spoiler visualizarimnotaike 13/10/2023
Uma leitura inquestionavelmente sofrida
Esse livro desvia completamente das expectativas de qualquer um que acabou de terminar O Restaurante no Fim do Universo. Esperando o plot confuso, bem humorado, e leve, somos presenteados com um plot que não tem quase relação alguma com os anteriores ? o que é um choque pra quem passou dois livros inteiros assistindo os múltiplos enredos se entrelaçando ?, algo cuja leitura é muito mais densa do que costumava ser nos dois livros anteriores. Nisso, eu senti uma qualidade baixa; uma saga que começa tão fácil de ler de repente se tornar algo tão arrastado, um livro em cima da escrivaninha que eu não queria ler de forma alguma. Não acho o plot ruim ou desinteressante, nem de longe, mas acho a forma como foi trabalhado simplesmente chata. Monótona (como o Universo).
Agora, por que um livro razoável? Simplesmente porque a escrita do Douglas Adams, cheia de genialidade por dois livros inteiros graças à fluidez e comicidade, à facilidade que era rir daquela completa confusão, se tornou algo descritivo demais e, acima de tudo, poético. Foi o primeiro livro da saga que eu grifei, com marca-texto e post-it, uma frase não por já ser um elemento conhecido ? "42" e "Infinito - 1" ?, mas por ser meramente cheio de beleza, significado e poesia. Pra quem passa dois livros inteiros sublinhando a lápis frases bem escritas e piadas interessantes, é revigorante chegar ao ponto em que é lindo. Em que as opiniões cantadas pelos pássaros parecem positivas. Nessa obra, a escrita de Adams, em todo o seu calor e anáforas, só me trouxe à mente o Poema do Fim. Uma escrita que eu desejo desenvolver um dia, uma escrita metafórica, como sempre foi. Não é o que eu esperava do Guia, nem de longe, mas é fenomenal nesse aspecto. Por isso esse livro não é ruim; porque apesar de tudo, Douglas Adams não deixaria de ser um absoluto gênio nem se assim desejasse.
O destaque que a Trillian recebe no final também me agradou. Antes disso, ela parecia ser só uma personagem mulher cuja função era só estar lá, rejeitar o Arthur, reclamar de vez em quando (e ser a dona de dois seres pandimensionais hiperinteligentes). Quando ela revela a verdade por trás de Krikkit, quando ela diz aos krikkitianos que eles não precisam lutar ? aliás, que belíssima analogia à alienação da classe trabalhadora em guerras é "Mas eles dizem que ela é capaz de destruir tudo o que existe. E nós temos que fazer isso, eu acho. Será que ficaremos solitários? Não sei. Mas parece ser a nossa função" ?, ela é essencial pra história e torna tudo incrível depois de mais de 100 páginas de uma leitura insanamente sofrida.
(A frase "Ele me fez compreender onde residia meu afeto" também me pegou um pouco.)
Em relação ao epílogo, é nele que a história fica boa. Absurdo um epílogo de 10 páginas ser melhor do que as 150 páginas de história, mas não tem muito o que ser feito sobre. Nele é perceptível que a escrita de Adams ainda tem sua poesia quase não proposital que eu amei tão profundamente, mas tem de volta a leveza do Guia e do Restaurante. Espero que isso continue em Até mais, e obrigado pelos peixes!.