Gabrieli Gudniak 12/09/2018Fantasia sem surpresas, mas divertida.Cécile de Troyes sonhou a vida toda em sair de sua vila rural e seguir os passos de sua mãe, uma famosa cantora de ópera. Para isso, sua mãe mandou diversos professores para treiná-la para ser sua substituta quando o tempo chegasse. Entretanto, no dia anterior a sua viagem até Trianon, ela é sequestrada e vendida para os trolls, que vivem sob a montanha. Amaldiçoados há cinco séculos, o povo de Trollus busca não só serem libertos da maldição que os prende à montanha, mas também das castas sociais. Cécile se vê subitamente presa em um mundo desconhecido, emaranhada nas políticas de uma soceidade onde tudo é ditado pelo poder.
Apesar da premissa comum, Stolen Songbird nos trás um elemento não muito comum em fantasias com romance, a presença de trolls, com um deles sendo o interesse romântico da protagonista. Entretanto, é subutilizado, sem trazer muitas coisas novas à história, a não se as deformidades presentes nos nobres, por estes só terem filhos entre si, mas poderiam ser qualquer outra raça mágica e amaldiçoada que a diferença mal seria notado.
O livro é narrado em primeira pessoa, pelo ponto de vista de Cécile e de Tristan, o príncipe herdeiros de Trollus. Neste primeiro livro, a maioria dos capítulos é de Cécile, ela é uma protagonista agradável, mas muito... Alheia a tudo o que acontece em Trollus, principalmente no começo do livro. Ela é uma princesa agora, mas ao mesmo tempo uma humana que pode ser morta, usada e enganada com facilidade, por criaturas poderosas que estão em seus jogos políticos desde que nasceram. Então apesar de ser um pouco vergonha alheia ela ser usada em alguns complôs, é verossímil, não faria sentido ela entender tudo de manipulação desde o começo. Cécile se torna melhor no jogo político conforme as coisas vão caminhando, mas não é o suficiente. Ela tem iniciativa suficiente para ser uma boa protagonista e realmente mover a trama, mas toda vez que caía no romance com o Tristan, parecia outra pessoa. Algumas decisões foram questionáveis e não muito inteligentes, mas fizeram sentido.
Enquanto Cécile no final do livro é muito mais interessante que no começo, o contrário se dá com Tristan. Ele começa como um príncipe inteligente, desconfiado e manipulador, para acabar como um cachorrinho apaixonado que toma decisões absurdas. Eu adorei o clichê de mascará sarcástica em alguém que na verdade está tentando fazer algo bom. Os questionamentos dele sobre o próprio povo e sua natureza eram muito interessantes, principalmente quando colocados em choque com os ideais de Cécile. Entretanto, foi difícil acreditar que sua decisão no final foi a melhor que conseguiu e que ele realmente faria aquilo.
Um dos maiores problemas do casal foi uma das ferramentas preferidas de autores, a falta de comunicação entre o par romântico principal. E mesmo o Tristan sendo desconfiado por natureza e nunca confiando toda a informação a só uma pessoa, ainda foi algo irritante.
Os personagens principais tem certo brilho, mas pouco destaque. Anaïs e Marc foram os melhores, no começo eu estava irritada com a autora por colocar a típica rivalidade feminina entre Anaïs e Cécile, mas isso foi consertado no decorrer da trama. Marc é um personagem interessante, mas tem pouco desenvolvimento neste primeiro livro. Os gêmeos também não mudam e são mais usados como ferramentas.
Os dois vilões, cujos nomes são complicados demais para eu lembrar como se escreve agora, não tem nada de novo. O rei é cruel e inteligente, mas essa crueldade não é gráfica suficiente para chocar o leitor e nem sutil o bastante para nos deixar incomodados. O irmão do rei é tão genérico quanto possível, então não chega a parecer uma real ameaça, principalmente quando comparado ao rei em si. No final, é apenas uma decisão tola e inverossímil tomada por certo personagem que permite que os dois continuem e ainda tenha trama para os próximos livros, uma situação complicada e frustrante para qualquer leitor. A solução estava ao alcance, mas... A autora queria uma série.
O romance é agradável, mas em pequenas doses. Eu não aguentava mais o casal e queria que algumas cenas acabassem logo. Mesmo com uma desculpa para o relacionamento dos dois progredir tão rápido e com certo desenvolvimento, os dois separados eram melhores que juntos, porque sempre tomavam decisões horríveis quando juntos. Stolen Sonbird é uma fantasia romântica, logo, não conseguir torcer para o casal torna as coisas complicadas. Na verdade, eu estava torcendo para a Cécile perceber que não queria nada com o Tristan, ou então se interessasse por um personagem secundário, principalmente se esse personagem fosse o Marc, mas qualquer outro estava valendo pelos conflitos que isso iria causar.
Falando no Marc, ele foi meu personagem favorito, mas se configura como um problema para a trama. Nós temos muitos mais momentos íntimos entre a Cécile e o Marc e Tristan e Marc, então a química entre eles é muito maior que a entre Cécile e Tristan, que só vão ter momentos pessoais e significativos depois da metade do livro. A primeira pessoa que Cécile confia é Marc, o único confidente de Tristan é Marc, Tristan que, por acaso, fez de tudo para salvar a vida dele quando Pénelopé morreu. Entendem a situação? No começo do livro, cheguei a pensar que o interesse romântico seria o Marc e acredito que seria muito mais interessante se fosse assim.
E, como se era de esperar, a autor tenta nos enfiar uma perna de um possível triângulo amoroso que nunca foi possível, um humano chamado Chris que a Cécile conhece. Felizmente, a autora percebe que isso não daria certo, mas a impressão que passa é que essa era a intenção dela no começo.
As tramas políticas são interessantes, o fato de trolls não poderem mentir adiciona certo tempero a elas. A construção de mundo é mais focada em Trollus do que nas terras humanas, é um trabalho bom, mas ainda incompleto, não chegando a ser um grande problema já que os outros livros podem continuar essa construção. A história daquele universo é interessante e sombria, e a história dos trolls e alguns de seus costumes se misturam a ficção científica, trazendo uma atmosfera voltada para o bizarro e deixando a sensação que há um inimigo muito mais poderoso que ainda não conhecemos.
Há dois mistérios que eu achei particularmente instigantes, espero vê-los sendo solucionados e explicados nos próximos livros, consigo ver que serão peças importantes.
A escrita da autora é leve, apesar de suas mais de 400 páginas, consegui ler em uma noite, pois o ritmo é rápido, mas falta certa sutileza em deixar pistas sem serem obviamente pistas. É fácil discernir tudo o que será importante nos próximos livros.
Stolen Songbird é um livro interessante, mesmo faltando certa inovação, ideal para quem gosta de fantasia e busca romance.