Corações Sujos

Corações Sujos Fernando Morais




Resenhas - Corações Sujos


55 encontrados | exibindo 1 a 16
1 | 2 | 3 | 4


Clio0 06/02/2021

Fernando Morais, um jornalista bem conhecido por sua vertente historiográfica, faz um ótimo trabalho ao tentar reconstruir o período de pouco mais de dez anos de funcionamento da Shindo Renmei - uma organização de cunho supremacista japonês que atuou no Brasil durante e após a Segunda Guerra Mundial.

O autor recheia o livro de depoimentos, relatos e fotos documentais. Também facilita a leitura ao dinamizar o texto que por si só já é bem específico. Há várias menções há figuras conhecidas como Getúlio Vargas e Ademar de Barros e outras mais específicas do noroeste paulista.

Tem que se manter em mente que esse livro não é científico, ou seja, não há citações, definições de termos, e questionamentos de eixo temático como mentalidade, situação socioeconômica, influência cultural, disposição geográfica, etc. são apenas sugeridas ou passam ao largo.

Isso não torna o texto pobre, Morais não se furta a fazer algumas observações como a influência política brasileira, racismo, xenofobia ou sexismo. Mas não é esse seu objetivo, a obra simplesmente prefere focar nas incoerências e no inusitado (do ponto de vista do autor) do movimento.

Para quem não sabe, a História japonesa deve figurar como um pesadelo na mente de muitos historiadores, pois a mistura de mito, mentiras e omissões torna quase impossível o trabalho de recuperação de memória.

Não quero de forma alguma dizer que não se pode encontrar isso em outros âmbitos de pesquisa, mas na cultura japonesa, a preservação da honra e o medo da vergonha superavam quase que qualquer possibilidade de um real trabalho historiográfico. Felizmente, isso tem aos poucos se modificado.

Assim, a capacidade do jornalista de reconstruir algo com alguns relatos e material oficial deve ser especialmente apreciada.
comentários(0)comente



Andre.28 19/03/2020

Nacionalismo Japonês e o ‘Bang Bang’ no Brasil dos Anos 40
Episódios de confronto e violência no começo de 1946, entre a Força Pública de Segurança de São Paulo e os membros da comunidade japonesa, no Oeste Paulista, fustigaram a desconfiança das autoridades acerca de uma “atividade subversiva” no seio da colônia japonesa. Assassinatos de japoneses e uma seita de fanáticos nacionalistas apavoraram a comunidade nipônica, criando episódios e repressão, vingança e xenofobia.

Nesse contexto de agitação social, o barril de pólvora estava prestes a ser acesso no período do final do Estado Novo Varguista e início do governo do general Eurico Gaspar Dutra. O período pós Segunda Guerra Mundial no Brasil apresentou uma série de desafios sociais internos, sendo estes a cargo do já conhecido DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), uma espécie de policia de inteligência e investigação, braço armado do estado a serviço da repressão e violência, e que foi uma “herança” do Getulhismo nos anos 1940.

O Estado Novo já havia sido cruel com os imigrantes japoneses. A entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial e o consequente rompimento de relações diplomáticas entre o Brasil e o Japão em 1942, transformou a vida da colônia dos imigrantes um verdadeiro inferno. Medidas para enfrentar o “inimigo interno” foram tomadas, que iam desde o confisco de bens até proibição da reprodução e da pronúncia do idioma dos imigrantes. Uma onda de perseguição, hostilidades e xenofobia contra os japoneses e seus descendentes crescia perigosamente no Brasil daquela época.

A construção de uma nova constituição em 1946 fustigou debates acerca da nacionalidade dos imigrantes dos países do Eixo (japoneses, italianos e alemães) que viviam no Brasil. Debates esses, recheados de conteúdo xenofóbico, criaram a atmosfera efervescente de tensão entre o governo brasileiro e as comunidades de imigrantes durante boa parte dos anos 40. Isso fica claro em “Corações Sujos”, o trabalho escrito pelo conhecido jornalista Fernando Morais e publicado pela editora Companhia das Letras em 2000. Nesse livro temos a história da trajetória da Shindo Renmei (a Liga dos Caminhos dos Súditos), uma espécie de ‘comunidade associativa’ de imigrantes japoneses fundada em 1942, e que entre os anos de 1946 e 1947 praticou uma onda brutal de assassinatos de compatriotas dentro da comunidade nipônica em São Paulo.

