MiCandeloro 08/03/2014
Literalmente A Estrela que nunca vai se apagar!
Esther era uma menina levada, feliz, cheia de vida. Dotada de uma uma criatividade ímpar, sempre conseguiu olhar a vida com otimismo e esperança, mesmo nos piores momentos. Seu sonho era ser escritora e, desde cedo, embarcou no universo literário criando seus textos e mantendo um registro em seu diário.
Infelizmente, aos doze anos, enquanto morava na França com a sua família, foi diagnosticada com câncer da tireoide papilar metastático. Passou por cirurgia, tratamentos de radioterapia, iodo radioativo e foi cuidada por uma equipe composta por multiprofissionais dedicados. Apesar de este ser um câncer com bons prognósticos de cura na maioria dos pacientes, em Esther se apresentou de maneira mais avançada e agressiva comprometendo rapidamente o funcionamento dos seus pulmões e rins.
Esther acabou tendo que se mudar para os EUA e precisou largar o colégio em razão das inúmeras idas ao hospital e da ingestão de medicamentos que a deixaram fraca. Apesar de ter emagrecido muito, perdido os cabelos e tido diversos problemas de pele, Esther sempre fez questão de acompanhar seu tratamento de perto, discutindo com os médicos as melhores intervenções e fazendo objeções quando não concordava com algo.
A menina encontrou refúgio nas palavras, que lhe ofereceram um porto seguro, um local de desabafo e de comunhão com amigos e família. Apesar de Esther não ter podido escolher o final do seu livro, marcou a vida de todos que a conheceram e será para sempre uma estrela brilhando no céu que nunca vai se apagar.
"Parece quase irônico que ela não possa ser esquecida agora que sua história atingiu tantos e instigou tantas pessoas a se inspirarem nela. Desta forma, é como se ela pudesse continuar a viver o resto de sua vida, por meio de nós."
Querem saber um pouco mais sobre essa belíssima história? Então leiam.
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ALERTA! Esta resenha será gigante. Há livros que leio que transformam a minha vida e, por causa disso, não podem ser resumidos a meia dúzia de palavras. Há livros que leio que me fazem pensar e me obrigam a escrever. Este blog, por mais que seja voltado a resenhas literárias e cinematográficas, não deixa de ser um cantinho meu. Um local que me sinto em casa e onde posso expressar tudo o que sinto. Então, muitas vezes, não consigo ser imparcial e não posso deixar de colocar em minhas resenhas as minhas experiências pessoais. Simplesmente não consigo. Portanto, de certa forma, a cada resenha, a cada comentário, a cada post, vocês conhecem um pouquinho mais de mim, porque em cada linha, em cada palavra, existe um pedacinho meu.
Este, provavelmente, será um dos posts mais pessoais que escrevi aqui no Blog. Eu poderia fazer como todos os outros que sempre faço. Começo a escrever as minhas resenhas a partir de uma "diarreia mental", com o perdão da palavra, para depois ir cortando tudo de "pessoal" que escrevi. Afinal, ninguém tem nada a ver com a minha vida, certo, e não preciso ficar expondo meus pensamentos e experiências íntimas. Mas dessa vez não consegui me calar. Um livro diferente exige uma resenha diferente. Esther fala conosco em seu livro, nos questiona, nos força a relembrar momentos das nossas vidas, e não pude simplesmente ignorar esse chamado e me calar neste texto, fazendo uma resenha fria e puramente técnica. Por respeito a mim e a Esther, esta resenha será praticamente uma anotação de diário.
Para quem não tiver paciência de ler posts grandes, sugiro pular para a parte final em que falo de forma mais técnica a respeito do livro em si. Ou então simplesmente não leiam, fiquem à vontade :)
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Desde que ouvi falar sobre esse livro fiquei com vontade de lê-lo. Minha curiosidade foi aguçada por diversos motivos: Primeiro, tratava-se de um livro escrito por Esther Grace, a menina que inspirou John Green a escrever seu livro A Culpa é das Estrelas. Segundo, porque se tratava de uma história real, e eu adoro histórias reais, ainda mais quando não são melodramáticas e contém em seus textos lições de vida e situações para nos inspirar.
Só uma coisa me fez ter receio de ler. Tinha medo de me emocionar demais e de ficar muito triste, porque quando ele foi lançado, eu estava num período muito delicado da minha vida, passando por problemas de saúde e, para agravar a situação, uma pessoa que amo muito tinha acabado de ser diagnosticada com câncer de tireoide. Vou chamá-la de Pícoli, porque ela não quer ser identificada.
Imaginem então a minha situação: Escuto a médica dizer para Pícoli: "Calma, vai dar tudo certo, o câncer de tireoide é muito tranquilo de tratar e tem mais de 96% de chance de cura", para chegar em casa e descobrir que Esther tinha morrido desse mesmo câncer. Só consegui sentar para ler o livro, ainda assim, nervosa e suando, depois que Pícoli passou por uma cirurgia para a retirada dos tumores e sobreviveu. Atualmente, Pícoli está recuperando-se bem a cada dia que passa e agora estamos aguardando o início do tratamento com iodo radioativo e esperando pela remissão.
