spoiler visualizarAcad. Literária 20/08/2013
Resenha - A noite maldita
Observação: Essa resenha é de exclusividade do blog Academia Literária.
O que aconteceria se, numa noite qualquer, todos os celulares e telefones ficassem mudos, as TVs transmitissem apenas chuviscos, os rádios só emitissem estática, a internet desaparecesse? O que aconteceria se os GPS, caixas eletrônicos, maquininhas de cartão, sistemas bancários ficassem inoperantes? O que aconteceria se todos os equipamentos tecnológicos de ponta, dependentes das ondas de rádio, se tornassem objetos inúteis e sem qualquer serventia? O que aconteceria se os sistemas de operação e manutenção das grandes hidroelétricas deixassem de funcionar? O que aconteceria se toda a comunicação fosse interrompida e a transmissão de mensagens somente fosse possível no velho sistema do boca a boca, face a face? O que aconteceria se, num cenário assim, metade da população adormecesse inexplicavelmente, ingressando numa espécie de coma, com suas funções vitais reduzidas mas presentes, tornando-se cativas de Morfeu sem que pudessem ser despertas, vitimas de um sono incomum, misterioso e aterrorizante? E se, nesse mesmo cenário, metade dos que permaneceram despertos fossem acometidos por uma outra “doença” igualmente misteriosa, tornando-se agressivos e violentos, receosos do sol, hibernando durante o dia e despertando ao anoitecer transformados? O que aconteceria se a parte da população que, por sorte ou destino, escapasse à doença do sono ou à maldição desconhecida, se percebesse presenciando a ruína da sociedade, sem comunicação, notícias ou respostas, sem governantes ou ordem pública, desesperada pelo mal súbito e inexplicável que assalta familiares e amigos? E se essas pessoas perdidas e assustadas se deparassem com uma verdade fantástica demais para ser real: que o filho doce e gentil ou o velho e amoroso pai ou a bondosa vizinha ao lado, pegos pela outra estranha doença, se voltassem contra eles ao cair do sol com olhos vermelhos e caninos enormes, tirando suas vidas sedentos por sangue? E se os humanos despertos se vissem rodeados por adormecidos inertes e vulneráveis e vampiros sanguinários e ensandecidos? E se, em tão sombrio cenário, restasse a essas almas em pânico juntar os cacos de civilização, buscando algum nível de organização, e os meios de se protegerem das feras da noite? E aos vampiros tomados pela loucura e urgência da sede, tornando-se repentinamente assassinos de mães, irmãos e amigos, restasse abandonar seus últimos resquícios de humanidade e aprender as regras de sua nova não-vida, independentemente de amargura, remorso, curiosidade ou euforia despertada por ela? Se coubesse a todos, humanos e vampiros, a tentativa de entender o que havia ocorrido naquela noite estranha? E se o mundo perdesse o rumo conhecido e rotineiro, tornando-se uma caricatura caótica da noite para o dia? E se tudo, absolutamente tudo mudasse em uma única noite maldita?
Como seria?
Para aqueles que conheceram e vibraram e se emocionaram e lutaram junto aos bentos e aos humanos na estória iniciada nas páginas de “Bento” e desenvolvida na trilogia conhecida como “O Vampiro-Rei”, este é o tão ansiosamente aguardado “Crônicas do fim do mundo: A Noite Maldita”. Nas linhas desse livro, o brasileiríssimo André Vianco brinda o sedento e curioso leitor com o prólogo da tão aclamada trilogia. Aqui são narrados os eventos desencadeados por aquela que ficou conhecida como a Noite Maldita. É mostrada a surpresa das pessoas quando telefones e TVs deixam de funcionar; o desespero inicial e a busca por ajuda e respostas quando os primeiros adormecidos caem vitimas do sono misterioso; a tentativa de ajudar aqueles que sofrem com terríveis dores de estomago e perdem parte da sanidade ao anoitecer se tornando agressivos; o pânico e a carnificina no primeiro ataque em massa dos vampiros. O leitor que conhece a estória também se depara brevemente com personagens importantíssimos na trilogia original. Lucas, Ana, Amintas, Lúcio, Bispo. Vários nomes conhecidos passam de raspão pelos olhos. Um, porém, permanece por páginas e páginas, sendo uma grata surpresa encarnada por uma das protagonistas da nova trama: Raquel, a inesquecível vampira ruiva. Outros nomes novos vão despontando como protagonistas, personagens importantes nessa “nova” estória.
Um sentido de urgência permeia as linhas do texto. Cada capítulo é um relato do drama pessoal de um novo personagem ou de uma família, dando forma a uma das características marcantes do escritor: vários personagens e varias estórias independentes que ao fim se unem e se interligam dando vida à trama. A linguagem simples, fluida, sem rebuscamentos e quase coloquial, tão típica das obras do autor, também marca presença. Chama a atenção a naturalidade com que ele escreve os diálogos entre os adolescentes, recheados por gírias e expressões coloquiais, sinal de que o pai Vianco anda observando atentamente o modo de falar de suas filhas. A narrativa se divide em quatro noites e quatro dias, iniciando-se na primeira noite, a Noite Maldita. A marcação, mais que narrativa, é também física: páginas pretas com a inscrição do período correspondente. Primeira noite, primeira manhã... Quatro dias. Apenas isso. Tão pouco tempo e ainda assim Vianco consegue transmitir a exata noção do caos reinante e o cenário apocalíptico consolidado na trilogia “O Vampiro-Rei”. O foco da narrativa se volta para a descrição de acontecimentos, das pequenas e grandes tragédias. Mas Vianco não se esquece de mostrar um pouco do íntimo de seus personagens, de suas criaturas, humanos ou vampiros.
Para aqueles que já leram alguns dos livros de André Vianco, este é mais uma leitura agradável e emocionante. Para quem já conhece e se apaixonou pela estória decorrente da Noite Maldita, presentes nas páginas da trilogia “Bento”, “O Vampiro-Rei – Volume 1” e “O Vampiro-Rei – Volume 2” (ou “O Vampiro-Rei 1: Bento”, “O Vampiro-Rei 2: A bruxa Tereza” e “O Vampiro-Rei 3: Cantarzo”, conforme a trilogia foi renomeada), a obra “Crônicas do fim do mundo: A Noite Maldita” irá esclarecer vários dos questionamentos que inevitavelmente surgiram durante a leitura daqueles. E também irá matar a pulguinha da curiosidade sobre como se sucederam aqueles primeiros dias nebulosos. Para quem ainda não teve a oportunidade de ler alguma das várias criações do autor, este livro é a chance perfeita de conhecer o universo criado por esse morador de Osasco apaixonado por sua cidade. Existe coisa melhor que ler histórias ambientadas em cenários conhecidos, por onde transitamos diariamente? Leitura super-recomendada.
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