A Shindo Renmei era um tipo de organização comunitária permeada pelo fanatismo e pelo exacerbado nacionalismo de imigrantes japoneses no interior do Brasil, e que tinha por meio de sobrevivência os ideais que pregavam a difusão e preservação dos costumes japoneses entre a colônia de imigrantes em São Paulo, parte do Paraná e Mato Grosso, que eram os locais de maior concentração de japoneses no Brasil.

Liderados pelo velho Kikawa, um coronel reformado do exercito japonês, esse grupo inflamou uma disputa entre aqueles que acreditavam na vitória do Japão na Segunda Guerra; os kachigumes (vitoristas), contra aqueles que acreditavam na lógica derrota dos japoneses os makegumes (derrotistas). Aqueles que eram “contra” a versão maluca e fantasiosa da vitória do imperador japonês Hiroito na guerra eram chamados de: os haisens – os “traidores” de coração sujo. Boa parte da comunidade de imigrantes não tinha acesso aos meios de comunicação populares da época, em especial ao rádio, ou não sabiam ler em português. Muitos deles mantiveram-se numa convicção, e cegamente confiantes em mais de 2600 anos de história do Império japonês, que até então nunca tivera uma derrota militar, fustigaram a fantasiosa ilusão maluca de uma suposta e triunfante “vitória japonesa contra os estadunidenses” na Segunda Guerra Mundial.

Em 1942, após proibição pelo governo brasileiro de reuniões entre membros da comunidade japonesa, os determinados e persistentes líderes da comunidade promoveram uma reunião de proeminentes famílias da colônia japonesa, disfarçada de festa de casamento. Nascia assim a organização Shindo Renmei e as deliberações marcavam a eliminação completa dos makegumis por meio de assassinatos coordenados. A relação passiva/agressiva das autoridades policiais foi a marca do modelo de operação do Estado em relação a Shindo Renmei. Hora faziam vistas grossas, hora desciam a borracha em ações recheadas de conflito e violência.

Em meados de 1946, o número de assassinatos de japoneses no Oeste paulista e na capital, São Paulo, aumentou vertiginosamente no período de 10 dias e a morte de um brasileiro por um japonês alimentaram uma reação violenta da população, um verdadeiro banho de sangue da comunidade japonesa no Brasil estava prestes a acontecer. Preocupados com uma onda de violência ainda maior o governo paulista começou agir e a caçar os membros da Shindo Renmei. Muitas prisões arbitrárias e uma onda de violência leniente, e a consequente apreensão da fonte de recurso da organização (muito proveniente de estelionato) começou a esvaziar a organização. Fatos isolados ainda pontuaram a luta da já enfraquecida Shindo Renmei. Já em finais de 1947 a polícia fez a limpa e a organização se dissolveu, mantendo a cicatriz social, empurrando a mítica história do nacionalismo fanático em Terras Tupiniquins para os anais da História do Brasil.

A narrativa do livro é categorizada como não ficção, muito embora pudesse se tornar premissa para a escrita de alguma história ficcional. O forte tom de trabalho jornalístico e a construção da narrativa do Fernando Morais, permeada por uma análise histórica das fontes, trabalho com historia oral e cuidado literário, acompanha todo o andar do livro. Esse é um livro pra quem gosta de História do Brasil, e quem quer compreender a identidade multicultural da formação social brasileira. Nesse livro temos a oportunidade de compreender um Brasil que se reencontra com as contradições de sua História. Trabalho homérico, meticuloso e digno de aplausos do Fernando.
comentários(0)comente



