jota 27/04/2012Ridendo castigat moresO homem é o único animal que ri. Principalmente dos outros, mas também de si próprio. Rindo castigamos os costumes; rir subentende algo mais profundo do que a risada simplesmente. Isso você encontra aqui. Mas em nenhum momento neste livro aparece a conhecida expressão “Quem ri por último ri melhor.” – talvez porque isso não seja exatamente verdadeiro. Ou é?
Bem, o livro de Bergson tem como subtítulo Ensaio Sobre o Significação da Comicidade, quer dizer, ele não analisa toda forma de riso, mas apenas aquele riso provocado por situações cômicas produzidas. Ou seja, "o que haveria de comum entre uma careta de palhaço, um jogo de palavras, um quiproquó de vaudeville, uma cena de comédia fina?"
No capítulo I são tratados os seguintes tópicos: Da comicidade em geral; A comicidade das formas e a comicidade dos movimentos; Força de expansão da comicidade. Esta foi a parte mais complicada para acompanhar. Sim, pois as ideias de Bergson não podem ser apreendidas com leitura dinâmica como faço com muitos livros. E algumas vezes foi necessário reler uma frase ou parágrafo inteiro para entender o pleno significado do que ali estava escrito.
Pois Bergson não é um historiador do riso simplesmente (aliás, isso começou com Aristóteles), mas um pensador bastante complexo. E uma coisa [aparentemente] banal como o riso despertado por uma situação cômica teatral, p.e., aos olhos de um pensador ganha níveis de complexidade que jamais nos passariam pela cabeça (a minha, pelo menos) sonhar.
Bem, no capítulo II ele examina A Comicidade de Situação e a Comicidade de Palavras. Nessa análise, entremeada de exemplos curiosos ou engraçados, Bergson usa basicamente situações ou textos de comédias francesas do século XIX e antes, das quais apenas as de Moliere ouvi falar (o livro foi escrito em 1889, portanto não há nada sobre cinema aqui). Um homem extremamente alto (ou gordo) ao lado de outro homem extremamente baixo (ou magro), p.e., é uma situação que tende a provocar o riso, não precisa de palavras.
Como exemplos de comicidade de palavras Bergson nos oferece os seguintes diálogos extraídos da peça de Theodore Barriere, Les Faux Bonshommes.
Mãe e filho conversam:
“Meu filho, a Bolsa é um jogo perigoso. Você ganha num dia e perde no dia seguinte”
“Então só vou jogar dia sim, dia não."
E depois o edificante colóquio entre dois financistas:
“ Você acha justo isso que estamos fazendo? Afinal, coitados dos acionistas, estamos tirando dinheiro do bolso deles...”
“E de onde você quer que a gente tire?”
Naquele tempo ou agora, isso provoca riso e reflexão, não?
A Comicidade de Caráter é o assunto do capítulo III. Bergson mostra que todos os defeitos [humanos] podem tornar-se risíveis e o mesmo pode ocorrer, a rigor, com certas qualidades (o hábito de limpeza é extremamente saudável, mas se tender para a compulsão pode virar defeito e provocar o riso dos familiares ou amigos).
E Bergson conclui que o riso tende a corrigir a sociedade, quer dizer, as impertinências dos indivíduos. Nas suas palavras: “A essas impertinências a sociedade replica com o riso, que é uma impertinência maior ainda. O riso, portanto, nada teria de benevolente. Ao contrário, pagaria o mal com o mal.”
Ao rirmos da ignorância dos parlamentares que não sabem um mínimo de Geografia, p.e. (há uma série de coisas que eles não sabem, principalmente zelar bem pelo dinheiro público), quando sabatinados pelo CQC da Band (que produziu aquelas situações e as perguntas que fazem na tevê), estamos “castigando” os [maus] costumes políticos, por tabela, os maus políticos que elegemos (sim, também somos culpados pela podridão federal, estadual e municipal reinantes no país). Pagamos o mal com o mal (até mesmo o que fazemos a nós mesmos votando sem reflexão, não é, Tiririca?).
Bem, é isso. Mas poderia ser outra coisa, sei lá. Importa que o pequeno e fino livro de Bergson é ótimo, embora não tenha sido muito fácil lê-lo e digeri-lo. Mas talvez você tire tudo de letra, sabe como é.
Lido entre 18 e 25.04.2012