spoiler visualizarTati 04/01/2012
HELENA DE TRÓIA:
No livro de Cláudio Mello e Souza, Helena de Tróia (O papel da mulher na Grécia de Homero) têm como propósito inicial contar parte da mitologia grega através das principais mulheres e deusas que estão direta ou indiretamente relacionadas com a Guerra de Tróia. Que segundo o autor, foi um acontecimento tão famoso quanto controvertido, do ponto de vista histórico, e encantador do ponto de vista mitológico e lendário.
Mas fazer um trabalho relatando o ponto de vista das mulheres e deusas relacionadas a guerra seria muito exaustivo, diz o autor. Então decidiu por escolher apenas uma personagem para estudar, optou por Helena.
cuja beleza, comparavél à das deusas, havia levado “mil navios ao mar”, incendiado “as altas muralhas de Tróia” e feito com que gregos e troianos guerreassem por penosos e sangrentos dez anos. Mas não só por ser ela um arquétipo da beleza clássica mas também (ou principalmente) por se constituir no ponto de partida pra uma avaliação do que representava a mulher naqueles tempos de supremacia e dominação dos homens. (SOUZA, 2001, p. 11).
Ao falar de Helena, o autor busca relacioná-la, para melhor biografá-la e explicá-la, com os mitos e lendas que lhe são correlatados, e para esboçar a figura de mulher, a destacada e polêmica posição que ocupou na realeza daquela época, também analisa os mitos e heróis relacionados à ela. Os mais relevantes são Aquiles, Teseu, Páris, Menelau, Agamênon, Ulisses, Príamo e Heitor.
Em que o autor resalta que serão estudados quando analisadas as mulheres com as quais foram casados. O mesmo acontece a também adúltera Clitemnestra, irmã de Helena, que era mulher de Agamênon e que, ao matar o marido para depois vir a ser morta pelo próprio filho, dá continuidade ao que se convencionou a chamar de a maldição dos atridas .
Clitemnestra não é uma personagem homérica, pois aparece tanto na Ilíada quanto na Odisséia apenas por citações, nunca por ação direta. Ela só virá a alcançar dimensão maior com os poetas trágicos do século V, especialmente com Ésquilo, em todas as três partes da Orestia, com merecido detaque na primeira parte, o Agamênon.
Já a fascinante Penélope, explica Souza, serve para contrapor com Helena por sua lendária fidelidade, ainda que ela pareça não ter sido esse modelo de pureza e resignação que nos é mostrado na Odisséia e que Dante viria a exaltar na Divina Comédia. Assim como o autor teve dúvidas para escolher entre a personagem a ser estudado das mortais também teve com as imortais, em que ele cita às deusas Hera, Atena e Afrodite, que comandaram ações dos dois poemas, disputando e compartilhando poderes com os deuses Zeus, Apolo, Poseidon. Explica ele que deixou esses personagens em segundo plano, para destacar Helena.
Sendo essa sua escolha de pesquisa, Claudio destaca que está escolha não é só pelo raro prestígio de que ela tem em uma sociedade dominada pelos homens de forma autoritária e exclusiva, mas também pela impressionante notorieade que seu nome alcançou e preservou ao longo de quase três mil anos. Além do fato de Helena ser personagem dos dois poemas.
Na Ilíada, ela ainda é a mulher perseguida por um doloroso sentimento de culpa, atormentada com a dúvida e de remorsos, impaciente e irritadiça, sofrida e acuada pelas críticas e reprimendas que lhe fazem os troianos. Mas, ainda assim, altiva o bastante para defender-se com ardor; e delicada o bastante para proclamar a sua gratidão pelos poucos que a confortam.
Já na Odisséia a Helena que reencontramos está apaziguada e feliz; é benevolente, gentil, compreensiva e carinhosa; comporta-se como uma rainha e exere com requintada sagacidade os poucos poderes que a realeza lhe confere mas que ela, habilmente, sabe ampliar. Nos dois poemas ela só é a mesma na beleza que encanta e alucina os homens.
Argumenta o escritor, “A Helena que me interessa não é – talvez jamais tenha sido – uma figura histórica, mas será para sempre uma fascinante e genial criação da poesia e da fantasia, de estatura trágica e de grandeza mitológica” (ibid, p. 21).
De acordo com a autor Helena é uma das duas únicas importantes personagens femininas de Homero a ter um espécie de poder natural e indiscutivel, meio conquistado, meio consentido. A outra é Arete, a rainha dos feácios. A bela Helena fala com deusas, reis e heróis quase que de igual para igual, até mesmo com certa arrôgancia e com mal disfarçada superioridade, como faz com seus dois primeiros maridos, Menelau e Páris.
Hélène Monsacre, na obra Les Larmes d’Achille, observa que Helena é exclusiva por não dever sua fama ao marido, como ocorre com Hécuba, com Andrômaca e, de certa forma com Penélope: “Na Ilíada , Helena situa-se além e acima da relação conjugal, e talvez por isso possa ser considerada uma figura heróica” (1984, apud SOUZA, 2001, p. 22).
O autor fala que o objetivo de seu livro é familiarizar o leitor com o mundo, os tipos, a técnica de composição e o sentimento dramático de Homero, habituando-o com o universo e com as interpretações de poetas, dramaturgos e historiadores que lhe sucederam, que retomaram, aprofundaram e popularizaram os mitos homéricos e as grandes figuras femininas ligadas ao ciclo troiano: Helena, Clitemnestra, Electra, Hécuba, Andrômaca, Ifigênia e Cassandra.
Divide-se o livro em duas partes a primeira trata sobre o mundo de Homero , que aborda os poemas homéricos, sua estrutura, a questão homérica, a cólera de Aquiles, entre outros heróis. A segunda parte aborda a bela Helena, sua origem, casamento com Menelau, sua fuga com Páris, a mulher daquela época, adultério. Essa segunda parte será parte fundamental para a pesquisa, especialmente pelo fato do autor situar Helena em quatro cenários distintos, mas interligados: o da religião, o da sociedade, o da história e da mitologia, cada qual em seu espaço próprio, que será analisado mais à frente.
A Bela Helena
O autor começa esse capítulo abordando um trecho da obra As troianas, de Eurípedes, em que Hécuba, a rainha troiana, irada com a destruição de Tróia, adverte Menelau, príncipe de Esparta e marido de Helena, dos feitiços de sua mulher:
Ela fascina os olhos dos homens,
ela destrói as cidades,
ela deixa as casas em fogo,
tal é o poder de seu encanto.
(EURÍPEDES, 1962 apud SOUZA, 2001, p.173)
Em outra peça de Eurípedes, Helena se apresenta:
Minha pátria é um país muito conhecido,
Esparta; e meu pai é Tíndaro. Dizem, no entanto,
que para gozar de um prazer desmedido,
Zeus soube como penetrar o seio de minha mãe,
Leda, sob a forma de um cisne fugindo
de uma águia. Dá para acreditar?
Deram-me o nome de Helena. Passei por provações incríveis.
Três deusas rivais
vieram a uma gruta de Ida diante de Alexandre.
Hera, Afrodite e Atená
queriam que ele decidisse qual delas era a mais bela.
Afrodite prometeu a Alexandre dar-lhe a minha beleza
(Posso chamar assim a causa de minha perdição?)
(ibid, p.173)
Este trecho que o autor examina, trata da obra Helena, em que Eurípedes mostra duas lendas diferentes, o da origem de Helena e da Guerra de Tróia, confirmando que Helena foi raptada por Páris, para plena satisfação da deusa Afrodite e da indignação das deusas Hera e Atená. Pois as três disputavam o título de “à mais bela” do Olimpo, no episódio do “Julgameto de Páris”, e que Helena era filha de Zeus.
Voltando à obra as troianas, o autor enfatiza ainda a cena em que Andrômaca desesperada com a morte de seu marido Heitor e com o brutal sacrificio imposto, pelos gregos vecedores, a seu filho Astianax , atribue a Helena uma paternidade terrível:
Não é de Zeus que tu és filha.