Pe. Jeferson 29/12/2021

Como a virtude do patriotismo pode se corromper em fanatismo
O livro-reportagem conta a interessantíssima história da organização nacionalista nipônica Shindo Renmei fundada no Brasil logo após o fim da II Guerra Mundial.
Muitos imgrantes japoneses, levados por suas crenças cegas na invencibilidade do Japão e na divindade do imperador não acreditaram em sua derrota na guerra; as notícias eram tratadas como propaganda americana. Neles surgiu o ódio aos "makegumi" (derrotistas), os japoneses que entendiam que sua nação havia sido derrotada.
O fanatismo dos líderes da Shindo Renmei levou-os a uma série de atos nesta guerra contra os "traidores da pátria": Adulteração de notícias, falsificação de Ienes, atentados a bomba e diversos assassinatos.
O livro trata das complicadas relações entre todos os envolvidos nessa "guerra": os líderes fanáticos, os tokkotai (executores), os pilantras que se aproveitavam da boa fé de muitos imigrantes, os japoneses exclarecidos e inculturados, os brasileiros e até os políticos.

Uma das facetas mais interessantes, e que pode vir a se tornar bastante obscura se levada para o fanatismo, é o senso de dever, hierarquia e patriotismo do povo japonês. Em tudo o retratado no livro, eles não entendiam suas atitudes como crimes, mas como atos heróicos de amor à pátria.
comentários(0)comente



Gabi 11/04/2021

Excelente
Como estudante de Relações Internacionais e interessada na cultura oriental, o livro me ajudou a entender diversos pontos da imigração japonesa que até então não conhecia. O autor utiliza de uma linguagem fácil para explicar pontos primordiais na história do nosso país. Me peguei perplexa muitas vezes diante dos acontecimentos e por saber que ocorreram tão perto. Não costumo ler muitos livros históricos, mas esse me cativou de tal forma que só iria conseguir sossegar após lê-lo por inteiro.
comentários(0)comente



Marina 02/03/2009

É importante dizer que além de mostrar o radicalismo da Shindô Remmei, o livro também narra a dificuldade que os imigrantes japoneses enfrentaram com o preconceito dos brasileiros e com a adptação dos costumes e alimentação. Tudo isso com uma leitura fácil e agradável, como geralmente são os textos de Fernando Morais.
comentários(0)comente



Bia Souza 26/09/2012

Lave sua garganta e leia Corações Sujos
Nunca ouvi falar da Shindo Renmei (Liga do Caminho dos Súditos), uma organização de japoneses patriotas, residentes em São Paulo, que não acreditava que o Japão perdeu a guerra. No livro, Fernando Morais conta que a Shindo matou pelo menos 23 mortos e cerca de 147 feridos. As ações provocaram linchamentos públicos nas ruas do interior paulista, bate boca na votação da constituinte e acirrou os problemas com a xenofobia no Brasil. Aí eu me pergunto: Por que não estudamos isso na escola?

Confira a resenha na integra em : http://cronicasdabia.com.br/2012/09/lave-sua-garganta-e-leia-coracoes-sujos/
Amadeu.Paes 29/08/2013minha estante
Terminei de ler o livro e pensei a mesma coisa: Por que não se ensina isso nas escolas????
Vlw.




Juliana Cardoso 02/02/2021

Japoneses malucos.
Leitura importantíssima para entender melhor sobre a Shindo Renmei, seita criada onde reunia japoneses incrédulos da perda do Japão na segunda Guerra Mundial.
Cegos adoradores, patriotas ao extremo, procuravam matar patrícios que eram chamados de "derrotistas", que acreditavam na derrota do Japão.
Adorei.
comentários(0)comente



Daniely2 04/04/2024

O início da descoberta da minha identidade cultural
Esse retrato jornalístico tem uma importância muito pessoal e profunda pra mim.

