Cristina Henriques 27/02/2014Trechos do posfácio de Marcelo Backes:
"Trivialmente, ele (o enredo) poderia ser assim resumido: uma aluna precoce, Ada, de namorado impotente, Alev, seduz um professor de educação física gostosão, Smutek. O namorado impotente filma a cena para em seguida chantagear o professor. O dito professor, másculo e viril, acaba se apaixonando pela adolescente entediada e dá uma surra e tanto em seu namorado pornógrafo. Em seguida, o processo..."
"A menina sem qualidades é a história da relação obsessiva entre Ada e Alev, da disposição de ambos ao jogo nas fronteiras da moral, de sua compulsão à experimentação pérfida com as reações e sentimentos humanos."
"A menina sem qualidades focaliza a questão da (in)existência objetiva do justo e do injusto, balizada nas tentativas vãs do direito em fechar as portas para a injustiça num mundo que perdeu completamente a orientação. A pergunta central do romance é: em que medida a ação humana pode ser prevista e influenciada? E é essa a pergunta que constitui o fundamento do jogo de Ada e Alev, os personagens centrais da obra; e ela por sua vez acaba se desmembrando em outras perguntas: em que medida a vida pode ser contemplada como um jogo, quais os meios permitidos nesse jogo e onde o jogo pode acabar, ao final das contas?"
Fiquei assustada com a crueza desses personagens. É um livro duro, mas que faz entender muito das notícias diárias que você considera absurdas. A falta de moral dos personagens é vista diariamente nos crimes envolvendo jovens e adolescentes. Ada e Alev são retratos bem possíveis dos jovens atuais. Fazia tempo que não lia algo assim, que me trazia um desconforto, uma estranheza...
Não foi uma leitura fácil. É um livro de leitura lenta por ter várias informações subentendidas. Muito está nas entrelinhas. Mas muito está também escancaradamente claro, como a falta de vínculo com o mundo, com a sociedade e com a família.
"Que tal se para eles Bíblia, Constituição e Código Penal não tivessem mais validade na condição de manual e livro de regras para um jogo coletivo? Se eles entendessem política, amor e economia simplesmente como competição? Se "o bom" para eles fosse nada mais do que eficiência máxima sob o mínimo risco de perda e "o mau", ao contrário, nada mais do que um resultado subótimo? Se não entendêssemos mais suas razões, porque elas já não existem?"
"Se isso tudo for apenas um jogo, nós estamos perdidos. Se não - mais do que nunca."