Numerosos são teus pais:
Flagelo, Ódio, Homicídio, Morte
e todos os monstros saídos da terra.
(ibid, p.174)
Entretanto o autor ressalta que apesar da fúria de Andrômaca, todos os dicionários de mitologia informa que a mãe de Helena é Leda, e que seu pai “humano” é Tíndaro, ela teve dois irmão Castor e Pólux, os dioscuros , também conhecidos como “filhos de deus”, e Clitemnestra.
O autor busca representar o nome de Helena, e para isso faz a comparação da significação para Ésquilo, em Agamênon nas explicação de Louis Bardollet, Bernard Deforge e Mário Gama Kury:
Ésquilo, em seu Agamenon, propõe outra explicação etimológica para o nome de Helena. Segundo Louis Bardollet e Bernard Deforge, em ta à versão francesa que fizeram dessa peça, Ésquilo dá, ara Helena, a mesma raiz do verbo grego que significa tomar ou possuir. Já Mário da Gama Kury, em sua tradução desta tragédia para o português, anota o seguinte: “Ésquilo supõe a etimologia helein naus para o nome Helena, que significaria a destruidora de naus”.
(SOUZA, 2001, p. 175)
E para confirmar essa afirmação Souza, cita os versos do coro do poema de Ésquilo:
Então, quem, se não um ser invisível
com sua presciência,
poderia juntar com tanta verdade
a linguagem e o destino,de homens,
para dar nome a essa esposa da guerra
e da desarmonia,
a essa parente das lanças,
a essa mulher por dois disputada,
Helena, a possuidora?
Foi ele quem disse:
possuidora de naus,
conquistadora de homens,
destruidora de cidades.
Deixando véus e bens preciosos,
navegou ao sopro do Zéfiro,
com seus ventos gigantescos.
E inúmeros homens portando escudos
saíram a caçar o sinal fugidio dos remos,
até às margens folhadas do Simóis,
por causa da sangrenta discórdia
(ÉSQUILO, 1969 apud SOUZA, 2001, p. 176)
Explica o escritor que motivo da abordagem sobre o nome é porque para os gregos, os nomes próprios tinham uma importância enorme, eram definidores de uma característica física, espiritual ou hierárquica. Esses nomes eram atribuídos muito tempo depois do nascimento.
E o nome dos filhos sempre estavam relacionados com o do pai, jamais com o da mãe, natural para aquela época em que as mulheres não participavam da organização social, como tantos outros, entre os excluídos.
Assim analisado o nome de Helena, o autor narra a origem de Helena, filha de mortal e imortal. Zeus era insaciável sexualmente, conta o autor que o deus fazia qualquer coisa para ter a mulher que desejava, fosse ela deusa ou mortal, ele teve vários casos. Mas os dois casos que nos interessa foi o que deram origem a Afrodite e Helena.
Zeus teve um caso de amor com Dione, uma das Titânidas. Dessa união nasceu-lhe uma filha, Afrodite, “a deusa dourada” do amor, a mesma Vênus para os romanos, mãe de Eros, também deus do amor. Em outra versão, diz que Afrodite surgiu das ondas do mar, sobre as quais se espalhou o esperma de Urano, quando este teve sua genitália cortada por Cronos, pela disputa entre o poder entre os deuses primitivos. Quando nasceu a deusa foi levada pelos ventos para Cítera e, em seguida para Chipre.
Já com Nêmesis, as coisas foram mais complicadas, ela era ao mesmo tempo divindade e mulher, duplamente dotada de poderes. Mas Zeus não desistiu. Para escapar, Nêmesis tomou mil formas diferentes e uma delas foi transformar-se em uma gansa. Zeus pra não provocar ciúmes a sua esposa Hera, então ele virou cisne e cobriu a divindade. Nêmesis pôs um enorme ovo, recolhidos por camponeses e depois levados a Leda. Leda ficou encantada quando viu Helena surgir do ovo e criou-a como filha.
Outra versão, diz que foi mesmo Leda que, possuída por Zeus em forma de cisne, pôs um ovo do qual saíram os dois pares de filhos: Pólux e Clitemnestra; Helena e Castor.
O autor diz que o importante não é se foi real, ficção ou lenda e sim que Helena sobreviveu e chegou até os dias de hoje. Não há relatos de alguém que a tivesse conhecido, o que parece que ela tenha vivido apenas no plano imaginário e assim se eternizou, com a ajuda dos poetas, dos historiadores e das histórias preservadas pelo povo, quem teria sido e como teria sido Helena.
Vaidosa e orgulhosa, Helena demonstrava cuidado excessivo à sua beleza. Ao oferecer os seus cabelos à alma da irmã, Clitemnestra, ela toma alguns cuidados que Electra percebe, na obra Orestes:
Vocês viram: ela cortou apenas a ponta dos cabelos,
para deixar a sua beleza intocada.
Continua a ser mulher que sempre foi!
Que a ira dos deuses caia sobre ti,
por culpa de quem eu, meu irmão
e toda Grécia se perdemos.
(EURÍPEDES, 1962 apud SOUZA, 2001, p. 190)
Hélène de Monsacré, citada pelo autor no livro, mostra seu ponto de vista feminino:
Parece, pois, que a ocultação do corpo da mulher deva ser considerado um traço relevante da Ilíada e um dos grandes paradoxos do poema. A guerra de Tróia só existiu por causa de Helena, a mais bela mulher do mundo. Mas essa mulher jamais é absolutamente descrita; a sua beleza é, exclusivamente, afirmada, jamais explicitada. Ela sempre nos aparece sob longos véus. Não haveria aí a marca profunda de uma ideologia masculina, que só atribui a excelência ao homem, tanto às suas aptidões quanto ao seu corpo, o único digno de ser evocado?
(MONSACRÉ, 1984 apud SOUZA, 2001, p. 190)
De um temperamento brando, diz Souza, era capaz de reagir com altivez e irritação a quem quisesse subjugá-la ou manipulá-la, fosse um simples mortal ou uma poderosa deusa. Helena seduzia naturalmente os homens, sem se dar conta de que fosse tão irresistivelmente forte seu poder de atração.
Mas ela se amedrontava diante de uma divindade, por exemplo quando Afrodite, em Tróia, manda que ela vá ter com Páris em seu quarto de dormir, Helena que estava desencantada do marido, responde em tom arrogante e agressivo:
Vá para perto de Páris, renuncie o caminho dos deuses, não volte mais ao Olimpo; console-o sem parar, proteja-o, até que lhe faça de ti sua mulher ou sua escrava. Por mim eu não irei – isto seria indigno – arrumar e compartilhar a sua cama. Todos os troianos, pelas minhas costas, me recriminam. E eu já tenho, em meu coração, dores infinitas. (HOMERO, 1996 apud SOUZA, 2001, p.181)
O autor mostra que a deusa tem que recorrer às ameaças e violências verbais para que Helena a obedeça: “Ela disse e amedrontou Helena, filha de Zeus, Ela foi, abaixando o seu véu de uma alvura fulgurante, em silêncio. E nenhuma troiana a viu partir. Diante dela, caminhava a divindade”. (ibid, p.181).
Na Ilíada, Helena e todas as mulheres, segundo Souza, têm participação periféricas, decisivas para a eclosão e o desenvolvimento da trama. É por causa de Helena que a guerra é declarada, assim como por causa Criseis e Briseis, capturadas durante a guerra por Agamenon e Aquiles, também motivo da desavença entre ele e o afastamento de Aquiles em algumas batalhas.
Há mulheres que têm participação periférica, tanto quanto muitos homens. As principais, porém, como Helena e Penélope à frente, estão sempre no centro ou na origem dos acontecimentos, embora não apareçam com a mesma freqüência e o mesmo destaque dos grandes heróis masculinos.