Achei esse livro na casa do meu avô japonês quando eu tinha uns 13 anos. Meu pai me explicou na medida do possível sobre o que se tratava e eu fiquei admirada que isso pudesse acontecer e ninguém que eu conhecesse na escola tinha nenhum conhecimento sobre isso, porém não li, talvez fosse profundo demais pra mim na época (fora as fotos de jornais que mostram os assasinatos). Mas ali foi o início da minha consciência histórica de que nem todo fato histórico é de conhecimento amplo, que na verdade ninguém é obrigado a saber de todos os fatos históricos, que alguns fatos são mais importantes para alguns e totalmente irrelevantes para outros, e que a história mais mainstream é feita por um olhar escolhido a dedo (o clássico "aos vencedores, as batatas")

Aos 18 anos quando estava num grupo de dança da associação nipobrasileira, uma recrutadora de talentos veio buscar pessoas descendentes para participar do filme desse livro, como ator, figurante ou no backstage. Meu ex namorado na época foi escolhido como figurante. Anos mais tarde quando estava na faculdade de biblioteconomia aos vinte e poucos finalmente peguei pra ler e ver as críticas tanto sobre a leitura quanto ao filme.

Nesse tempo todo fui aglomerado gradualmente mais conhecimentos sobre isso. Como por exemplo meus tios comentarem que um dos meus bisavôs era o melhor amigo de um cara que fazia parte do grupo de assassinos da Shindo Renmei no interior de São Paulo, e compartilhar o link de uma entrevista que ele deu.

Saber que o pai do seu avô materno era best de um cara que matou homens por diferenças políticas te dá uma perspetiva muito diferente sobre as relações humanas. Vai saber quantos homens ele matou, será que meu bisavô foi cúmplice de algum desses assassinatos? Será que ele também low key fazia parte? Será que meu bisavô tbm matou alguém? E o pai da minha vó materna? O que será que ele fez? De que lado ele estava? Nunca saberei de verdade.

Digo matar homens pq o livro é muito bom em explicar e relatar como era a vida dos imigrantes japoneses e como funcionavam as crenças deles naquela época, o período antes de durante a Segunda guerra mundial. E quando surgiu a Shindo Renmei (no pós guerra) eles ainda eram muito conservadores, fiéis e leais aos ideais nacionalistas, além de muito machistas. Só assasinavam os homens japoneses porque acreditavam a opinião dos homens valia muito mais do que as mulheres e destruir uma família resumia-se a eliminar os homens.

Pelo menos naquela época meus avós maternos eram crianças e não tinham muita consciencia do que estava acontecendo. E ambos meus avós paternos foram criados como filhos adotivos (tambem outra história sobre a imigracao japonesa que é pouco falado).

Também identifiquei um aspeto que talvez nunca fosse pensar se não tivesse lido esse livro. Enquanto a Shindo Renmei fazia atentados contra a vida de seus conterrâneos por diferenças políticas, sem interesse em atacar brasileiros, em algumas cidades os brasileiros ficaram aterrorizados e acabavam por atacar japoneses primeiro. Eles tinham medo assim como alguns tem medo de muçulmanos, por conta de alguns terroristas. O que me fez ver como, apesar de ser asiático no Brasil ser relativamente confortável, essa posição está na verdade sempre em risco de ameaça por gente de outro continente que se parece comigo. Se por exemplo algum país do leste asiático fizer alguma cagada excepcional, política ou econômica, eu vou sofrer as consequências disso mesmo estando no outro lado do planeta.

Enfim. Tudo isso para dizer o quanto eu acho esse livro importante, principalmente para pessoas como eu. Sinto que através dele eu consegui me conectar muito profundamente com a história do meu povo, com meus ancestrais, e ter uma consciência maior do que significa ser descendente de japoneses no Brasil.
comentários(0)comente



Kitasato 02/08/2020

Fantástico!
Que livro fantástico e tocante! Tem traços marcantes de um livro escrito por um jornalista, mas sem este traço não seria tão bom quanto é. Que retrato incrível da vida de imigrantes japoneses e de como esta etnia não é o que os ?gaijins? pensam! Recomendo fortemente a leitura, principalmente para os descentes destas pessoas que moram no interior de São Paulo.
comentários(0)comente



spoiler visualizar
Eric Luiz 27/11/2021minha estante
Esse livro é fo...!!!