Talvez A Estrela que nunca vai se apagar tenha mexido comigo mais do que possa vir a mexer com outras pessoas. Isso vai da experiência particular de vida de cada um. Eu já enfrentei a morte do amor da minha vida: meu avô, que me criou como uma filha; passei por dois abortos espontâneos que, por mais que as pessoas tentem minimizar a minha dor, equivaleu-se a morte dos meus filhos; dois cânceres na minha família, de pessoas próximas, inclusive um deles também de tireoide; uma obesidade mórbida que quase me matou, dentre outras coisas que durante a vida a gente julga como perdas, desafios e se sente injustiçado, mas que no fim, elas refletem quem somo hoje e nos fortaleceram. Por isso, não trocaria a minha história de vida por nada no mundo. E fico feliz de ver que Esther, apesar de toda a dor e sofrimento pela qual passou, pensava exatamente da mesma forma que eu.
"Mãe, sei que sou só uma criança, mas posso dizer que passar pelo câncer me ajudou a crescer. (...) E, se eu tivesse a escolha de voltar no tempo de alguma forma e impedir o câncer, eu não faria isso, porque mudaria muitas coisas. Só queria que você soubesse que talvez eu não me importe muito de ter câncer. É parte de mim no momento, e acho que sou uma pessoa de bastante sorte. (...) se eu não tivesse ficado doente, não ficaria pensando nas pessoas com a doença... Eu sentiria pena do tipo "ah... coitado" em vez de solidariedade sincera."
Ler A Estrela que nunca vai se apagar foi quase como ler O Diário de Anne Frank. Tive a sensação de espiar a vida de outra pessoa pela fechadura e, aos poucos, me tornar íntima dela, dividindo suas dores e compartilhando das suas alegrias. No final, acabei ganhando outra amiga que, assim como Anne, já está no céu.
Esther não quis ser lembrada pela sua doença, nem por suas limitações devido ao seu corpo que já apresentava sinais de cansaço. Ela não queria ser definida como a menina que tinha câncer. Esther queria ser uma pessoa normal, e é isso que o livro nos mostra. Não um moribundo que está prestes a morrer, de quem devemos ter pena ou então considerar um herói pelas suas bravas conquistas e batalhas travadas.
"Então é... ultimamente venho pensando que, se e quando eu morrer, gostaria de passar por mais uma coisa normal de adolescente, que é beijar um garoto. =) (...) Você pode não acreditar, mas quero uma porcaria de beijo. É uma coisa normal que eu talvez nunca tenha, mais uma coisa que vou perder."
Justamente por causa disso, não diria que o livro é depressivo. Ele é melancólico e triste, mas de uma maneira boa (se é que isso é possível.. hehe). Foi impossível não correlacionar à vida de Esther com a de Hazel, por mais que John insista em dizer que ambas não são a mesma pessoa. Esther, assim como Hazel, era uma menina cheia de vida, com um humor irônico e muito perspicaz. Enquanto Gus, de A Culpa é das Estrelas, tinha medo de ser esquecido, Esther tinha medo de não fazer a diferença nesse mundo.
"Quando o dia chegar, seja em um, dez ou cem anos, eu não quero que vocês pensem em mim e fiquem tristes. Mesmo agora que estou viva, não pensem em mim e digam "Pobrezinha. É uma pena que ela esteja doente". Não que vocês façam isso. Pensem em mim e pensem na luz do sol e no quanto aaamo animais e desenhar coisas bonitas."
Estee, ou Estrela, apelidos carinhosos dados pelo seu pai, tinha um desejo imenso de ajudar a todos. Ela queria trabalhar em um abrigo de animais carentes, ela adorava dar uma de conselheira para todos aqueles que a procuravam com problemas ou pedindo ajuda, e ela queria ajudar os necessitados. Mas lhe faltava tempo, e energia, e ela se consumia por causa disso, por ter tanto amor para dar e tão pouco tempo para realizar os seus sonhos.
Esther veio para Terra com certeza com uma missão, porque o livro deixou claro o quanto ela mudou a vida de todos que a conheceram, pessoalmente ou virtualmente, e seu maior legado, foi depois de sua morte. Por causa de Esther, a Harry Potter Alliance ganhou um prêmio de $250.000 para ajudar a diminuir as coisas ruins que acontecem no mundo. Por causa de Esther, foi criada a fundação chamada This Star Won't Go Out, que ajuda milhares de pacientes com câncer e suas famílias. Por causa de Esther, uma menina que morreu de câncer a milhares de quilômetros de distância da gente, uma adolescente que muitos nunca ouviram falar, muitas coisas boas aconteceram, transformando o mundo num lugar melhor de se viver. Tenho certeza de que, de onde Esther estiver ela está feliz, sabendo que sua luz iluminou a vida de tanta gente.
* Gente, quem quiser fazer uma doação para a fundação This Star Won't Go Out clique AQUI. É possível doar qualquer valor por meio do paypal. Eu fiz a minha parte e fiz a minha doação!