Por isso, tanto na Ilíada quanto na Odisséia, Helena não aparece muitas vezes, mas, quando surge, tem o poder de deflagrar um acontecimento. As suas ausências intrigam. A grandeza de seu porte e a beleza divina de suas formas torna-se apaixonante mistério. É impressionante, esclarece Souza, que Helena tenha conseguido fascinar, estimular e até desagradar, ao longo de três mil anos, praticamente os grandes poetas e dramaturgos depois de Homero.
Assim como os latinos, Horácio e Virgílio, tratam-na com malvada ironia, mas para Teócrito, nos Idílios, ela é uma deusa do amor. Os poetas líricos gregos, como Íbicos e Alceu, a ela se referem com carinho e respeito, especialmente Safo de Lesbos exalta em Helena sua corajosa capacidade de amar sobre todas as coisas, como se lê na tradução inglesa de Diane J. Rayor:
...Helen, far surpassing
the beauty of mortals, leaving behind
the best man of all,
sailed away to Troy…
(…Helena, de beleza tão superior
à das mortais, desprezou
o melhor dos homens
e navegou para Tróia).
(RAYOR, 1995, apud Souza, 2001, p. 182)
O autor ainda cita Malherbe que considera Helena o símbolo da beleza incomparável. La Fontaine não faz por menos e a chama de “a maravilha do mundo”, embora em outra passagem a ela se refira como “Helena de coração leviano”. Ela está em Christopher Marlowe e principalmente, em Goethe, que lhe confere a dimensão de beleza triunfal. Edgar Allan Poe dedica-lhe dois magníficos poemas.
“Helen, try bauty is to me
like those Nicéan barks of yore,
that gently, o’er a perfumed sea,
the weary, way-worn wanderer bore
to his own native shore.
On desperate seas long wont to roam
thy hyacinth hair, thy classical face,
thy naiad airs have brought me home
to the glory that was Greece,
and the grandeur that was Rome.
(Tua beleza, Helena, faz pensar
nesses barcos de Nice que, por mar
perfumado, levavam, docemente,
outrora, o viajor cansado e doente
ao seu nativo lar.
Quanto oceano sulquei, desesperado!
E em teu nobre perfil, na flava coma,
no encanto pela náiade imitado
volto à Grécia gloriosa do passado
e ao esplendor de Roma)
(POE, 1995, apud Souza, 2001, p. 184)
Conclui o autor, que em Homero, Helena age de uma maneira empreendedora. Entretanto em Eurípedes, nas troianas, o seu único momento vigoroso é o da autodefesa dos erros e crimes que lhe são imputados. Mas os argumentos que ela usa não são convincentes nem verdadeiros. Um dele que o autor cita é o de que tentou fugir de Tróia várias vezes, para chegar aos barcos gregos, depois da morte de Páris, Porém é imediatamente desfeito por Hécuba, até porque Eurípedes é muito mais talentoso e convincente como advogado de acusação do que de defesa:
E vens agora falar das cordas que puseste nas muralhas,
para te evadires, como se fosse mantida em Tróia contra tua vontade. (...)
No entanto, quantas vezes eu te adverti:
‘Minha filha, é preciso partir. Deixe meu filho ter outras mulheres.
Eu te ajudarei a chegar aos barcos sem ninguém saber.
Acabe essa guerra entre os gregos e nós’
Minhas palavras te feriam.
O palácio de Páris agradava seu orgulho.
(EURÍPEDES, 1962 apud SOUZA, 2001, p. 185)
O autor relata que essa cena trata de um “verdadeiro julgamento que se parece com os dias de hoje.” Esclarece ele, Helena é a ré que faz sua própria defesa. Hécuba se encarrega da acusação, como boa promotora. E cabe a Menelau o papel de juiz. Ao perceber que o ex-marido viera à sua procura para matá-la, Helena pede-lhe que, antes de condená-la à morte, ouça os argumentos que ela tem para inocentar-se.
Os argumentos que ela usa são os seguintes: a primeira culpada de todos os males seria Hécuba por ter gerado Páris, a segunda seria a escrava que o amamentou e que o fez sobreviver, apesar das más profecias dos adivinhos entre eles, sua irmã Cassandra; em seguida seriam as deusas que por ordem de Zeus, procuraram Páris para que este disseste qual delas era a mais bela, cada qual prometendo-lhe, se eleita, grandes conquistas
Páris devia julgar as três deusas.
Palas propunha-lhe, em recompensa,
conquistar a Grécia com as tropas frigias.
Hera prometia-lhe, se quisesse escolhê-la,
os reinos da Ásia e da Europa.
Cipris [Afrodite], valorizou a minha beleza,
que seria dele, disse ela, se recebesse a vitória.
(ibid, p.185)
O culpado seguinte argumenta Helena, seria o próprio Menelau, que a deixou em casa na companhia de um homem, Páris, comandado pela própria Afrodite. Em seguida, Helena pergunta com que direito o seu marido, sendo homem justo, poderia matá-la, uma vez que ela tinha se unido a Páris pela força da deusa e que, longe de sua casa e longe de ser uma vitoriosa, não passava de uma pobre escrava.
O autor conclui dizendo que Eurípedes não aceitava esse determinismo de comportamento imposto pelos deuses, conforme a tradição homérica. E ele não se satisfaz com a ideia de que Helena ou qualquer outra mulher estivesse tão completamente à mercê dos caprichos divinos. Por isso, o poeta “escolheu Hécuba, a rainha bárbara, para opor a esse fatalismo a doutrina da responsabilidade humana” diz Souza.
O papel de Homero atribui aos deuses é uma derrisão. O que Helena chama de o poder de Afrodite não é mais do que sua própria aphrosyné, isto é, a euforia desmesurada que implica a perda da razão e dos sentidos, ao ver chegar em sua pequena corte de Esparta o belo e magnífico príncipe da Ásia.
(ibid, p.185)
Contudo, esclarece ele que a mensagem de Eurípedes fica clara. Hécuba começa dizendo que ali estava para defender os deuses e que se dispõe a tornar evidente as mentiras de Helena. A estrutura formal de seu ataque muito se parece com a da defesa:
Onde Hera, a deusa, buscaria
um tal ardor de parecer bela?
Desejaria ela um esposo superior a Zeus?
Palas Atená sonharia com algum dos deuses em seu leito
ela que convenceu seu pai a deixá-la virgem,
tanto o sexo a desagradava? (...)
Meu filho era belo e o teu coração,
ao vê-lo, fez-se de Afrodite,
porque são aos seus desejos desenfreados
que os humanos chamam de Afrodite.
(ibid, p.185)
Ainda insiste Hécuba, que Helena se deixou levar pela vaidade, pela ambição, pelo despudor:
Pois tu vivias mal em teu Pelopenoso.
Ao trocar Esparta pela cidade dos frígios,
onde a riqueza era farta. E contavas dar-te o luxo
em quantidade, enquanto que a casa de Menelau
não tinha como satisfazer teus gostos impudentes. (...)
Quanto te anunciavam algum sucesso de Menelau,
tu te envaidecias, para atormentar meu filho
e fazê-lo pensar que o seu grande amor
tinha um valoroso rival.
(ibid, p.185)
Mostra o autor que a beleza de Helena falou mais alto e mais forte do que os argumentos e a eloquência de Hécuba. Menelau, também possuído pelo mesmo tipo de paixão cega, absolveu-a.
Mesmo que tivesse desejado fugir, o que era possível, mas não provável, Helena não teria conseguido. Assim que Páris morreu, um de seus irmãos, Deífobo, correu até a casa de Páris, nos aposentos de Helena e fez dela prisioneira e mulher, fato referido por Eurípedes, nas troianas, quando ela insiste em dizer que tentou fugir de Tróia, mas...
...um novo marido me tomou à força,
Deífobo que me queria no seu leito
para despeito e inveja dos troianos.
