Coruja 03/02/2011Embora você possa me encontrar com muita freqüência na seção de História de uma livraria qualquer (não posso passar pela frente de uma sem entrar e passar pelo menos uns cinco minutos respirando o aroma de livros novos), é pouquíssimo provável que consiga se deparar comigo na seção de Memórias e Biografias – o que é engraçado, porque são seções vizinhas.
Por isso, quando foi para escolher os livros desse tema para a agenda do
Desafio Literário 2011somente um título me veio de imediato à mente: Confissões de um Comedor de Ópio, indicado por um amigo meu faz muuuuuuito tempo.
Assim, tive que pesquisar um pouco, vasculhar estantes tentando encontrar figuras e histórias que me interessassem para colocar na lista. Tolkien entrou de cara, tão logo bati os olhos nele, mas esse terceiro título me deu um pouquinho mais de trabalho para escolher.
Foi quando encontrei O Clube do Filme.
Eu me lembrava de ter lido boas críticas sobre ele na época em que o mesmo foi lançado. Dei uma olhada na sinopse, achei interessante e enfiei-o na cesta.
David Gilmour narra os anos em que, após permitir que o filho de 16 anos, Jesse, largasse a escola, acompanhou o amadurecimento dele enquanto, toda semana, eles assistiam juntos três filmes. E ele narra isso não em ritmo autobigráfico, com o texto corrido, mas como uma história mesmo, com diálogos (e tem muitos diálogos), pontuado por suas reflexões sobre as atitudes do filho e as suas próprias.
Essa sessão semanal de cinema, como o próprio David observa para Jesse, seria toda a educação que o rapaz receberia. É claro que as coisas estavam bem ruins para que David enxergasse essa como a única opção que tinha para salvar o futuro do filho. E, superficialmente, parece uma coisa realmente idiota de se fazer.
Ao meu ver, contudo, esse peculiar arranjo funciona muito bem para os dois. Mais que isso – minha conclusão ao término do livro foi que essa decisão de David salvou Jesse, que teve tempo para se encontrar, amadurecer, para aprender a fazer suas escolhas e lidar com as conseqüências delas.
Claro que mais tarde Jesse teve de correr atrás para completar as lacunas, mas o importante é que foi ele quem correu atrás disso.
E deixa eu ficar quieta antes que eu saia contando o livro todo.
O legal de O Clube do Filme não é apenas ver o relacionamento da David e Jesse, do qual em mais de um momento senti um pouco de inveja, confesso – eles têm uma cumplicidade, uma confiança e abertura fantásticas. A questão é: David entendia do que estava falando ao fazer a escolha e preleção de cada um dos filmes, e a forma como ele fala cada um deles me lembrou muito a paixão de outro autor que adoro: Umberto Eco.
Acho que já disse isso antes. Mas vou repetir assim mesmo: um dos motivos pelos quais gosto tanto dos livros – especialmente os de ensaios – do Eco, é a forma como ele escreve passionalmente sobre as coisas de que gosta. Ele te envolve, e faz você se empolgar como ele, e quase sair correndo para encontrar um exemplar de Finnegans Wake, uma temeridade como sabe todo leitor que já ouvi falar de Joyce e desse livro, o qual em condições normais me dá dor de cabeça só de pensar em lê-lo.
Gilmour fez o mesmo comigo em relação a filmes: quando terminei o livro, estava disposta a ir atrás de todos eles, até mesmo d’O Exorcista.
Acho que isso diz muito mais sobre o livro do que quaisquer outras críticas que eu possa fazer: sou uma medrosa assumida e nem em um milhão de anos eu assistiria O Exorcista - é uma questão de sobrevivência que eu não o assista, ou deixarei de dormir e logo morrerei de exaustão.
Felizmente, para minha sanidade ao menos, consegui superar essa vontade antes que ela fosse capaz de causar danos irreversíveis.
Muitos dos títulos que Gilmour indica, não cheguei ainda a assistir – embora pelo menos metade da lista eu tenha aqui em casa, cortesia de minha última visita ao Tio Fafa, que me mandou de volta para casa com a mala cheia de clássicos. Tudo o que preciso agora é arranjar tempo, largar os livros por um tempo, e ir para a televisão. Ainda assim, apesar de minha ignorância cinematográfica (não, não é que ela seja tão grande assim...), não boiei ou fiquei sem entender os comentários que ele faz sobre esses filmes – ele é completamente compreensível, mesmo em seus momentos de maior arroubo sentimental (especialmente quando Hepburn aparece).
Para os cinéfilos e não iniciados de plantão, fica a dica. É um bom livro, que você lê de uma sentada só (levei pouco menos de uma hora e meia) e depois sai por aí com vontade de debatê-lo com alguém.
Hum... alguém aí já leu para poder debater comigo?
"Indicar filmes às pessoas é um negócio arriscado. De certa forma, é algo tão revelador quanto escrever uma carta para alguém. Mostra como você pensa, aquilo que o motiva, e algumas vezes pode mostrar como você acha que o mundo o enxerga. Então, quando você recomenda com entusiasmo um filme a um amigo, e diz “Ah, é bom demais, você vai adorar”, é uma experiência desconcertante quando você o encontra no dia seguinte e ele diz: “Você achou aquilo engraçado?”"
(resenha originalmente publicada em www.owlsroof.blogspot.com)