Felipe 17/02/2020

Documento histórico bem interessante
O livro trata de um assunto pouco discutido pós segunda guerra mundial. Deveria ser uma aula obrigatoria sobre como informações falsas acabam deturpando toda uma sociedade. Tem algumas falhas, como a escrita pouco polida e algumas "fofocas" que não acrescentam nada à pesquisa.
comentários(0)comente



Chanel 14/11/2020

Livro interessante, além de abordar sobre os acontecimentos organizados pela Shindo Renmei o livro também aborda momentos históricos do Brasil, como a ditadura e a situação durante a segunda guerra. Entretanto, senti falta de algo no final.
comentários(0)comente



Arthur.Rodrigues 17/03/2021

O Brasil nipônico flamejou nos anos 40
Fernando Morais traz excelente relato histórico de maneira fluída e didática sobre um episódio não tão abordado da história recente do Brasil. Nos é apresentado a Shindo Renmei, grupo terrorista japonês que em meados do século XX causou grandes agitações pelo estado de São Paulo. Leitura extremamente agradável e que agradará muito quem tem fascínio por conhecer a história do Brasil.
comentários(0)comente



Kath 31/03/2022

Sombrio, real e necessário
Essa foi minha oitava leitura de março e eu fiquei bem contente que consegui ler bastante coisa esse mês, apesar de terem sido em sua maioria livros curtos. Também conquistei o hábito de ler nos fins de semana o que tem ajudado ainda mais a acelerar a meta que estabeleci para 2022. Esse livro, inclusive, foi uma adição de última hora por motivos de pesquisa, queria conhecer a fundo sobre a Shindo Renmei para usar esse plano de fundo em um livro de ficção, mas a leitura acabou excedendo e muito as minhas necessidades e expectativas.

O jornalista Fernando Morais começa sua narrativa contando as consequências da rendição do Japão para os chamados "súditos do eixo" nos países vencedores (embora "vencer" numa guerra seja muito relativo, há mais perdas que ganhos no meu ponto de vista, mas ok), o Brasil, nessa época, abrigava a maior colônia de japoneses fora do Japão e dessas pessoas foram tirados os bens, o acesso à informação, o direito de se expressar, de se reunir e de usar sua própria língua. Segregados, os japoneses eram reprimidos pelo Estado ditador.

Sem acesso à informação, pela lei de proibição de publicações em língua japonesa no país, a notícia de que o Japão havia se rendido na guerra chegou atrasada e para poucos japoneses. A maioria, patriota cega e fanática, se recusava a acreditar que seu imperador Hiroíto, o divino, se declarara um mortal e entregara os pontos. Mas os "brios" incendeiam mesmo quando a colônia paulista é invadida por policiais e sua bandeira sagrada é ultrajada por um cabo. Esse é o estopim para o ódio dos japoneses.

Contudo, ao contrário do que se poderia pensar, a mira da nascente Shindo Renmei (Liga do Caminho dos Súditos) não era voltada para os brasileiros que, em sua absurda onda nacionalista, se mostravam tão preconceituosos, xenofóbicos e cruéis quanto o próprio nazismo que combateram durante a guerra, já que o Brasil era aliado dos EUA. A fúria da colônia japonesa era voltada contra eles próprios. Porque um brasileiro, aliado dos americanos, podia contar "mentiras" ou acreditar em mentiras acerca do resultado da guerra, mas um japonês nunca aceitaria a derrota de seu país que jamais antes havia perdido uma guerra. E qualquer japonês que afirmasse acreditar naquela mentira, tinha o coração sujo e, portanto, era um traidor do império.

Começa então a caça às bruxas. O assassinato de um "coração sujo" e o atentado a outro na mesma noite colocam a polícia da época em alerta para um grupo de assassinos que, até então, não tinha muita forma diante dos policiais. Mais ameaças eram distribuídas na colônia e cada vez mais a polícia recebia pedidos de ajuda que pouco podia fazer ou mesmo se interessava em ajudar boa parte dos casos.

Inicialmente, a Shindo Renmei — como bem aponta o autor — era apenas um grupo com nenhum preparo estratégico e um tanto quanto ingênuo, cego por uma vingança que os levava a agir de forma precipitada, mas com "honra" e, dos assassinatos cometidos por eles, vários foram de pessoas inocentes que não eram verdadeiramente os alvos do grupo. Seus líderes se limitavam a dar ordens de morte, dinheiro e armas e todos os assassinos tinham o dever de se entregar à polícia tão logo terminassem o trabalho.