(ibid, p.185)
Com base em um relato de Dicto, Robert Graves, citado no livro pelo autor, conta-nos que depois da morte de Páris, Helena foi, mais uma vez, o pomo da discórdia, com sua beleza continuou despertando a cobiça e a desavença entre homens e irmãos. Dois dos filhos de Príamo, Heleno e Deífobo queriam casar-se com Helena, o rei decidiu que Deífobo era mais merecedor por ter-se destacado em combates.
Segundo uma imaginosa versão, diz o escritor, Deífobo não foi o último dos heróis envolvidos na guerra a apaixonar-se por Helena. Depois dele foi a vez de Aquiles, que se uniu a ela primeiramente em um sonho preparado por sua mãe Tétis, pouco antes de a flecha mortal atingir seu calcanhar. Aquiles queria ver, pelo menos uma vez, a mulher que era a causa de ele estar metido naquela guerra que parecia infindável. Tétis atendeu às suas súplicas e lhe mostrou Helena, no alto da muralha de Tróia. Bastou vê-la para que Aquiles ficasse perdido de amor. Conforme a lenda, ele uniu-se a ela e foi seu quinto marido, o Pemptos (o quinto) como era chamado em Creta.
Cláudio Mello declara que Eurípedes foi o primeiro dos grandes poetas trágicos a fazer uma avaliação crítica dos conceitos, ate então inquestionáveis, de culpa e responsabilidade das pessoas, especialmente das mulheres, questões tão fechadas como o adultério, daí explicar-se o fato de ele não ter feito o menor sucesso com o publico na sua época.
Helena, em as troianas, ao negar a seu marido Menelau o direito de condená-la à morte por ter se apaixonado por Páris, cometendo adultério por inspiração e vontade de Afrodite. Por isso, recusa-se a aceitar que os ímpetos do amor devam gerar um sentimento de culpa, mesmo que seja motivo de um comportamento condenado pela sociedade.
Helena era também a personificação do amor sexual, não poderia ser de outro feitio a escolhida de Afrodite. Se errou, foi porque Afrodite e Eros, nela se manifestaram de forma incontrolável; foi pela vontade dos deuses ou por imposição do destino, o que ela não se cansa de dizer nos textos de Homero Eurípedes, explica o autor.
Também cita o famoso orador siciliano Górgias, que viveu entre os séculos V e IV, foi muito admirado pelos gregos e não deixou de fazer seu elogio à Helena:
Foram tantos os caprichos da sorte e o juízo dos deuses quanto as imposições da necessidade que a obrigaram a fazer o que ela fez; ou carregada à força, ou persuadida pelos argumentos, ou tomada pela paixão. No primeiro caso, os que acusam devem ser acusados, porque é impossível à prudência humana esquivar-se dos desígnios de um deus; porque é da lei da natureza não que o mais forte seja iludido pelo mais fraco, mas sim que o mais fraco seja dominado e guiado pelo mais forte. (DOVER, 1989 apud SOUZA, 2001, p. 190)
O Casamento de Helena
Conta o autor, que quando Helena se fez moça, seu pai Tíndaro decidiu casá-la. Apresentaram-se inúmeros pretendentes, todos príncipes gregos. Alguns mitológicos disseram que foi 24 outros que chegou a 99 pretendentes. O único que não pode se candidatar, pela pouca idade, foi Aquiles.
Com isso, Tíndaro ficou sem saber o que fazer. Temia que escolhendo um, provocasse a ira dos demais e os levasse a uma guerra. Pediu ajuda ao engenhoso Ulisses, o qual sugeriu-lhe propor aos pretendentes que aceitassem a escolha pessoal de Helena, garantissem a posse do eleito e jurassem socorrê-lo em caso de discórdia. Porém, Ulisses pediu em troca que, Tíndaro intercedesse junto a seu irmão, Icário , para que este lhe desse a filha Penélope como esposa.
Menelau era um dos mais prósperos entre os aqueus. Além disso, explica Souza, estava representado em Esparta, por seu irmão Agamênon, já então genro de Tíndaro por estar casado com Clitemnestra, irmã de Helena. Ao conceder à Helena o poder de escolha, contrariam o costume e a cultura da época, que conferiam ao pai, e não à filha, o poder e a responsabilidade de escolher com quem deveria ser o seu futuro genro. Mas aí como em outros momentos é que se destaca que Helena desconhece convenções e acabou impondo sua vontade.
O casamento era mais parecido com uma tratativa comercial e, mais ainda, com um acordo político, a união de duas casas.
Assim, Tíndaro acatou os desejos e as preferências de Helena, abriu uma exceção para uma mulher que ele sabia ou suspeitava ser também uma exceção.
O autor cita Évelyne Schied-Tissinier, a qual esclarece o que vem a ser uma união legitima. Segundo ela, e o tipo de união em que a esposa não se tornasse em objeto de rapto nem de uma transação comercial, mas que fosse livremente dada pelo seu pai ao futuro esposo, em troca de serviços e presentes. Acrescenta Claude Mossé:
A tradição exigia que o pretendente oferecesse determinados presentes, os hedna, ao pai da mulher que desejava possuir. Entre os diversos pretendentes, era normalmente àqueles cujos hedna fossem mais valiosos que o pai costumava entregar sua filha. Porém, ao contrário, do que por vezes se tem dito, não se tratava, nesse caso, de um casamento tipo compra, como em certas sociedades ditas primitivas. Na verdade, o pretendente não comprava uma esposa; buscava antes estabelecer uma aliança com um homem poderoso, razão pela qual os hedna se incluíam na pratica das trocas das oferendas. E isto é tanto mais verdade quanto é certo que, quando um pai dava a sua filha sem ter recebido quaisquer hedna, isso significava apenas que ele esperava de seu futuro genro a contrapartida de um determinado serviço.(MOSSÉ, 1998 apud SOUZA, 2001, p. 197)
Segundo Robert Graves, Tíndaro aceitou a proposta de Ulisses e, em seguida, sacrificou um cavalo, esquartejou-o e reuniu os pretendentes diante dos pedaços ensangüentados, pedindo-lhes que fizessem o juramento de solidariedade. Feito o juramento, Tíndaro mandou que se enterrassem os pedaços do animal sacrificado em um local conhecido, até hoje como a Tumba do cavalo.
O Belo Páris
Conta Souza, que o rei Peleu da Ftia, na Tessália, estava perdido de amores pela Tétis, a mais celebre de todas as Nereidas. Por ela estavam apaixonados além de Peleu, os deuses Zeus e Poseidon. Quando os deuses souberam por Prometeu que o filho de Tétis seria mais poderoso que o pai, por assim decidir o destino. Eles resolveram se afastar e fazê-la casar com um simples mortal, Peleu, o qual ele sentia indisfarçável repulsa física.
A divindade tinha poderes de disfarçar-se do que bem quisesse, foi o que fez para escapar das carícias de Peleu, ela tomava forma de fogo, água, vento, pássaros, tigres, tentou de tudo para escapar, mas Peleu aconselhado por Centauro, conseguiu segurá-la fortemente até que ela voltou a forma normal, e assim dominou a divindade e obrigou-a a casar-se com ele. Dessa união nasceria Aquiles.
Para celebrar o casamento houve festa no Olimpo, em que todos os deuses compareceram, exceto Éris, a discórdia ficou ressentida por não ter sido convidada, e lá deixou a maçã de ouro para ser dada à mais bela de três deusas: Hera, Atena e Afrodite. Ninguém teve a coragem de subjugá-las, por saber que as derrotadas iriam se vingar. O autor para a história por aí, para narrar o nascimento de Páris e fazer a ligação entre as histórias.
Pouco antes de Hécuba dar a luz à Páris sonhos que estava parindo uma tocha de fogo que queimava toda a cidade. Príamo pediu a um de seus filhos, Ésaco, a explicação do sonho, pois ele tinha dons de profecia, e com isso disse que a criança traria a ruína de Tróia e aconselhou que a matassem.
