas áreas em que atua: é integrante da banda de blues The Soaked Lamb, diretor de filmes de animação (curtas, seriados e publicidade), ilustrador e premiado autor de quase trinta livros. A contradição humana foi o terceiro dele que li, o primeiro infantil. Mais um lusófono para a minha lista de queridos!
Em apenas 13 historietas com pouquíssimo texto e muita ilustração, o autor assume ao mesmo tempo o ponto de vista da criança, que se espanta com o mundo e faz perguntas irrespondíveis, e a perspectiva do adulto, que sorri das dúvidas e nem sempre consegue elaborar uma resposta adequada. O contrassenso está nos humanos do título e também nos objetos – já na abertura, por exemplo, o narrador questiona a (falta de) lógica do espelho, que inverte o lado esquerdo e o direito, mas não altera o que é parte de cima e o que é de baixo.
Ler A contradição para uma criança pequena pode ser bem divertido, mas as que já puderem ler sozinhas vão se divertir mais, ao saborear um português igual ao nosso no sentido, apesar de diferente na grafia, no vocabulário e na sintaxe (“deitar um açucareiro no café”). Além disso, são encantadoras as brincadeiras com expressões linguísticas (“um mar de gente”) e duplos sentidos: ao falar da piedade que lhe inspira um pássaro na gaiola, o narrador comenta “É uma pena”, e a ilustração da ave presa, ao lado de outra que só mostra uma pena, faz sorrir.
Edição caprichada, grande formato, capa dura, curtinho e adorável.