Paralelo a isso, temos a trajetória de suas personagens em um plano de fundo muito bem abordado pelo autor, cada um com uma vida e uma profissão, com um passado ligado à honra de seu país e a busca de uma vida melhor longe de sua casa. Morais parte do plano histórico geral para gradualmente desenhar os dramas pessoais, cheios de detalhes que fornecem conteúdo humano à obra. O contexto histórico, político e social do Brasil também é retratado com clareza e nos oferta uma verdadeira aula de história tão fluida que nem parece que é de verdade.

O intuito aqui não é "passar pano" para os japoneses, alguns deles eram — tal como os ideais de seu país apoiando a Alemanha nazista — preconceituosos, homofóbicos e antissemitas. Contudo, não eram todos, e por mais que discordemos do pensamento de alguém ou de seu estilo de vida, isso não nos dá o direito de tratar essa pessoa com violência, tirar dela seus direitos mais básicos e ofendê-la como aconteceu com os japoneses no Brasil e nos EUA. Esse livro acabou sendo uma espécie de complemento para o plano de fundo de O Amante Japonês no qual a família de Ichimei também sofre a represália do governo pela posição do Japão na guerra, o contraponto nesse livro, contudo, é bem maior (talvez por ser uma ficção) uma vez que Ichimei acaba se relacionando com Alma, uma judia.

De sua parte, igualmente, os japoneses não estavam isentos de culpa pela sua conduta, mas tentei ver o lado cultural deles que é muito diferente do nosso, a maneira como se educam, são criados e sua visão de mundo que é diferente da nossa em todos os aspectos. Por isso, apesar de encarar, com a minha visão de mundo, a atitude deles como inaceitável e absurda, dentro do contexto sociocultural deles faz sentido e, embora não se justifique tirar a vida de alguém não importa a circunstância, pelo menos essa atitude é acompanhada de uma consciência cultural por parte do leito que é magnificamente exibida e explicada pelo autor.

Gostei muito do livro, a forma fluída e fácil de ler, fazendo a gente até esquecer que é um livro jornalístico e, apesar dos eventos tenebrosos que lemos, não é uma leitura crua que trava. Aprendemos um pouco mais sobre a história do nosso próprio país também o que é muito válido num país que não liga muito para história, infelizmente. Além disso, é imprescindível como um material para gerar não somente debate, mas reflexão acerca de muitas questões.

Impressionou-me como mesmo depois de todos os terrores da guerra, de tudo que o mundo vivenciou, da forma pavorosa como os brasileiros se portavam na sua política suja desde sempre, nada se aprendeu. Continuamos repetindo os mesmos erros na tentativa de buscar um resultado diferente, inconscientes que esse resultado novo será nossa própria aniquilação. O mundo agora parece tão preso na cegueira de seu ódio e ganância que os homens parecem ter esquecido que são mortais, puro pó. É lamentável que esses dias sombrios descritos nesse livro estejam prestes a se repetir.
comentários(0)comente



Hono 21/12/2022

Assassinos abalam o sertão paulista nos tempos de Vargas
Fernando Morais é um ótimo Jornalista, a apuração para esse trabalho (apesar de carecer de referências formais) reúne o relato de gerações.
E de certa forma, antes dessa bagunça toda da pós-modernidade, não era preciso que o jornalista justificasse seus processos com tamanho detalhamento. Outros tempos...

Corações Sujos é um livro muito bacana sobre uma sociedade secreta de japoneses que não conseguiam encarar o confronto entre os fatos e a fé. A Shindo Renmei é uma sociedade secreta das mais interessantes e avassaladoras do sertão paulista.

Apesar do estilo meio demorado (parece muito com o Dossiê Herzog, o que me faz pensar que seja algo estilístico da própria época), valeu muito a pena.
comentários(0)comente



55 encontrados | exibindo 1 a 16
1 | 2 | 3 | 4


Utilizamos cookies e tecnologia para aprimorar sua experiência de navegação de acordo com a Política de Privacidade. ACEITAR