Em vez disso, o rei decidiu abandoná-lo no Monte Ida, por sugestão de Hécuba. Os pastores da região o acharam e deram o nome de Alexandre, que tem por significado o protegido ou o que protege.
Certa vez, conta o autor, os servidores de Príamo foram escolher um touro do rebanho cuidado por Páris, para ser o prêmio dos jogos fúnebres, realizado pelo rei em honra do seu filho supostamente morto, Páris. O rapaz decidiu segui-los e participar dos jogos para recuperar o animal do qual muito se afeiçoava.
Venceu as batalhas, inclusive dos seus irmãos, que não sabiam quem ele era. Um deles, Deífobo, zangou-se com o estranho e puxou a espada para matá-lo, Páris correu e refugiou-se no altar de Zeus. Foi quando sua irmã Cassandra, a profetisa, o reconheceu e anunciou a volta do irmão que traria a ruína de Tróia. Príamo desprezou as previsões, acolhendo o filho na casa real.
Páris era casado com Enone, que também tinha poderes de adivinha e artes de feiticeira, a qual lhe deu um filho. Eles levavam uma vida sem cuidados nem temores, até o dia do casamento de Tétis e Peleu, citado à cima. Zeus para não resolver o problema criado por Éris, encarregou Hermes, o mensageiro de localizar Páris e levar as Três deusas, para que ele escolhesse a mais bela.
Entretanto, antes de se apresentarem a ele, elas prepararam-se cuidadosamente. Mostrado através do coro, em Andrômaca, de Eurípedes:
Por entre as folhagens,
banharam seus corpos brilhantes nas fontes da montanha
e vieram encontrar o filho de Príamo,
vangloriando-se, confrontando-se, vaidosamente.
Cipreis venceu por suas propostas enganosas,
música para os ouvidos, morte e ruína atroz
para a infeliz cidade dos frígios
e para as muralhas de Tróia.
(EURÍPEDES, 1962 apud SOUZA, 2001, p. 199)
Ao ver as divindades e tomar conhecimento de sua missão, a reação de Páris foi a de fugir e se esconder, mas Hermes convenceu-o a obedecer a ordem de Zeus.
As deusas então fizeram as suas promessas. Hera se fosse à escolhida, dar-lhe-ia todo o império da Ásia; Atená garantiu-lhe a sabedoria e a vitória nos combates; Afrodite assegurou-lhe a posse de Helena, a qual Páris jamais tinha visto, mas que sabia que era a mulher mais bonita do mundo. Com isso, ele imediatamente anunciou a vitoria de Afrodite, provocando os ciúmes de Hera e Atená. Feito o anuncio entregou-lhe a maçã de ouro, que tantas desavenças trágicas iria causar entre homens e deuses, destaca autor, vem daí a expressão “pomo da discórdia”
A lenda mais antiga diz que, chegando em Esparta, Páris acompanhado de Enéias, foi recebido pelos irmão de Helena que o encaminharam ao palácio de Menelau, em que recebeu os dois troianos festivamente e os honrou com nove dias de festa.
Depois Menelau viajou a Creta, para assistir aos funerais de seu avô Catreu. Deixou para Helena os deveres de cortesia com Páris e sua comitiva, e mais ainda as responsabilidades de governar Esparta. Helena não esperou o dia seguinte, inflamada por Afrodite e abrasada por Eros, abandonou quase tudo inclusive a filha de nove anos Hermione, que acabou sendo criada por Clitemnestra no reino de Agamênon, em Micenas.
Fugiu com Páris, carregando jóias e tesouros, para um casamento lamentável. O casal foi muito bem recebido por Príamo, o que acolheu com alegria e festas, desprezando as advertências de Cassandra e seu irmão Heleno, que previam a destruição de Tróia por causa do comportamento de Páris, que desagradava os deuses.
Explica Souza, que Páris mesmo sendo de visão curta, jamais poderia imaginar que o rapto de Helena acarretaria dez anos de guerra. Apesar do fato dele não usar a força para submeter Helena, houve o fato do rapto, que se caracteriza tanto pela violência quanto pela sedução. Só que Helena parece ter consentido nas carícias de Páris, e foi-se embora com ele. Isso não implicou imediatamente a guerra de Tróia.
Entretanto, Menelau era perdidamente apaixonado pela sua esposa, que ficou furioso por ela ter o abandonado. Tanto ou mais que isso, irritou-o o desrespeito de Páris as leis severas da hospitalidade, que eram impostas por Zeus. Fica clara a explicação do autor através dos versos de Ésquilo, em Agamênon, tradução feita por Mário da Gama Kury:
...a ruína é o fim de todos os culpados.
Assim agiu outrora o belo Páris;
bem acolhido pelos dois Atridas,
ignobilmente desonrou um lar,
raptando uma mulher presa por núpcias.
(ESQUILO, 1967 apud SOUZA, 2001, p. 208)
Mesmo furioso, Menelau tentou primeiro uma negociação pacífica, para reaver a mulher e os tesouros levados por ela. Chegou a ir duas vezes em embaixada de paz, com Palamedes e Ulisses, mas não tiveram êxito.
Diante das recusas de Páris, Menelau recorreu a Agamênon, que reuniu os gregos, e então a guerra se tornou inevitável.
Mas, segundo Heródoto, o que Páris e os lideres troianos disseram aos embaixadores foi que eles não poderiam devolver Helena, porque ela não estava em Tróia naquele momento, mas sim no reino de Proteu, no Egito.
Porém, esclarece o autor, como que os gregos iriam acreditar que o que Páris diziam era verdade, já que o próprio tinha desrespeitado as leis de hospitalidades e raptado uma mulher casada. É muito provável também que Menelau estivesse interessado em se apossar da cidade, a qual tinha grande importância comercial. Explica Robert Graves:
A Guerra de Tróia é histórica e foi uma guerra comercial, qualquer que possa ter sido a sua causa imediata. Tróia controlava, no mar Egeu, o preciosíssimo comércio de ouro, prata, ferro, cinabre, madeira para construção naval, linho, cânhamo, peixe seco, azeite e jade da China. Com a queda de Tróia, os gregos puderam, finalmente, instalar colônias ao longo de toda a rota comercial do oriente... (GRAVES, 1992 apud SOUZA, 2001, p. 211)
A conquista de Helena, portanto, todas as características de uma expedição pirata, de expansão territorial e econômica.
O comportamento de Páris durante a guerra, mostra o autor, foi muito pouco heróico. No canto III da Ilíada, ele aparece marchando entre os troianos, com alegria juvenil de quem vai participar de um folguedo, concitando os argivos a uma luta terrível, mas quando vê Menelau vindo em sua direção, Páris sente tremer as pernas e foge. E depois ouve o seguinte de Heitor:
Péssimo Páris, tão belo de ver, louco por mulheres, lançador de aguilhoes. Ah! Melhor fosse impotente, melhor não tivesse te casado, sim, eu preferiria; seria melhor do que te transformares em motivo de vergonha, olhado pelos outros com desprezo (...) Não és forte de espírito, nem tens coragem (...) Saberás de que tipo de homem tiraste a mulher em flor. De nada te servirão a cítara, os dons de Afrodite, esses cabelos e essa beleza, quando virares pó.