Foi lindo descobrir de onde surgiu o nome do livro, e de como Estee conheceu seu maior ídolo, John Green, ou então de como Esther deixou esse mundo rumo a uma nova aventura. Muitas passagens do livro são extremamente emocionantes, e outras tantas são inspiradoras.
"Hmm. Falando em querer, a LeakyCon 2009 vai acontecer entre os dias 21 e 24 de maio. EM BOSTON. (...) e HANK E JOHN GREEN VÃO ESTAR LÁ. EM BOSTON. EM BOSTON. NA LEAKYCON!!! Quero tanto ir. TANTO. (...) Eu poderia pedir isso para a Make-A-Wish..."
Quanto ao livro, devo dizer que, primeiramente, fiquei chocada com a diagramação e o design feito pela Intrínseca. Nunca vi um livro tão lindo na minha vida. Todas as páginas internas são decoradas, coloridas e ilustradas. A Estrela nunca vai se apagar contém um material riquíssimo sobre a vida dessa adorável menina. Foram compilados relatórios médicos, depoimentos de seus pais e amigos e trechos do próprio diário escrito por Esther, compartilhado conosco assim como seus pais imaginaram que ela gostaria. Além disso, o texto trás inúmeras fotos de Esther e da família em diversas fases de sua vida.
Analisando o livro, basicamente cheguei à seguinte conclusão: as páginas verdes-floresta serviram para apresentar um pouco sobre quem é Esther Grace, desde seu nascimento até a sua morte. As páginas verde-claras foram dedicadas aos escritos de seus amigos ou pessoas próximas que a conheceram. Nas páginas laranjas, encontramos o diário escrito por Esther e seus pais no site CaringBridge, criado para atualizar a família e os amigos da doença e do bem-estar de Estee. E nas páginas brancas, encontramos os relatos da própria Estrela, seja por meio de cartas, desenhos ou dos escritos em seu próprio diário. Ao final, temos a compilação de diversos textos de ficção não acabados escritos por Esther, que já buscava a sua "voz" como jovem escritora.
Talvez alguns se perguntem por que alguns textos estão alinhados à esquerda e outros estão justificados. Acredito que, novamente, a Intrínseca tenha feito uso desse artifício, como fez em Sal, para destacar os textos escritos por Esther e os trechos dos diários elaborados por seus pais. Pelo que entendi, os textos justificados são mais recentes, elaborados para o livro e escritos depois da morte de Estrela. Mas isso tudo são apenas especulações minhas.
Achei que eu ia demorar mil anos para ler o livro, porque ele é enorme, mas acabei o devorando em questão de poucos dias de tão fácil e fluida a sua leitura. Gente, preciso dizer, Esther me fez pensar tanto! Depois de anos sem torturar um livro, dessa vez não me contive, peguei uma caneta marca-texto na mão e desandei a rabiscar em A estrela nunca vai se apagar com direito a inclusive dobrar orelhas nas páginas. Ok, me trucidem! Eu leio muito, vocês sabem. E leio de tudo. Mas foram as palavras de Esther, na sua simplicidade, na sua repetição, na sua confusão, que me tocaram, porque me relembraram exatamente como eu me sentia aos 12, 13, 14 anos, e como me sinto hoje a cada vez que enfrento uma dificuldade ou sinto que me tiraram o tapete.
"Não é triste que tantas vezes seja preciso encarar a morte para se apreciar a vida e uns aos outros por inteiro? Espero que você esteja fazendo diferença para alguém hoje..."
Lembrem-se que A Estrela nunca vai se apagar não é um livro de ficção. Então se forem lê-lo, leiam de coração aberto e conheçam Esther Grace, sem julgá-la, sem tentar entendê-la, sem questionar o porquê disso ou daquilo. Lembrem-se que vocês estarão lendo um relato de uma adolescente, cheia de sonhos, cheia de mágoas, meio perdida, mas com muita esperança na vida, em Deus e num futuro glorioso sem dor. Lembrem-se que vocês estarão lendo as memórias de uma família afetada pelo câncer e consequentemente pela perda de uma filha tão querida e amada. Apenas lembrem-se e aceitem.
"Após alguns minutos de espera, chorando em silêncio e tocando nossa amada Estrela, ela deu seu último e estranhamente longo suspiro (...)".
Estes são relatos de pessoas reais, de gente como a gente, de vida e de morte. E no fim, eu me sinto abençoada de poder ter conhecido melhor uma pessoa que até então nunca tinha ouvido falar e que foi tão importante, simplesmente por existir, e por ser uma pessoa única e diferente das demais, mas ao mesmo tempo tão parecida com a gente. Ler livros que falam sobre pessoas comuns e suas vitórias e dificuldades me faz sentir-me mais humana e me faz ter mais empatia pelo outro.
Obrigada Esther.
"A morte não é a palavra final, mas a "grande aventura seguinte", como Dumbledore disse tão bem."
Resenha originalmente publicada em: http://www.recantodami.com/2014/03/resenha-estrela-que-nunca-vai-se-apagar.html