(HOMERO, 1996 apud SOUZA, 2001, p. 199)
Assim como foi destratado pelo irmão também foi pela esposa. Helena no último ano da guerra, já não o suportava. Quando se vê obrigada por Afrodite a ir ao quarto e a fazer amor com Páris, ela obedece, mas critica o marido:
Abandonaste a batalha. Por que não morreste nas mãos do homem robusto que foi meu primeiro marido. Antes, tu te vangloriavas de poder vencer Menelau, querido de Ares, por tua força, tua mão, tua lança. Vá então desafiar Menelau, amado de Ares, para um novo combate, frente a frente. Não, tu não vais e eu te aconselho não enfrentares o louro Menelau em combate desigual, tens medo de ser morto pela sua lança. (ibid, p.213)
Contudo, o autor destaca que é por amor a Helena que Páris dá uma surpreendente prova de sua capacidade indignar-se e de contestar as autoridades troianas. No canto VII, da Ilíada, depois do combate entre Ajax e Heitor, em assembléia Antenor propõe devolver Helena e seus tesouros à Menelau. Com bravura Páris levanta-se e reponde:
Antenor, tu me desagradas falando assim. Sabias, antigamente, dar conselhos melhores. Se, na verdade, tu falas sério, é certo que os deuses tiraram-te o senso. Falarei então aos troianos, domadores de cavalos. Eu lhes, direi frente a frente que eu não devolverei essa mulher. Quanto aos bens que trouxe de Argos para o meu palácio, aceito desfazer-me deles e até acrescentar-lhes muitos outros que me pertencem. (ibid, p.214)
Sugere Príamo uma boa noite de sono, e que essa proposta seja levada pela manhã aos Atridas, que a recusam. Mas a posição de Páris foi respeitada pelos troianos.
Entretanto, mostra Souza, que Heitor faz uma proposta a Páris, para ele aceitar um combate com Menelau, assim colocando fim a guerra, o qual ganhasse ficaria com Helena e os tesouros. Essa proposta também é aceita pelos Atridas, Agamênon e Menelau. Mas enquanto os homens preparavam a paz, os deuses em assembléia no Olimpo, decidem pela guerra, instigados por Hera.
Eu te concedo a ruína de Tróia por minha vontade, mas contra o meu desejo. Entre todas as cidades que, sob o sol e o céu estrelado, habitam, numerosos, os homens da terra, mais que todas um coração estimavam a santa Ílion, Príamo e o povo de Príamo de forte lança. (ibid, p.215)
Hera, que jamais perdoou Páris por ele ter dado a maçã a afrodite, determina então que Atená, também sua companheira de derrota, instigue os troianos as hostilidades, para tentar contra os gregos. Páris incitado por Apolo, depois de acertar alguns guerreiros gregos, voltasse contra Aquiles. “e, tendo falado, desvia o arco na direção do filho de Peleu e o ferro da flecha atinge o calcanhar direito” (OVÍDIO, 1990 apud SOUZA, 2001, p. 216)
Páris teve um triste fim, comenta o escritor, que o guerreiro ferido em combate por uma flecha acertada por Filoctetes foi pedir ajuda a sua ex-mulher Enone, que tinha o dom de curar a qual tinha prometido apesar da traição ajudar o marido infiel, no caso de acontecer algo muito grave. Porém ela recusou-se a salvá-lo. Mais tarde arrependeu-se por ver Páris morto, e também se mata enforcada, outras versões dizem que ela joga-se em cima de uma pira em chamas. No Ajax, de Sófocles, o coro comenta:
Tomara sumisse no éter imenso
ou no Hades que todos recebe, o homem
que deu a conhecer aos gregos
o flagelo mútuo das armas odiosas.
(SÓFOCLES, 1964 apud SOUZA, 2001, p. 216)
Menelau
Segundo o autor, Menelau era louro, olhos azuis, com o buço da adolescência no rosto e os pés bem torneados. Helena lhe deu uma filha, Hermione. “...a helena, os deuses não permitiram outra descendência, depois que, no primeiro parto, deu à luz a amável filha Hermione, de beleza igual a da dourada Afrodite.”(HOMERO, 1996 apud SOUZA, 2001, p. 213)
Homem delicado, meio infantil e extremamente afável, Menelau era muito querido por todos. Como guerreiro, porém, era tratado com desconfiança e um certo desprezo tanto pelos troianos quanto pelos gregos. Mostrava-se inseguro e dependente do seu irmão, Agamênon. Acrescenta Souza, que nenhum guerreiro troiano tinha coragem de enfrentá-lo.
O mais impressionante em Menelau é a firmeza de seu amor por Helena, a quem se manteve fiel, sem jamais ter procurado consolo em outra. Quando helena foge com Páris, para Tróia, Menelau sofre e delira de saudades, como é mostrado em Agamênon, de Ésquilo, tradução de Mário Gama Kury:
Ai do Palácio! Ai palácios e príncipes!
Ai do vazio leito do marido
marcado ainda pelo corpo amado!
Silencioso e só, entregue à dor,
ferido em seu orgulho um homem sofre,
aniquilado, sem poder queixar-se.
Sente saudade atroz, angustiante,
da esposa que se foi de mar afora;
a imagem dela ainda povoa a casa;
e mesmo a graça dos adornos belos,
agora se afigura detestável;
foi-se com ela o atrativo deles.
Em sonhos, o marido solitário
é visitado por visões fugazes
que só lhe trazem alegrias vãs,
pois mal se mostram já se desvanecem (...)
Apenas a saudade permanece
constante e Ada vez mais forte.
(ÉSQUILO, 1967 apud SOUZA, 2001, p.219)
Destaca Claudio, que Homero trata Menelau com piedosa generosidade, chegando mesmo a dizer que ele era “célebre por sua lança”. Ésquilo, por sua vez, se enternece com os males do amor. Mas Eurípedes, em Helena e Sófocles, no Ajax, mostra um Menelau humilhado, frágil, desonesto e quase ridículo. É envolvido em problemas, com os quais só consegue se livrar com ajuda de Helena. Isso fica claro em Andrômaca, de Eurípedes que faz um longo discurso de Peleu, pai de Aquiles, retratos desprimorosos de Menelau e Helena:
Tu te tomas por um homem, covarde filho de criminosos?
Quem se lembra de ti, na hora de contar os bravos?
Tu que deixaste tua mulher ser levada por um frígio?
Na casa sem fechos nem guardas e o senhor ausente
como se tivesse lá dentro uma mulher pudica,
mas era a pior das debochadas. Mas ela, filha de Esparta
queria que assim fosse; não poderia ser bem-comportada
quem viveu entre rapazes, sempre fora de casa, coxas nuas,
roupas ao vento,a correr e a lutar ao lado deles, espetáculo intolerável!
(EURÍPEDES, 1962 apud SOUZA, 2001, p.220)
Conclui o autor, por ter casado com Helena, Menelau sempre foi protegido por Homero e pelos deuses. Assim como é mostrado no cano IV da Odisséia, quando Proteu, lhe assegura o retorno para casa, em Esparta e um fim de vida que só pode ser comparada ao dos semideuses, para aliviá-lo dos sofrimentos em Tróia:
Mas tu, Menelau querido de Zeus, os deuses não te destinaram a morrer em Argos, alimentadora de cavalos; não, os imortais te levarão para as planícies elísias, para as lindas terras onde está o louro Radamanto, onde a vida dos homens é mais fácil; lá jamais há inverno rigoroso, nem chuva; lá, as brisas de Zéfiro do sopro claro, enviados por Oceano, refrescam os homens. Porque tu és o marido de Helena e genro de Zeus. (HOMERO, 1996 apud SOUZA, 2001, p.220)
Saque em Tróia
Destaca o autor, a versão de Ovídio, Helena não submeteu-se, passivamente aos caprichos de Páris. Ela encantou-se com ele, mas com ele argumentou sensatamente, e esclarece ainda que os artistas a representavam com adúltera, não há diferença se ela errou por culpa dos deuses ou do destino. Ela é culpada isso que importa.
Ela tinha receio de sair às ruas não só por causa do adultério, mas também por ser acusada de responsável pela morte de tantos guerreiros. Tanto que para tirá-la de Tróia, Menelau decide esperar pela noite.
A indeterminação do comportamento dela, diz Souza, inquieta os aqueus, que desconfiam de sua lealdade, e indigna os troianos, que descobrem boas razões para crer que ela os traía. No canto IV, da Odisséia, ela relembra que Ulisses entrou em Tróia como espião, depois de desfigurar-se e cobrir-se de andrajos, a fim de não ser identificado. Ela diz:
Com esse aspecto, entrou na cidade dos troianos e nenhum deles o percebeu; só eu o reconheci sob o disfarce e interroguei-o, mas ele, com sua esperteza, tentou confundir-me. Quando, enfim, eu obanhei, passei-lhe óleo no corpo e o vesti com um manto, jurei solenemente não revelar aos troianos quem era ele, antes que chegasse aos barcos ligeiros e às tendas. Então, contou-me todos os planos dos aqueus e, depois de matar numerosos troianos com o seu fino bronze, voltou para junto dos argivos cm muitas informações. E as mulheres troianas lançaram agudas lamentações, mas eu me senti feliz. (HOMERO, 1996 apud SOUZA, 2001, p.222)
Sob a tensão do cerco à Tróia e pouco antes da queda da cidade, o ambiente no palácio de Príamo estava insuportável, conta o autor, as discussões entre os filhos dele estavam insustentáveis, a tal ponto que Príamo instruiu Antenor para que negociasse a paz com Agamênon.
Já no acampamento grego e movido pelo ódio que sentia por Deífobo, por causa de Helena, Antenor concordou em dizer como o Palácio poderia ser encontrado, provocando assim a queda de Tróia. Assegurou ainda que Agamênon poderia contar com a cumplicidade de Enéias. Foi quando Ulisses teve a ideia de se disfarçar e entrar em Tróia, onde foi reconhecido por Helena. Entretanto a persuasão de Ulisses foi mais forte que o poder de sedução de Helena.
Contudo, Hécuba entra em cena e vê Ulisses, o qual se atira aos pés da rainha, rogando-lhe que não o denuncie. È exatamente o que ela lhe recorda mais tarde, quando se torna escrava dos aqueus, depois da derrota dos troianos.
Tu te lembras do dia em que vieste a Tróia, para te informares? (...)
Que Helena te reconheceu e o disse a mim somente? (...)
E que, humildemente, me tocaste os joelhos? (...)
E que eu te salvei e te deixei partir? (...)
Naquele momento em que eras meu escravo, o que me disseste?
(EURÍPEDES, 1962 apud SOUZA, 2001, p. 229)
E com ar de cinismo ele responde “tudo quanto se pode dizer para escapar da morte”. (ibid, p. 229)
Em todo o relato sobre a misteriosa inclusão de Ulisses, têm-se a exibição da malícia, como parte de um jogo amoroso. Ela conta aquela história para ser apenas amável com Telêmaco, seu hóspede e filho de Ulisses, mas principalmente para inquietar seu marido ciumento. Com isso o autor nos deixa a hipótese de que Ulisses foi mais dos heróis seduzidos pelos encantos de Helena.
Entretanto Homero não se detém a detalhes sobre como foi o saque em Tróia, a origem do cavalo, é mais detalhado em Virgílio, narrado por Enéias à Dido.
Ele conta que depois das profecias de Heleno, filho de Príamo, que diziam que Tróia só cairia depois de recuperarem o osso de Pélops, de trazerem Neoptólemo para os combates, de reincorporarem Filoctetes, e recuperarem as armas de Heracles e de furtarem o Paládio. Depois que fizeram tudo isso só faltava uma maneira de como invadir Tróia. Foi quando lhes veio a inspiração de Atená, para construir o cavalo, da qual Ulisses quis se adonar.
O cavalo era totalmente oco por dentro, em que estava uma gravação de que era uma oferenda dos gregos à Atená, em agradecimento por voltarem sãos e salvos à suas casas. Não se sabe ao certo quantos estavam escondidos na barriga do cavalo, uns dizem em 25 outros em 50 dos mais valentes soldados. E os outros foram incumbidos de se esconderem em uma ilha próxima, desmanchando os acampamentos e levando os navios que sobraram, só ficou Sínon, um primo de Ulisses, estava encarregado de enganar os troianos e de, no momento conveniente, fazer uma fogueira como sinal para que todos os falsos fugitivos voltem. Assim Enéias contou para Dido, no capítulo II da Eneida:
Há, à vista de Tróia, na sua frente, uma ilha famosa, Tênedos, rica e opulenta enquanto durou o reino de Príamo, hoje simples enseada e ancoradouro pouco seguro para os navios; para lá velejam os gregos e se escondem na margem deserta. Nós os julgávamos partidos e levados pelo vento Micenas. Então, toda a cidade de Tróia se libertou de um grande luto; as portas abriram-se; apraz sair ver o arraial dos Dórios e suas provisões abandonadas e a margem deserta. Aqui acampava o exército dos Dólopes, lá o cruel Aquiles; aqui era o local onde se achava a frota; lá o lugar dos combates. Uma parte dos cidadãos contempla com espanto o dom funesto à virgem Minerva [Atená] e admira o tamanho do cavalo.
(VÍRGILIO, 1989 apud SOUZA, 2001, p.234)
Admirados com o presente, entretanto não sabiam o que fazer com ele. Timetes sugere levar o cavalo para dentro da cidade, já outros diziam que deveria ser queimado ou atirado ao mar. Até que Laocoonte aos gritos diz que não se deve confiar no cavalo, presente dos gregos, que o engenhoso Ulisses deveria ter tramado algo com o cavalo. Daí vem a expressão “presente de grego”, isto é, o presente que traz embaraços e prejuízos a quem recebe.
Então Príamo ordenou que Sínon lhe contasse a verdade sobre o cavalo. Ele jurou tratar de uma oferenda a Atená e garantiu-lhe que teria sido feita em tamanho grande de propósito, para evitar que os troianos conseguisse levá-la para dentro da cidade, assim destruíssem o cavalo e Atená se vingaria dos troianos.
Atená para convencer os troianos que Sínon estava dizendo a verdade, fez com que duas serpentes que saiam do mar se dirigissem para Laocoonte, mas primeiro, ambas enlaçaram o corpo dos dois filhos dele. E depois o esganam até matá-lo, arrastando-o para o templo de Atená. Príamo ao ver aquilo, pede que os troianos tomem todas as providencias para que o cavalo entre na cidade.
Conta o autor, que durante toda aquela noite, todos os troianos comeram e beberam além da conta. No centro da cidade estava o cavalo, do qual Helena se aproximou, já tendo sabido dos planos dos aqueus durante a conversa que tivera com Ulisses. O mesmo que impediu que seus companheiros caíssem em tentação e fossem vitimas das armadilhas de Helena. Ao constatar que os seus ardis eram inócuos, Helena desistiu de sua traição aos gregos e voltou para casa.
Foi quando Cassandra, descabelada e furiosa, correu pelas ruas, indo de casa em casa para advertir os troianos. Insistindo que eles não percebiam o destino amaldiçoado que os esperavam que trouxeram a destruição para dentro de Tróia, referindo-se ao cavalo.
Rindo, embriagados, os troianos retrucam que ela fala em demasia, ‘jogando ao vento palavras desatinadas’. Tomada de fúria porque ignoram as suas adivinhações, Cassandra investiu contra o cavalo de madeira, armada de machado e ferro em brasa, as foi contida antes de atingi-lo. (TUCHMAN, 1989 apud SOUZA, 2001, p.238)
Narra Souza, que o que se tem é uma cidade entorpecida pelo vinho em excesso, com os homens a dormir profundamente, aliviados de tantos anos de guerra. Cenário ideal para Sínon colocar o plano em prática, avisou aos que estavam dentro do cavalo que a cidade estava aberta e correu para acenar com uma tocha para os que estavam escondidos em Tênedos. Os heróis saíram de dentro do cavalo e abriram todas as portas da cidade, para que seus companheiros entrem.
Continua contando Souza, que em silêncio, atearam fogo na cidade, quando os troianos acordaram, sem entenderem nada e foram buscar suas armas, a cidade já estava em chamas.
O guerreiro aqueu que mais se destacou matando os soldados troianos foi Neoptólemo, filho de Aquiles. Entretanto o guerreiro troiano, Enéias decidiu reunir rapidamente um grupo de companheiros dispostos a segui-lo. Combateu com Aquiles e Diomedes. Mas a medida que a chacina aumentava e a morte se aproximava, apenas lembrava dos indefesos dos que lá deixara. Contudo já não podia fazer mais nada por Tróia, reuniu seu, pai, filho e esposa Creusa.
A meio caminho, apareceu-lhe sua mãe divina, Afrodite, a incitá-lo a prosseguir e a protegê-los das chamas e do ataque dos gregos. Apesar do auxilio da deusa, não conseguiu salvar a vida da mulher. Ao partirem, ela se afastou um pouco do grupo e foi morta. Com o pai às costas e o filho pela mão, Enéias atravessou Tróia e tranpôs as portas que davam para o campo. Ninguém, a não ser uma divindade poderia tê-lo salvo, e Afrodite foi, nessedia, a única a prestar ajuda a um troiano. (VÍRGILIO, 1989 apud SOUZA, 2001, p.241)
Destaca o autor, que no dia seguinte, ao amanhecer, a cidade não passava de uma ruína. O que tinha vida apenas era um grupo de mulheres cativas, das quais se destacava Hécuba, a rainha de Tróia e Andrômaca, a viúva de Heitor. A rainha a lamentar:
Eu grito ainda: Tróia está em chamas.
O fogo abrasa os tetos de Pérgamo
e a cidae e o alto das muralhas
(...)
Oh! Tróia, eis a tua última desventura:
chorando te abandonam os vivos e os mortos.
(EURÍPEDES, 1962 apud SOUZA, 2001, p.241)
Mulher
De acordo com Claudio Mello e Souza, o que distinguia Helena de qualquer outra mulher, em uma época de mulheres extraordinária formosura, era sua alucinante beleza, que alegrava os deuses, transtornando os homens e deslumbrando os poetas.
A situação das mulheres nos palácios era restrita, pois elas não eram convidadas a saírem dos aposentos e nem a passear, assim como faz Helena, perto das muralhas, em meio aos homens, pois todas viviam como era de costume, em regime de clausura. Nenhuma delas era permitida conversar com homens em público, especialmente sobre assuntos de guerras e guerreiros, acrescenta Souza.
Esses privilégios foram apenas conquistados por Helena, pela altivez de seu temperamento, pelo fascínio de sua personalidade, pela firmeza de sua posição e elos feitiços de sua beleza. Os gregos pertencentes à aristocracia achavam que beleza era fundamental, e a tinham como a principal virtude da mulher.
A beleza, porém, não era virtude exclusiva, também admiravam as mulheres pela maneira com que tomava conta da casa, o que lhe assegurava uma respeitável situação social e jurídica, de acordo com Jaeger, honrava-se a mulher por ser mãe de uma geração ilustre capaz de ampliar a glória da família, garantindo-lhe um lugar na história.
Através dos estudos de Claudio, ele ressalta que a mulher grega não era objeto sexual. Era mais geradora de filhos e a mantenedora do lar. E acreditava-se que a mulher não participava da geração do filho, apenas era uma depositária passiva do esperma. Esquilo confirma essas palavras, nas Eumênides:
Aquele que se costuma chamar de filho
não é gerado pela mãe – ela é somente
a nutriz do germe nela semeado;
de fato, o criador é o homem que a fecunda;
ela, como uma estranha, apenas salvaguarda
o nascituro quando os deuses não o atingem.
(ÉSQUILO, 1967 apud SOUZA, 2001, p. 253)
Revela o autor, que não era com a esposa que o marido buscava satisfazer o seu prazer erótico nem as suas fantasias sexuais. Para os prazeres e caprichos eróticos, como também para seus deleites intelectuais, recorriam às heitarai, isto é, às “companheiras” e concubinas.
Eram também as mulheres que se responsabilizavam pela integridade de um dos principais lugares da casa, o celeiro, um compartimento secreto, fechado as sete chaves, onde se guardava os bens preciosos da família.
Entre outras atribuições da mulher estava também, os cuidados e conforto físico dos homens, em que elas tinham que dar demorados banhos purificadores e de lhe passar perfumado óleo no corpo, essa tarefa não era só desempenhada pelas escravas e amantes, mas também às princesas e moças de família ilustre. Claude Mossé, acrescenta ainda:
È ela também quem preside a reparação das refeições. Durante o resto do tempo, fia e tece, rodeada de suas servas; tal é o caso de Helena no palácio de Príamo ou no de Menelau; o de Arete, no de Alcínoo; o de Penélope, em Ítaca, sendo precisamente nessa atividade, inseparável da vida de uma mulher, que esta última descobre a forma astuciosa, digna de seu marido, de manter em suspense os pretendentes. (MOSSÉ, 1998 apud SOUZA, 2001, p. 258)
Expõe Souza, que uma das mais importantes funções da mulher era desempenhada nos rituais religiosos, especialmente nos funerários, “elas deviam banhar, passar óleo e vestir o cadáveres da família, mantendo os túmulos em ordem e devidamente abastecidos de comida e bebida”. (SOUZA, 2001, p. 261).
Contudo, a mulher deveria ser zelosa do bem estar da família, família era todos aqueles que estivessem em uma mesma propriedade, ou seja, do mesmo fogo sagrado através do qual eram invocados os deuses cultuados dos antepassados. O homem, ao contrário, desempenha um papel exterior, orientadas para fora, tudo que estiver relacionado a negócio, guerra, trabalho.
No casamento, porém, essa situação se inverte diferente de todas as outras atividades sociais, a mulher passa a ser o componente móvel da relação, estabelece o elo entre grupos de famílias diferentes. Se a família tem base religiosa, o casamento é sagrado e cerimonial. O qual cabia a mulher a obrigação de manter aceso o fogo sagrado no altar da propriedade.
Todavia, o adultério era a falta mais grave que implicava na impureza da família. Tão grave que permitia em Atenas o marido matar a culpada. Muitas vezes helena conseguiu escapar da morte. Como por exemplo, nas troianas, Menelau diz a Hécuba que estava ali para punir Helena com a morte. Entretanto Hécuba tinha razão. Menelau não conseguia resistir a beleza de Helena. Durante o saque em Tróia, ele foi com Ulisses recapturar Helena no palácio de Deifobo, que dela se apoderara depois da morte de Páris, Menelau que com a ajuda de Atená o mata e depois investe a espada contra Helena, mas ao vê-la fica deslumbrado e joga a espada põe Helena em seu colo e a leva para seu barco.
E tu não mataste essa mulher quando ela estava à tua mercê.
Quando viste o seu seio, tua espada caiu.
E recebeste o seu beijo, acariciando-a, a traidora,
vencido por Cypris, covarde que és.
(EURÍPEDES, 1962 apud SOUZA, 2001, p. 265)
Conclui o autor, que as mulheres estavam obrigadas à fidelidade, ou mesmo condenadas à fidelidade. Os homens, não. Para eles essa regra não tinha importância nem valor. Assim mostra Claude Mossé:
E se o adultério da mulher não tinha desculpas, o do homem era tido com sem importância. Muito naturalmente, o homem tinha suas concubinas, serventes ou escravas, que viviam dentro de casa e cujos filhos estão integrados ao oikos, tratados quase que da mesma forma que os filhos legítimos. (MOSSÉ, 1998 apud SOUZA, 2001, p. 267)
De acordo com Hesíodo, foi com o propósito de castigar os homens que Zeus criou a mulher e, mais ainda, a beleza da mulher. Contudo com o passar do tempo essa beleza, ia se findando, exceto com Helena, “de beleza infinita, comparável as deusas, eternizou-se. E, para sua eternidade, levou com ela a tranqüila consciência de que será lembrada para sempre.” (SOUZA, 2001, P. 284)